Guerra das Malvinas completa 40 anos e Atlântico Sul ainda tem ingerência imperialista em suas águas
12 de maio de 2022 - 08h35
Malvinas Argentinas: uma bandeira de toda a América Latina e do sul geopolítico
Por James Onnig
O tema das Malvinas merece ser revisitado, para além da guerra propriamente dita, trazendo elementos da história e da geopolítica para nossa discussão.
Mais de um século depois que a expedição de Fernão de Magalhães (1520) fez o avistamento e cartografou o arquipélago, França e Inglaterra passaram a cingir o Atlântico rompendo os limites de um mundo até então dominado por Portugal e Espanha.
Foi nesse período que Anthony Cary (1656-1695), Visconde de Falkland, e membro do almirantado britânico enviou um de seus navios, o Welfare, para mapear a passagem entre as ilhas do arquipélago e sua relevância para navegações entre Atlântico e Pacífico.
Essa e todas expedições que se seguiram estavam inseridas no expansionismo colonialista.
A França, no mesmo período, tentou beliscar um pedaço das ilhas quando Antoine de Bougainville, também colonizador do Canadá, tentou fixar colonos vindos de Saint-Malo, os Malouines (daí o nome Malvinas).
O projeto fracassou e os franceses devolveram sua parte nas ilhas para a Espanha.
Os ingleses abandonaram sua parte nas ilhas em 1774 por serem distantes e pela necessidade de colocar todo o efetivo militar possível na luta contra a independência dos Estados Unidos. Os espanhóis seguiram o mesmo roteiro em 1811.
Interessante notar que quando a Argentina conquistou independência em 1816, os britânicos reconheceram (em 1825) sem nenhuma contestação.
Foi assim que a Argentina, tomou e ocupou o arquipélago em 1820 na qualidade de mandatária das antigas possessões espanholas.
Em 1831, três baleeiros estadunidenses, Harriet, Superior e Breakwater, na ocasião caçando focas, foram apreendidos pelas forças navais argentinas nas águas das Malvinas.
O USS Lexington que estava designado para apoiar e treinar a marinha brasileira, partiu rumo as Malvinas, bombardeou instalações e aprisionou cidadãos argentinos. Foi a “deixa” para o retorno britânico.
Eles construíram Port Stanley entre 1833 e 1840, dando início a ocupação britânica.
Foi essa agressão imperialista que manteve as Malvinas vivas no imaginário geopolítico argentino, inclusive em livros didáticos.
Se o tema se perdeu na complicada agenda internacional do início catastrófico do século 20, ele ressurgiu na Guerra Fria.
Durante os anos de 1950 e 1960, o processo de descolonização estava no centro das discussões da ONU.
No caso das Malvinas, um comitê especial deu razão aos argentinos, instando a negociação entre as partes, coisa que os britânicos nunca aceitaram.
De uma guerra (em 1982) repleta de controvérsias, mortes e dor, passando pelo argumento geológico que provou que as ilhas estão ligadas a estrutura da plataforma continental argentina, é importante que discutamos a justa reivindicação de Buenos Aires em uma perspectiva geoestratégica.
Foi durante a redemocratização Argentina-Brasil, por meio de ação da nossa diplomacia, que em 1986 foi adotada a Resolução da ONU para criação da Zopacas, a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, fórum para temas ambientais, socioeconômicos e militares, em especial garantir a não-nuclearização da região.
Iniciava-se aí um importante e longo processo de aproximação dos dois lados do Atlântico protagonizado pelo Brasil. Escusado explicar os motivos pelos quais os Estados Unidos votaram contra a iniciativa.
O tema voltou para a agenda regional nos anos 2000 com enfoque ainda maior na geoestratégia. Estava claro que as possessões britânicas no Atlântico eram mais que simples ilhas e representam pontos avançados de projeção de poder. Um exemplo e a base britânica da Ilha de Ascensão.
Além de suas instalações militares, abriga uma das antenas mundiais do GPS (Global Position System) como a do Cabo Canaveral e das Ilhas Marshall entre outras.
A presença britânica e por consequência estadunidense no Atlântico Sul são sim um incômodo para as potencialidades econômicas regionais, notadamente as energéticas.
As reservas de petróleo em águas profundas do Brasil – pré-sal – e as bacias petrolíferas do lado africano no Golfo da Guiné, litoral da Namíbia e Angola, eram e são suficientes para justificar um olhar mais atento por parte dos países do Atlântico Sul para as questões estratégicas.
Se o Brasil não tem uma “Malvinas” propriamente dita, é fundamental relembrar o significado do termo “Amazônia Azul”, cunhado para dar a dimensão do que o Atlântico representa para a geopolítica brasileira.
Importante recordar também o Projeto Leplac (Levantamento da Plataforma Continental Brasileira) – que a partir de 1989 uniu cientistas e o setor militar em um relevante mapeamento das riquezas minerais do assoalho atlântico de nosso país.
Quase duas décadas depois, durante a formulação da Política Nacional de Defesa (2006-2012), quando ainda tínhamos governo e não essa joça que aí está, o foco principal era compreender o entorno estratégico brasileiro para se efetivar uma política externa altiva e ativa, como diz o embaixador Celso Amorim.
Foi quando justamente o Pentágono reativou em 2008 a Quarta Frota Naval do Atlântico Sul, anunciada por Washington “de surpresa” e em tom intimidador.
Não custa lembrar que os Estados Unidos apoiaram integralmente o Reino Unido contra a Argentina durante a Guerra das Malvinas em 1982 e que o governo estadunidense fez um enorme esforço tentando inutilmente bloquear as aspirações brasileiras de exploração do pré-sal junto a Comissão da ONU sobre os Direitos do Mar.
O tema da soberania e da segurança no Atlântico Sul não pode ser dissociado da luta pelas Malvinas Argentinas que é de todos nós.
James Onnig é professor de Geopolítica da Facamp (Faculdades de Campinas)