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8 DE MARÇO

No Chile, escolas públicas de maior prestígio ainda são divididas entre sexos

Em 2020, milhares de chilenas lotaram as ruas de Santiago para protestar contra o machismo

08 de março de 2022 - 11h22

8 de março: O desconforto dos nossos gritos

 

Por Victoria Cayres, de Santiago do Chile

8 de março é o Dia Internacional da Mulher. É quando ela decide sair às ruas sem medo de exercer o seu direito de falar, gritar contra a injustiça e lutar contra o machismo dominante na sociedade atual. No Chile, o poder das mulheres se torna visível neste dia para demonstrar o seu descontentamento com o Estado e a sua vontade de provocar mudanças estruturais significativas. 

Coincidentemente, foi num dia assim, em 2017, que tive o meu primeiro dia de aula em uma escola pública em Santiago.

No Chile, existem escolas públicas que geralmente são masculinas ou femininas, ou seja, durante todo o período educacional ambos os sexos não convivem de forma integrada. Entretanto, o fato de só haver mulheres em uma escola criou um espaço seguro para desenvolverem a autoconfiança, criarem uma atmosfera de irmandade, expressão e educação feminista. 

Meu período educacional em uma dessas escolas foi o melhor ambiente para me desenvolver como mulher e para que as minhas opiniões fossem ouvidas, pois todas nós compartilhamos um mesmo sentimento: a impotência diante da injustiça de gênero.

Nesse espaço conheci o feminismo e desenvolvi a ideia de que ser mulher não significa competir com meu próprio gênero. Aprendi que devemos cultivar a ideia de que devemos crescer em fraternidade, para permanecer unidas e marchar de mãos dadas contra as dores que nos unem. 

No Chile, a maior manifestação feminista foi em 8 de março de 2020, quando mais de um milhão de mulheres nas ruas gritaram o que mantinham em silêncio diante de situações de opressão e invisibilização.

Estes gritos não eram apenas contra os abusos do Estado, mas também contra a sociedade chilena que absorve situações machistas e as normaliza. Nessas marchas, as mulheres se despem da cintura para cima, dançam, gritam até ficarem sem voz e confrontam suas histórias de estupro, assédio e abuso.  

No entanto, mesmo quando o feminismo enche as ruas neste dia, os homens continuam falando sobre os nossos corpos e minimizando o poder feminino.

Se as mulheres não querem ser objetificadas e validadas apenas por seus corpos, por quê estão sempre usando-o para conseguir o que querem”, disse-me um amigo depois que eu lhe disse que estava na manifestação apenas de sutiã e short.

Ele parece ainda não entender que o 8 de março é o momento feminino para encorajar mais mulheres a ousarem mudar as situações que não podemos mais aceitar. 

No final, ser mulher é a razão pela qual eles estão sempre zangados conosco. Talvez seja por isso que a sociedade não suporte o fato de uma mulher estar em uma posição mais importante que um homem, é por isso que existem tantos casos de violência de gênero e feminicídios no Chile, mas talvez seja também por isso que as mulheres estão tão exaustas e precisam se reivindicar. 

A sociedade chilena deve muito às mulheres. Quando dizem nas notícias que é bom vê-las lutando, que são mulheres fantásticas e que têm o poder de fazer mudanças, não percebem os olhos derrotados, o corpo desgastado de tanto trabalho, o cansaço do abuso e assédio diário que sofrem desde cedo.

Afinal, a mulher chilena tem o coração incendiário que os homens temem que cause uma revolução, mas não sabem que quando o interior de uma mulher arde, não demora muito para que todas as outras comecem a queimar também e se recusem a aceitar ser silenciadas ou desacreditadas.  

Neste dia 8 de março, esperemos que em todo o mundo, as mulheres possam canalizar toda a raiva que levam dentro de si, expressá-la nas ruas e transformá-la em energia de mudança na sociedade e na cultura patriarcal.

Alguns dirão, mais uma vez, que estaremos sendo inconvenientes, que não é gritando e “incomodando” que vamos mudar o sistema. Entretanto, acredito que ninguém veio a este mundo para tornar a vida dos outros mais simples ou para permanecer em silêncio diante de uma injustiça que afeta não apenas uma, mas toda a população feminina.

Portanto, mulheres, por favor, sejamos inconvenientes. O feminismo é uma luta constante e nunca mais permitiremos que gozem do conforto do nosso silêncio.  

 

Victoria Cayres  tem 18 anos, mora no Chile desde 2013, é estudante de Ciência Política na Pontifícia Universidade Católica de Santiago do Chile e correspondente do Holofote


Comentários

Alejandra Soto Osses

09/03/2022 - 10h41

Estive na passeata do Dia da Mulher em 2020, no Chile, que uniu uma quantidade impressionante de mulheres de todas as idades, cores e bandeiras! Alguns dias depois seríamos trancafiadas em nossas casas pela pandemia. A realidade da mulher chilena não é diferente da mulher brasileira ou latinoamericana. Por trás de cada número da violência, há uma história, uma identidade, uma vida. Obrigada Victoria por nos lembrar que, unidas, somos mais! Muito, mas muito mais!

Wônia Khalil

09/03/2022 - 14h25

Conforme a filósofa Djamila Ribeiro: “O feminismo é necessário, não apenas para que as mulheres tenham direitos iguais, mas também para que possam ser respeitadas em sua humanidade.”
É maravilhoso sentir em cada parágrafo da articulista, uma potência de luta, consciência e fraternidade.
E disso, estamos todos precisados.
Esse movimento honra nossas ancestrais e luta para um mundo menos injusto para as novas gerações.
Bravo!!!

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