Governo Lula se cala sobre comemoração do golpe militar em quartel de onde partiram tropas golpistas em 64
03 de abril de 2024 - 07h51
Por Lúcia Rodrigues
A homenagem aos 60 anos do golpe militar pelo regimento do Exército em Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, de onde partiram as tropas golpistas que depuseram o presidente João Goulart em 31 de março de 1964, foi recebida com silêncio pelo governo Lula.
Nem o Ministério dos Direitos Humanos nem o da Defesa emitiram qualquer comentário ou nota em repúdio à manifestação em apoio aos militares golpistas de 64.
O presidente Lula havia determinado que nenhum ministro se manifestasse sobre a descomemoração dos 60 anos do golpe militar, mas não havia nenhuma ordem expressa para que os militares silenciassem também.
E o comandante do Exército, general Tomás Paiva, deu sinal verde para a manifestação da tropa mineira.
A nota divulgada pelo Exército também enaltece o golpe militar. Trecho do texto diz: “Os acontecimentos de 31 de março de 1964 representam um fato histórico enquadrado em uma conjuntura de 60 anos atrás”.
A 4ª Brigada de Infantaria Leve de Montanha, quartel da antiga 4ª Região Militar, então comandada pelo general golpista Olímpio Mourão Filho, expõe em seu pátio uma placa em homenagem ao golpe.
O regimento se define como Brigada 31 de Março, em alusão à data do golpe militar.
A unidade do Exército está localizada a pouco mais de cinco minutos de carro da Praça Antônio Carlos, onde foi realizada, na última segunda-feira, 1°, uma manifestação em descomemoração aos 60 anos do golpe militar.
Marcha reversa
Organizada pela Prefeitura de Juiz de Fora, comandada pela petista Margarida Salomão, a manifestação lotou a praça com a chegada da Marcha da Democracia, um comboio de ônibus e carros, que partiu da Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, e refez o trajeto no sentido inverso ao dos golpistas.
Os dois filhos de Goulart, João Vicente e Denize, e uma neta compareceram à manifestação que reuniu também familiares de perseguidos políticos pela ditadura em Juiz de Fora, além de ex-presos políticos e ativistas de direitos humanos.
“Punição aos generais, ditadura nunca mais”, foi uma das palavras de ordem gritadas pelos manifestantes durante o ato e a marcha reversa, na sua partida na Cinelândia, e em suas paradas em Petrópolis e Comendador Levy Gasparian, todas no Estado do Rio de Janeiro.
Na ponte em Levy, que liga Rio e Minas Gerais, e por onde passaram os golpistas comandados por Mourão para depor Jango, também houve um protesto com um encontro de manifestantes sobre a estrutura construída no período imperial.
Na manifestação de Juiz de Fora, a deputada estadual Marina do MST (PT-RJ) pediu que os familiares de mortos e desaparecidos políticos da ditadura militar ficassem de pé e puxou o grito: “Por nossos mortos, nem um minuto de silêncio, mas toda uma vida de lutas”.
“A resistência não só foi fundamental, mas a libertação de nossa pátria foi sangue e sacrifício de todos aqueles que tombaram no caminho da democracia. Nós temos o dever de transmitir às novas gerações o que aconteceu em 64. Não quer dizer que estamos remoendo qualquer coisa. Quer dizer que este país não pode mais aguentar ameaças de ditadores. Não pode mais aguentar generais de quatro estrelas para tutelar o Brasil”, enfatiza João Vicente Goulart.
“Não temos mais 60 anos para esperar o desenvolvimento. Que a partir de Juiz de Fora, 60 anos depois, se comece a fincar a estaca para desafiar esses generais, desafiar o sistema rentista implantado em nosso país”, conclui.
A prefeita Margarida Salomão ressalta a importância de se passar a história a limpo.
“A nossa Marcha não reverte, infelizmente, os acontecimentos que levaram à longa noite de 21 anos, mas com certeza é a oportunidade que nós temos, neste momento, para registrar e rememorar. A (Universidade) Federal de Juiz de Fora, para meu grande orgulho, realizou uma reparação imprescindível (concessão do Título Honoris Causa) à memória do presidente João Goulart.”
Margarida frisa ainda em sua intervenção: “Nós estamos visitando o nosso passado, diante das profundas necessidades do presente”. E lê o tuíte da ex-presidente Dilma Rousseff, julgada na Auditoria Militar de Juiz de Fora durante os Anos de Chumbo.
“Manter a memória e a verdade histórica sobre o golpe militar que ocorreu no Brasil há 60 anos, em 31 de março de 1964, é crucial para assegurar que essa tragédia não se repita, como quase ocorreu recentemente, em 8 de janeiro de 2023”, diz trecho lido.
Familiares de perseguidos políticos em Juiz de Fora também receberam das mãos da prefeita um documento de desagravo à luta dos parentes.
A manifestação foi encerrada ao som das canções Solo le Pido a Dios e Coração Civil e do Hino do MST, na voz e acordes de Pereira da Viola.