Otan usa guerra na Ucrânia para mobilizar Ocidente contra Rússia e China
12 de julho de 2022 - 02h27
A Otan reage
Uma reação na decadência?
Por Caio Bugiato
Antes de assumir a presidência dos Estados Unidos, Donald Trump declarou que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) estava obsoleta. E na polêmica cúpula da aliança militar em 2019 colocou em dúvida se seu país cumpriria o princípio de defesa mútua. O presidente da França Emmanuel Macron, no mesmo ano, afirmou que a Otan estaria em um estado de morte cerebral.
Fundada em 1949 para destruir a União Soviética e composta pelas potências capitalistas da América do Norte e da Europa, a aliança apresenta historicamente discursos falaciosos e palavras ao vento, sobretudo quando se trata de democracia e liberdade.
Independente de declarações de chefes de Estado e do governo do Norte e de divergências pontuais entre eles, a Otan cumpre ainda hoje o que a cientista política e historiadora Ellen Wood chamou de full spectrum dominance (domínio de espectro total) no seu livro Império do capital.
Ela fornece a força militar de retaguarda para classes dominantes locais e processos de acumulação de capital que conduzem o capitalismo global hegemonizado pelos Estados Unidos. Quando uma peça deste sistema não funciona como prevê a cartilha da Washington, aciona-se o alerta da aliança militar.
Atualmente as principais peças que não funcionam são o Estado russo e o Estado chinês, o primeiro em um curso nacionalista e autônomo, o segundo em um curso de alternativa ao capitalismo.
A cúpula de Otan, reunida em Madri entre os dias 28 e 30 de junho, teve como tema central a oposição aos russos e chineses, assim como teve a reunião do G7 (grupo dos sete países mais ricos do mundo), na Alemanha, alguns dias antes.
Importantes decisões como o início do acordo de entrada da Finlândia e Suécia (depois de resolver os entraves com a Turquia) e o aumento do número de soldados em solo europeu estão relacionados especificamente ao governo Putin, mas estrategicamente às peças que “não funcionam”.
A entrada de finlandeses e suecos resultará em ampliação das fronteiras da Otan com a Rússia em mais que o dobro, por terra e mar. Dos atuais 40 mil soldados na Europa, o salto será para 300 mil soldados, o maior aumento de contingente desde o fim da Guerra Fria.
Além disso, foi acordado um investimento conjunto de um bilhão de euros em um Fundo de Inovação. O Fundo prevê investimentos em inteligência artificial, tecnologias quânticas, processamento de big data, biotecnologia e aprimoramento humano, entre outros. Ademais, há previsão de investimento em tecnologias de dupla utilização, que são tanto para fins civis como militares.
Alguns dias antes da cúpula, em entrevista à imprensa, o secretário geral da Otan, Jens Stoltenberg, afirmou que o fortalecimento da aliança é prioridade diante da ameaça crescente de Rússia e China. A declaração final da reunião vai no mesmo sentido: “A Federação Russa representa a ameaça mais significativa e direta à segurança dos Aliados. O terrorismo é uma ameaça assimétrica à segurança de nossos cidadãos e à paz e à prosperidade internacional. As ambições declaradas e as políticas coercitivas da República Popular da China desafiam nossos interesses, segurança e valores. Também enfrentamos ameaças e desafios globais e interligados como a mudança climática, tecnologias emergentes e disruptivas e a erosão da arquitetura de controle de armas, desarmamento e não-proliferação”.
É importante notar que, como tem afirmado o sociólogo Atilio Boron (em seu livro America Latina en la geopolítica del imperialismo, por exemplo), está aberta (novamente?) a questão sobre a decadência hegemônica dos Estados Unidos.
Segundo Boron, os Estados Unidos apresentam problemas estruturais em sua economia, como déficit fiscal e comercial e altíssimo endividamento público, o que criaria impedimentos de manutenção de sua superioridade econômica, política e militar.
Este processo irreversível torna a potência hegemônica mais agressiva, como mostram outros exemplos históricos, nesta fase de degeneração, sobretudo diante do surgimento de outros centros de poder. Uma redistribuição de poder mundial, que jamais ocorreu pacificamente.
Expectadora na guerra da Ucrânia, a China seria país mais favorecido por tal redistribuição. E para desespero dos ocidentais, os chineses não compartilha da sua tradição política e cultural. A ver.
Caio Bugiato é professor de Ciência Política e Relações Internacionais da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) e do programa de pós-graduação em Relações Internacionais da UFABC (Universidade Federal do ABC)