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Brasil

Freios e contrapesos são essenciais para manterem equilíbrio entre poderes e democracia

Praça dos Três Poderes, em Brasília. Ao centro, o Congresso Nacional, à esq. o STF e à dir. em frente, o Palácio do Planalto

02 de maio de 2022 - 11h54

A preservação dos checks and balances como prerrogativa para um federalismo em moldes cooperativos

 

Por Luciléia Aparecida Colombo

Quando Montesquieu escreveu O Espírito das Leis, previa, entre alguns diagnósticos políticos, a separação dos poderes como prerrogativa para o controle do poder e para que possíveis excessos cometidos fossem naturalmente amortizados por uma separação clara entre eles.

Assim, Legislativo, Executivo e Judiciário teriam seus campos de atuação bem distintos e definidos previamente, para evitar a sobreposição de poderes entre eles, e para a proteção do poder político de interesses escusos e particularistas.

Preocupação semelhante pode ser observada na obra O Federalista, uma coletânea de 85 papers (Federalist Paper), escrita pelos célebres Alexander Hamilton, John Jay e James Madison, e que propunha uma divisão de poder para que a autonomia fosse preservada e que a harmonia entre eles também se mantivesse intocada. Nascia, assim, a teoria do sistema de checks and balances (freios e contrapesos).

Tanto a proposição da teoria da separação dos poderes como os checks and balances system, previam a limitação do poder, com a garantia de preservação da unidade e da colaboração – sem interferência – entre os poderes constituídos e soberanos de um país. Além disso, fornecem as bases para a consolidação da democracia e do Estado Democrático de Direito, preservando a autonomia, independência e interdependência entre os atores envolvidos.

No caso brasileiro, a Constituição de 1988 prevê o mecanismo de checks and balances especialmente atrelado ao federalismo, que é cláusula pétrea, e que favoreceu a tripartição de poderes como o modelo geral adotado.

Desta forma, podemos inferir que este modelo também exerce forte influência sobre as políticas públicas produzidas, especialmente na garantia da implementação destas políticas.

Neste sentido, para além de pensarmos os freios e contrapesos como instrumentos de separação dos poderes, também podemos utilizá-lo como termômetro para medir as relações intergovernamentais processadas entre a União, Estados e Municípios, especialmente o grau de dependência e cooperação entre eles.

É preciso destacar que a Constituição de 1988 também relegou aos Municípios algumas prerrogativas importantes para a implementação de políticas públicas, uma novidade em comparação às Cartas anteriores.

Além disso, pelo novo desenho institucional promovido na redemocratização, as relações intergovernamentais foram prioritariamente amparadas sobre critérios de cooperação e coordenação, muito embora, na prática, as distorções existam e se refletem de forma negativa nas ações competitivas travadas entre estes entes.

Ademais, a descentralização foi a tônica deste processo, envolvendo o repasse de recursos financeiros e de competências para os entes subnacionais.

Recorrentemente, as relações intergovernamentais são colocadas à prova de fogo, especialmente quando envolvem a necessidade de ações mais colaborativas e coordenadas, embora o grau de tensionamento quando desta necessidade, se revela alto.

O maior desafio a essa boa interlocução entre os entes federados aconteceu durante a pandemia da Covid-19, com a desarticulação em torno do governo federal com Estados e municípios.

O dissenso acabou sendo resolvido pelo Supremo Tribunal Federal, que delegou pela coexistência dos três níveis de governo para o controle da pandemia, visto que a União tem a prerrogativa de legislar sobre o tema, desde que resguardado a garantia da autonomia de Estados e municípios no exercício desta competência concorrente: trata-se da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 6341.

Através desta Adin, o entendimento do STF, representado pelo relator, ministro Marco Aurélio Mello, atesta que o princípio da separação dos poderes estaria ameaçado, caso a definição de essencialidade dos serviços públicos, bem como a competência por restringir a abertura e fechamento do comércio fosse diretamente decidida apenas por um dos entes federados, no caso, pelo Executivo Federal.

Diz, literalmente, a íntegra da decisão do ministro Marco Aurélio: “Sob o ângulo material, aponta a competência administrativa comum, atribuída aos demais entes da Federação, voltada à adoção de medidas de isolamento, quarentena, restrição de locomoção por rodovias, portos e aeroportos, bem assim de interdição de atividades e serviços essenciais. Sustenta esvaziada a responsabilidade constitucional, atribuída a todos os entes, para cuidarem da saúde, dirigirem o Sistema Único e executarem ações de vigilância sanitária e epidemiológica, nos termos dos artigos 23, inciso II, 198, inciso I, e 200, inciso II, da Constituição de 1988, bem como o critério da predominância do interesse. Sublinha violada a autonomia dos entes da Federação, a revelar adequado o afastamento da exclusividade da União para dispor sobre as referidas providências” (Adin 6341, 2020, p. 3).

Este exemplo mais recente é apenas um dos diversos casos em que determinada matéria pública necessita de uma coordenação mais intensa dos entes federados; entretanto, a coordenação sempre esbarra na dificuldade de um arranjo federativo que acolha as demandas sem cercear a autonomia dos envolvidos: caso clássico em que o federalismo é testado na sua competência mais cara – a de resolver conflitos.

Além disso, cabe destacar que, do ponto de vista teórico, o papel da União é o de promover a paz e a tranquilidade dos Estados, levando Hamilton, Madison e Jay a destacarem que: “Para manter a separação dos poderes, que todos assentam ser essencial à manutenção da liberdade, é de toda necessidade que cada um deles tenha uma vontade própria; e, por consequência, que seja organizado de tal modo, que aqueles que o exercitam tenham a menor influência possível na nomeação dos depositários de outros poderes”.

Para o Brasil, ainda falta fazermos a lição de casa e aprendermos que autonomia e liberdade vêm acompanhadas de responsabilidades públicas.

Somente assim poderemos ter um federalismo em moldes cooperativos e uma democracia sólida.

 

Luciléia Aparecida Colombo é professora adjunta de Ciência Política da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) e líder do grupo de pesquisa Federalismo, Políticas Públicas e Desenvolvimento.


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