Entidades de DH pressionam para que governo Lula crie comissão permanente por justiça e reparação
17 de fevereiro de 2023 - 17h11
Por Lúcia Rodrigues
Com a posse de Lula, a pressa pela reconstrução do país se intensifica. E a área de direitos humanos, uma das mais vilipendiadas durante os quatro anos de desgoverno Bolsonaro, clama por atenção.
A pasta, que esteve sob a guarda feroz de Damares Alves, atuou incessantemente pela destruição de tudo o que havia sido conquistado em governos anteriores.
A Comissão de Anistia, por exemplo, foi totalmente deformada por Bolsonaro, que a transformou em um órgão de apoiadores da ditadura militar. Já a Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos foi simplesmente extinta após ter sido sucessivamente golpeada.
O general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva, amigo do coronel torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra que chefiou o DOI-Codi paulista nos anos 1970 e torturou, inclusive, mulheres grávidas, foi um dos que foi alçado por Bolsonaro à condição de membro da Comissão de Anistia.
Com essa horda no comando, a Comissão passou a rechaçar todas as solicitações dos ex-presos políticos. As reuniões para analisar os pedidos também se transformaram em palco de ataques às vítimas do regime de exceção.
Exemplo disso ocorreu quando foi negado o direito de indenização à ex-presidente Dilma. O general Rocha Paiva justificou sua decisão a acusando de terrorismo.
“Ela foi presa e julgada por pertencer à luta armada, que atuava na ilegalidade. Não foi por motivação política que foi perseguida. Ela optou por isso, e por pertencer à organização armada e que cometia atos terroristas”, afirmou à época.
Justamente para evitar que órgãos tão importantes como a Comissão de Anistia sejam tomados por extremistas, que ativistas de direitos humanos e ex-presos políticos se mobilizam para pressionar pela criação de uma comissão de Estado permanente que assegure memória, verdade, justiça e reparação.
O objetivo dessa comissão, segundo Francisco Calmon, ex-preso político que encabeça a proposta, é garantir que vítimas da ditadura militar, mas não só, tenham assegurados direitos que foram vilipendiados por agentes a serviço do Estado.
Ele sustenta que as reparações devem abarcar um período que se estende desde a escravidão, passando pelas duas ditaduras (Vargas e militar), até o governo Bolsonaro.
A proposta é capitaneada pela Rede Brasil Memória, Verdade e Justiça, que Calmon coordena, e tem a adesão de mais 22 entidades de direitos humanos.
O ex-preso político enfatiza que a inversão de valores que ocorreu na Comissão de Anistia e a extinção da sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, demonstra a importância de se constituir uma comissão de Estado permamente por memória, verdade, justiça e reparação.
No caso dos perseguidos pela ditadura militar, o ativista ressalta que a Lei de Anistia, de 1979, não levou em consideração o tempo de prisão, as torturas e consequências físicas e psicológicas a que os ativistas foram submetidos.
“Além de não ter ocorrido nem a responsabilização criminal nem civel dos autores das graves violações dos direitos humanos, também não tivemos uma reparação por completo.”
Ele comemora, no entanto, a retomada da Comissão de Anistia pelo governo Lula. “Vejo com muita alegria, satisfação e otimismo”, afirma ao se referir aos integrantes que passaram a integrar o órgão. “Essa comissão reúne competência técnica e a memória de quem já passou pela prisão e tortura.”
Calmon entende, no entanto, que é preciso ir além e constituir um órgão, que não esteja submetido a governos que de uma hora para outra possam alterar os objetivos dessas comissões ou até mesmo extingui-las.
“Defendemos uma comissão estatal permanente. Estamos vivendo um momento muito propício para a implantação da justiça de transição”, reforça.
Ele defende, inclusive, que haja julgamentos post mortem dos torturadores que reprimiram os combatentes nos Anos de Chumbo. “O Brasil não pode ter o DNA da impunidade. São crimes imprescritíveis. Esquecer o passado é deixar que ele continue assombrando. A impunidade é o incentivo a novos golpes, a novos genocídiios.”
“Se a justiça de transição não tivesse malogrado no Brasil, provavelmente não teríamos tido 2013, 2016, 2018 e o 8 de janeiro. Alguns querem atribuir o retorno dos militares (ao poder no governo Bolsonaro) à Comissão Nacional da Verdade, qdo é exatamente o contrário. Por não ter havido a criminalização dos agentes da ditadura, isso foi um incentivo, um sinal verde para continuarem.”
Calmon vê com otimismo as declarações do ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, sobre a importância do julgamento dos torturadores que atuaram na ditadura militar.
“Ele disse que estamos em um processo democrático, e que não se constrói democracia sem memória, verdade e justiça. Silvio Almeida tem uma visão correta sobre a justiça de transição. É bem animador.”
Por outro lado, lamenta que quadros ligados ao governo tenham, de acordo com ele, posições contrárias ao tema.
“O senador Jacques Wagner (PT-BA) passou pano para o general Villas Boas. (O ex-ministro da Defesa) Celso Amorim também já disse que não se deve retomar a Comissão da Verdade. Qual seria o propósito disso, se as Forças Armadas estão comprometidas do coturno ao quepe. A Rede Brasil de Memória, Verdade e Justiça repudia essas declarações”, alfineta Calmon.
Ele enfatiza que os crimes cometidos contra opositores por agentes da ditadura militar são de lesa-humanidade e portanto imprescritíveis.
“Desde o ano passado há uma súmula do Superior Tribunal de Justiça dizendo que todos os crimes da ditadura são imprescritíveis.”
E faz um alerta: “A reparação administrativa é uma reparação ao prejuizo profissional, mas não atinge os danos morais e materiais. Tem de se entrar na justiça (para se obter a reparação nessas outras áreas). Todos os companheiros devem entrar (com ações), porque a Justiça está respirando ares novos, após ter sido cúmplice da Lava Jato, prisão do Lula, do golpe-impeachment na Dilma.”