Deputado parente de ditador golpista diz na Alesp que atiradores defenderão país em uma guerra civil
27 de maio de 2022 - 12h59
Por Lúcia Rodrigues
Fica cada vez mais evidente que o crescimento exponencial de armas nas mãos dos chamados CACs (Colecionares, Atiradores e Caçadores), que hoje gira em torno de 600 mil pessoas e deve chegar a um milhão até ao final do ano, tem um claro objetivo político.
Na noite desta quinta-feira, 26, durante uma audiência na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) sobre a liberação do porte de arma para atiradores esportivos, o deputado estadual Castello Branco (PL-SP) escancarou o que move o aumento desenfreado de armamento nas mãos desse grupo,
Sem nenhum tipo de preocupação por estar no parlamento, o bolsonarista, que também é capitão do Exército e sobrinho-neto do ditador golpista Humberto de Alencar Castello Branco, afirmou com todas as letras que os CACs devem agir em uma guerra civil na defesa do país, leia-se na defesa do governo que eles apoiam.
“A última trincheira, o último bastião de defesa deste país são vocês. Porque se um dia este país viesse a ter uma guerra civil. Se um dia nós tivéssemos de enfrentar uma situação limite, e nós não estamos livres disso, por várias razões. Somos nós, os atiradores, caçadores e colecionadores, que em última instância, vão fazer o papel de defender o nosso país e as nossas famílias”, afirmou para uma plateia lotada de armamentistas que ocupava o auditório Franco Montoro.
Os CACs têm autorização para comprar até fuzis semiautomáticos. Em lojas de armas, um modelo 100% nacional sai por quase 20 mil reais, que podem ser parcelados em até 10 vezes no cartão de crédito.
Depois que Bolsonaro flexibilizou as regras para a compra de armas e munição, há um verdadeiro arsenal à disposição desse grupo.
Um CAC pode ter até seis armas e adquirir mil cartuchos para cada arma de uso restrito e cinco mil para cada arma de uso permitido. Há ainda subterfúgios que permitem ampliar em muito esses limites.
O deputado militar se orgulha de ter contribuído para a causa da disseminação do armamento no país. Atuei muito nos bastidores, como oficial do Exército num trabalho silencioso, inclusive ajudando clubes de tiro com orientação, colocando meu gabinete à disposição para o que fosse necessário.”
Castello Branco chegou à Assembleia Legislativa, com apenas 38 mil votos, puxado pela deputada Janaina Paschoal, então colega de partido, o PSL.
Ele diz que sua geração vai fazer a diferença. É importante destacar que o parlamentar é contemporâneo de vários militares que estão no governo federal e em postos das Forças Armadas.
E antecipa que pretende criar uma rota turística do tiro no Estado. Castello Branco concluiu sua intervenção com um grito de “viva o tiro”.
Como diz aquela expressão atribuída a de Gaulle: O Brasil não é um país sério!
O lobby armamentista não dá trégua. Dois dias depois do massacre em uma escola primária do Texas, nos Estados Unidos, em que um atirador de 18 anos executou 19 crianças e duas professoras, a Assembleia Legislativa abriga esse tipo de audiência pública.
O argumento utilizado para irrigar as ruas do Estado com mais armamento, se vale de uma suposta brecha no Estatuto do Desarmamento, que não seria explícito, segundo eles, como no caso dos colecionadores e caçadores, que devem transportar o armamento descarregado.
O projeto 418/21 de autoria do deputado Tenente Nascimento (Republicanos), um pastor da Assembleia de Deus e oficial da reserva da PM que chegou ao parlamento nesta legislatura, eleito pelo PSL com apenas 45 mil votos, utiliza a justificativa falaciosa de que os atiradores esportivos estão expostos a risco de atividade e portanto devem ter direito ao porte de arma para defesa pessoal.
O texto já foi aprovado na CCJ, a Comissão de Constituição e Justiça, e deve entrar na pauta da reunião da Comissão de Segurança e Assuntos Penitenciários na próxima quarta-feira, 1, segundo o relator do projeto, o deputado Altair Moraes (Republicanos), outro evangélico, adepto de artes marciais e filho de policial militar.
Ele já deu parecer favorável à propositura e trabalha pessoalmente pela sua aprovação na Comissão de Segurança, em que é o vice-presidente.
“Estou ligando pessoalmente para os deputados (que compõem a Comissão), para dar quórum”, disse à plateia armamentista.
Falando em um tom de comunhão de ideias com os presentes, Moraes ressaltou a importância de se ter um relatório favorável ao tema, para o sucesso na aprovação do projeto.
“Caso não seja favorável, não passa. Eu disse, Nascimento, manda pra mim, que eu mato no peito e eu vou ser favorável. Porque é uma questão de justiça. É injusto uma pessoa não poder se defender.”
De acordo com ele, Acre, Alagoas, Amazonas, Distrito Federal, Goiás, Piauí e Roraima já aprovaram leis permitindo o porte de arma para os atiradores. E em 18 Estados há projetos tramitando nas Assembleias Legislativas.
“A cada dia que passa, a gente percebe que a força pró arma tá ficando melhor. O mais importante é aprovar (o projeto) nesta Casa. Porque se aprova aqui, acabou. Dá guarda-chuva pra todo mundo. Todo o Estado tá livre”, comemora.
A mesa da audiência reuniu, além de parlamentares da base bolsonarista, figuras como o delegado da Polícia Civil Paulo Bilynskyj, que morava no mesmo prédio em que vivia o ex-presidente Lula, em São Bernardo Campo, quando sua então namorada morreu baleada no tórax e ele foi atingido por disparos após um briga.
Em seu discurso, o delegado que tinha seis armas em casa no momento da morte da namorada, argumentou que as armas protegem a vida.
Mais surreal ainda foi a presença do padre católico Gian Paulo Ruzzi, da Paróquia Todos os Santos, localizada em Embu das Artes, na região metropolitana de São Paulo, apresentado pelo cerimonial da audiência como armamentista e atirador.
Ele mantém uma página no Instagram com fotos e vídeos em que aparece disparando com fuzil e pistola. Clique aqui para ter acesso ao perfil do padre na rede social.
Há ainda posts divulgando um Churrastiro, que seria um misto de clube de tiro com churrasco.
O padre também aparece em várias fotos com taças e copos com bebidas e camisetas com estampas de caveira e pistola. Fotos do astrólogo Olavo de Carvalho, em que ele lamenta sua morte, também integram o portfólio.
Em outro vídeo é possível ver o padre lutando com um homem, em um local que parece ser de treinamento.
Ele também publica posts que enaltecem o Império e tratam a proclamação da República como um golpe. Há ainda publicações críticas ao PT.
O padre atirador já teve a conta suspensa pelo Instagram.
O projeto encabeçado por Nascimento e que conta com o apoio do sacerdote e demais CACs, tem a coautoria dos deputados bolsonaristas Agente Federal Danilo Balas (PL), Douglas Garcia (Republicanos), Gil Diniz, o Carteiro Reaça (PL) e Leticia Aguiar (PP). Assim como o autor da propositura, os quatro se elegeram pelo PSL e estão em suas primeiras legislaturas.