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Brasil

Polarização dificulta construção de consensos e coloca democracia em risco

O uso de armas é incentivado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro

12 de maio de 2022 - 12h01

A construção do consenso social como prerrogativa para o aumento da qualidade da democracia

 

Por Luciléia Aparecida Colombo

Comumente, a democracia é relacionada à construção coletiva do bem comum ou do interesse geral dos cidadãos, dois aspectos caros à Ciência Política clássica.

Entretanto, recentemente, tais constructos coletivos foram substituídos por uma definição de democracia mais realista às novidades oriundas da modernidade, especialmente com o surgimento das mudanças sociais provocadas pelos impactos da industrialização, porque considera que os interesses individuais – tanto de representantes, como de representados – não devem ser ignorados ou subestimados na manutenção dos pactos sociais.

Neste sentido, as análises políticas passam a adotar a lógica do homo economicus, enfocando uma perspectiva econômica para a compreensão dos fenômenos políticos.

A argumentação geral passa a ser centrada na máxima de que se os indivíduos possuem preferências maximizadoras e agem de maneiras distintas com relação ao que consideram o bem público ou interesse geral, então devemos analisar os custos para a obtenção de acordos pacíficos, que garantem, na integralidade, a própria manutenção da sociedade.

Entretanto, paralelamente a esta constatação, um questionamento mostra relevância, pois se os homens racionalizam os aspectos diários da vida social, então por que abrem mão de sua liberdade integral para estarem sob os auspícios de regras coletivas, que, no limite, cerceiam uma parte desta autonomia individual?

Parte considerável desta pergunta pode ser encontrada na obra de James Buchanan, que publicou, em 1965, o famoso The Calculus of Consent: Logical Foundations of Constitutional Democracy, onde defende que o indivíduo passa a considerar vantajoso agir de maneira coletiva se no percurso desta ação os interesses individuais estiverem sendo satisfeitos; considera, ademais, que a colaboração coletiva pode amortizar ou mesmo evitar danos aos interesses individuais, assegurando a preservação de seus interesses.

Surge, assim, o que Buchanan (1965) denominou de simetria de interesses: os interesses da maioria estarão sempre em um patamar superior aos da minoria, em um desenho institucional que privilegie a hierarquia como garantidora da ação coletiva.

Parte destas prerrogativas do autor explicam a formação do Estado e das regras que este impõe aos cidadãos, pois ele passa a ser palco não de antagonismos sociais decorrentes de pressões com origem em inclinações pessoais, mas de um arranjo político capacitado para garantir a construção de objetivos compartilhados.

Entretanto, para que exista essa solidariedade coletiva em torno de uma cooperação social que legitima o pacto social, é necessário que os indivíduos tenham a garantia de: “liberdade para escolher qualquer acordo compartilhado para se integrarem onde nenhum homem possuiria poder coercitivo sobre qualquer outro homem, e não existiria burocracia – militar ou civil – que viesse impor restrições externas” (Buchanan, 1975, p. 3)”.

As instituições políticas e sociais teriam, nesta concepção, uma importância fundamental para arbitrar possíveis dissensos oriundos da sociedade e seriam o lócus preferencial para a produção das regras garantidoras do jogo político.

Entretanto, como obter o consenso em uma sociedade marcadamente caracterizada pela polarização política, como é a situação em que o Brasil se encontra atualmente?

A resposta a esse questionamento não é simples, mas há evidências que amparam as motivações para o acirramento da polarização.

Em primeiro lugar, é preciso pontuar o nosso frágil investimento em educação política, tanto no ensino fundamental, como no médio e por que não dizer, no superior?

Como um diagnóstico ousado, é preciso ponderar que a ausência de um conhecimento profundo sobre o funcionamento do sistema eleitoral, do sistema político e das regras gerais que compõe a democracia brasileira, deixam um vácuo que é preenchido por informações distorcidas, disseminadas especialmente por uma rede de produção de inverdades.

Em segundo lugar, ainda em menção a esta rede de produção de notícias falsas, temos um desafio ainda mais eloquente para os próximos mandatos políticos, que é a necessidade de inibir a produção e a disseminação destas fake news.

Por fim, podemos dizer que um terceiro desafio e que está intrinsecamente ligado aos já elencados aqui, é a retomada de um projeto de governo capacitado para a produção de políticas públicas que estejam alinhadas com o atendimento à uma parcela significativa de cidadãos, e que possa ser monitorada por um efetivo sistema de participação social.

Voltamos ao questionamento inicial de como obter o consenso em uma sociedade que se apresenta polarizada.

Pois bem, tal indagação já é bem antiga, especialmente nos Estados Unidos, com as teorias contemporâneas do consensus building, formuladas, sobretudo, a partir dos anos 80 no Massachusetts Institute of Technology (MIT), especificamente no Consensus Building Institute (CBI) (https://www.cbi.org/).

A proposição deste centro é interdisciplinar, apresentando intervenções que facilitam aos stakeholders a resolução de conflitos através de estratégias de colaboração. As contribuições deste instituto podem ser encontradas nas premissas do PNUD e também do Banco Mundial, especialmente na formação de quadros para a facilitação das situações de conflito.

Quanto ao cenário brasileiro atual, é preciso ponderar que ele exige o abandono imediato de políticas polarizantes e porque não dizer, polêmicas, como por exemplo, liberar o uso de armas para a população, e o acolhimento de propostas que possam, verdadeiramente, colaborar para a resolução de nossos problemas reais: o combate à fome, ao desemprego e à vulnerabilidade social, onde esta última apresenta, diariamente, dados alarmantes.

Talvez esse retorno imediato para tais problemas possa ser o ponto de partida para a unificação da sociedade em torno de propostas progressistas e realistas, fortalecendo, em paralelo, nossa frágil democracia.

 

Luciléia Aparecida Colombo é professora adjunta de Ciência Política da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) e líder do grupo de pesquisa Federalismo, Políticas Públicas e Desenvolvimento.


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