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REVOLUÇÃO DOS CRAVOS

Participação popular transformou em revolução, levante de capitães contra ditadura em Portugal

O capitão Salgueiro Maia, comandante da Revolução dos Cravos, em Lisboa, durante o cerco ao governo salazarista

25 de abril de 2022 - 01h16

A Revolução dos Cravos faz 48 anos

 

Por Lincoln Secco

No dia 25 de abril de 1974 uma operação militar articulada clandestinamente ganhou as ruas de Lisboa e derrubou a ditadura que vigorou por 48 anos em Portugal.

Foi a participação popular no próprio 25 de abril e nas semanas seguintes que a tornou uma revolução.

Muitas empresas foram ocupadas e autogeridas pelos trabalhadores¹, assim como moradias coletivas, creches e cursos universitários.

Iniciou-se a reforma agrária. Em 1975, 25% da superfície arável de Portugal eram geridos pelas unidades cooperativas de produção: fenômeno sem paralelo na Europa ocidental².

Um forte movimento urbano também se instalou em Lisboa. 

As Comissões de Moradores foram radicais não devido à eventual participação de grupos de extrema esquerda, embora isso fosse provavelmente importante para vocalizar as demandas junto ao Estado.

A radicalização provinha das conjunturas da Revolução e dos problemas objetivos que as comissões enfrentavam³

Mas a participação de minorias populares urbanas não era suficiente para se tornar alternativa de poder.

Os partidos também não puderam e nem se propuseram a tomar o poder de Estado e submetê-lo a uma lógica “soviética”.

Por isso, a dinâmica das Forças Armadas foi o alfa e o ômega da explicação do insucesso revolucionário.

Foi a força militar que abriu a brecha para que o movimento popular fosse além do que o Movimento das Forças Armadas (MFA) esperava.

E foi também por causa dela que a revolução foi posteriormente bloqueada. Poderia o MFA ter se tornado o sucedâneo de partido dirigente revolucionário?

O êxito ou derrota se definem a partir das manobras táticas que poderiam mudar o rumo de certas políticas.

Mas as manobras não podem tudo. Elas são constrangidas pelo campo de batalha estabelecido a priori.

Este “campo” é posto pela situação internacional; pelas forças sociais e econômicas e pelas forças ideológicas que compreendem (ou não) a estrutura dentro do qual elas atuam.

A Revolução foi possível no quadro geral da luta anticolonial; do confronto indireto entre União Soviética e Estados Unidos; do recuo dos Estados Unidos diante da ascensão das lutas de classes desde os anos 1960 (mas especialmente pela sua derrota à vista no Vietnã).

Mas foi limitada pelas estruturas seculares da economia portuguesa, pela sua distribuição demográfica, arranjo agrário, limites mentais de suas elites políticas, pelo pertencimento do país à Otan e, sobretudo, pelo fato de ser dirigida por um Exército regular que não pode se transmutar num órgão decididamente revolucionário.

O Movimento das Forças Armadas (MFA) iniciou uma operação militar, à qual se seguiu uma insurreição urbana, num país ainda de grande influência rural e católica.

Sua evolução ideológica rápida se deu em conjunto com a da população urbana (ou parte expressiva dela). Neste sentido, ele não foi uma vanguarda. Ao mesmo tempo, os partidos não tinham a legitimidade das armas e do dia 25 de abril, para substituírem o MFA.

O MFA não representava mais do que 10% da oficialidade e não tinha existência formal no interior das Forças Armadas.

Ele só podia transformar-se em dirigente de um processo radical se submetesse o restante da instituição, o que exigiria grandes expurgos.

Teria que usar a violência (ou a ameaça dela) e opor entre si oficiais vinculados por laços de camaradagem forjados nas escolas e academias militares ou na guerra colonial; romper com sua própria formação estritamente militar; armar civis e arriscar-se a ser submergido numa guerra civil e a perder o controle do aparelho de Estado.

Na ausência de um partido, o MFA teria que cumprir um papel para o qual a sua rápida criação (no tempo curto) lhe permitia, mas a sua lenta formação (no tempo longo das Forças Armadas nacionais) lhe interditava. 

A teoria revolucionária não é o deus ex machina de nenhuma revolução. Não são as ideais que a tornam possível e sim a existência objetiva de um movimento capaz de dirigir amplos grupos sociais numa situação revolucionária. Mas para que haja esse tipo de movimento, a teoria é indispensável.

1 Uma cisão dos Comités Comunistas Revolucionários (CCRs) editou o jornal O Combate, repleto de informações sobre o tema. Recentemente foi publicada uma bela edição fac-similar.

2 Baum, M. “Autogestão e Cultura Política: o impacto da Reforma Agrária no Alentejo 20 anos depois”, Análise Social, vol. XXXIII (148), 1998.

3 Downs, C. Revolution at the grassroots. New York Press, 1989,  p.117.

 

Lincoln Secco é professor de História Contemporânea da USP (Universidade de São Paulo), membro do GMarx USP (Grupo de Estudos de História e Economia Política) e autor de A Revolução dos Cravos (Alameda Editorial).


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