Escolheu a desonra e provavelmente terá a guerra
11 de março de 2024 - 12h20
Por Lúcia Rodrigues
Eram idos de setembro de 1938. Hitler já demostrava a clara intenção sobre o que pretendia. O mundo caminhava a passos largos para a Segunda Guerra Mundial.
Mas Inglaterra e França tentavam dissimular o que se avizinhava.
Por meio de seus respectivos primeiros ministros criaram um subterfúgio para negar a realidade, como forma de ver se assim o problema desapareceria.
O inglês Arthur Neville Chamberlain, conhecido por sua política de apaziguamento, juntamente com o francês Édouard Daladier foram os protagonistas da assinatura do Acordo de Munique com Hitler e Mussolini.
O texto chancelado em 30 de setembro de 1938 entregava parte da Tchecoslováquia a Hitler na vã ilusão de conter os planos nazistas.
Percebendo a tibieza do compatriota e do francês, o conservador Winston Churchill vaticinou: “Entre a desonra e a guerra, escolheram a desonra. E terão a guerra”.
Menos de um ano depois, em 1 de setembro, a Alemanha invadia a Polônia dando início à Segunda Guerra Mundial.
O velho barbudo, em o 18 do Brumário, disse que a história se repete duas vezes, uma em forma de tragédia e outra, em farsa.
Mas o filósofo alemão Herbert Marcuse acrescentou que por Marx não ter vivido o horror da experiência fascista, a farsa seria ainda mais terrível do que a tragédia que sucedeu.
O fascismo está de volta. Quem tem olhos vê.
Os tempos são sombrios. O capitalismo está em crise, mas não vai morrer de morte morrida. Percebeu que o neoliberalismo é insuficiente para continuar se impondo, e que precisa da força bruta.
É nesse cenário que a extrema direita se assume como timoneira desses novos velhos tempos.
Com um discurso articulado numa espécie de Internacional do Mal espalha seu veneno destilando ódio pelas redes sociais e pelas ruas.
Quem acha que vai combatê-lo com pombas da paz, está redondamente enganado.
No Brasil, Bolsonaro foi derrotado nas urnas. Mas se está longe de aniquilar a ideologia que ele representa e que está arraigada nas Forças Armadas.
Durante os malfadados quatro anos de seu desgoverno, os militares comemoram o golpe de 1964.
Com a eleição de Lula e principalmente após o 8 de janeiro, com a revelação de que membros do alto escalão das Forças Armadas participaram novamente de uma trama golpista, se pensou que os fardados seriam definitivamente acuados.
Surpreendentemente é justamente Lula quem os preserva neste momento.
Numa política de panos quentes, o presidente da República determina que nenhum ministro se manifeste sobre a descomemoração dos 60 anos do golpe militar. A mesma recomendação, no entanto, não foi feita à caserna.
Desde que assumiu, Lula vem tentando evitar arestas com os militares. A não reinstalação da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos até o momento é exemplo disso.
Extinta por Bolsonaro 15 dias antes da posse do atual presidente, a Comissão criada pelo governo Fernando Henrique Cardoso, não tem prazo para voltar a funcionar, apesar de o ex-ministro da Justiça Flávio Dino ter garantido que seria reinstalada até 25 de outubro do ano passado, data da morte sob tortura do jornalista Vladimir Herzog no DOI-Codi paulista.
Lula também faz ouvidos moucos às recomendações da Comissão Nacional da Verdade e da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos).
Ao contrário de países do Cone Sul, que mandaram até um general presidente para a cadeia, o Brasil, sessenta anos após o golpe, não puniu nenhum repressor.
O máximo que se conseguiu foi uma decisão da Justiça reconhecendo que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do DOI-Codi de São Paulo, é torturador.
Mesmo assim, Lula prefere enfatizar que não vai ficar remoendo o passado e que é preciso virar a página sobre esse período.
Parece querer se convencer de que negando o problema, ele desaparecerá.
E com isso não se prepara para uma provável reação dos inimigos.
Alguém considera plausível que os generais Braga Netto, Heleno, Paulo Sérgio, o almirante Garnier e outros fardados ficarão quietinhos esperando a contagem regressiva para verem o sol nascer quadrado por longos anos?
Há ainda outro agravante pela frente. Trump pode vencer as eleições nos Estados Unidos.
Se em 2023, Biden barrou as pretensões golpistas dos militares, o mesmo pode não ocorrer com um aliado de Bolsonaro no comando do império estadunidense.
Mesmo assim, Lula resiste em organizar uma base popular de sustentação para o enfrentamento que provavelmente virá.
Prefere se afastar de apoiadores de primeira hora e de pautas como as que clamam por memória, verdade e justiça, e insistir na política de conciliação por dentro das instituições.
Acredita que assim evitará a derrocada de seu governo.
Escolheu a desonra, e provavelmente terá a guerra.
Ainda há tempo de mudar essa rota. Basta coragem política.