Eleição consolida Mélenchon como principal líder da esquerda, mas desunião entre força política foi fatal
25 de abril de 2022 - 11h42
França 2022: quem sai ganhando
Por Flavio Aguiar
A esquerda, desunida, sempre será vencida.
Glosa satírica de conhecida palavra de ordem.
Diz um conhecido ditado, que em qualquer jogo mais importante do que ganhar é sair ganhando.
Pois bem, na eleição presidencial francesa deste ano Emmanuel Macron ganhou, mas saiu perdendo; Marine Le Pen perdeu, mas saiu ganhando; as esquerdas conseguiram perder e sair perdendo.
No segundo turno Macron teve 18.779.641 de votos, quase dois milhões a menos do que em 2017.
Em relação ao pleito anterior, Marine Le Pen ganhou quase 2,7 milhões de votos, ficando com 13.297.760.
As esquerdas, divididas, ficaram chupando o dedo: Jean-Luc Mélenchon, do La France Insoumise, seu candidato melhor colocado, ficou a menos de 2% da possibilidade de passar ao segundo turno.
A extrema-direita também se dividiu, com Éric Zemmour tirando 7,07% dos votos de Marine Le Pen.
Assim mesmo, ela colheu o melhor resultado histórico de seu partido, agora chamado de Rassemblement National.
Para tanto, deu enormes piruetas políticas. Tirou o famigerado Le Pen de seu nome-de-guerra eleitoral: ficou só a simpatia de simplesmente ser “Marine”.
Declarou amor a seus gatos, baixou o tom anti-União Europeia, procurou distanciar-se de Vladimir Putin, condenou a invasão da Ucrânia, entre outras proezas, mas manteve o tom nacionalista e o traço xenófobo.
Aos 53 anos, é uma política jovem no espectro político francês, e tem todo um futuro pela frente.
Tem contra si sua própria palavra, pois declarou que uma terceira derrota a levaria a retirar-se de cena; mas nos dias que hoje correm, nada mais fácil na política do que contornar afirmações do passado.
Sem comparações ideológicas, pode-se lembrar que Lula só se elegeu na quarta tentativa.
Macron, por seu turno, não deixou que nem a vitória nem o encolhimento de seus votos lhe subissem à cabeça.
Tirou de letra, reconhecendo que ganhou no embalo do voto útil para derrotar a extrema-direita e prometeu “governar para todos os franceses”.
A ver, na prática, o que isto quer dizer, pois sua rede eleitoral colheu votos de variados mares.
Amealhou parte da direita tradicional, do Les Républicains, antigamente Union pour un Mouvement Populaire, que naufragou fragorosamente no primeiro turno, junto com seu colega da centro-esquerda, o Parti Socialiste francês.
Mas o que ajudou decisivamente a se eleger foram os votos úteis colhidos à esquerda, incluindo os provenientes, nas grandes cidades, dos imigrados que rechaçaram a xenofobia remanescente daquela nova “Marine” envolta em pele de cordeiro.
Terá agora uma difícil tarefa pela frente: abrir caminho para um possível sucessor.
Apesar de ser bem mais jovem (44 anos) do que Marine, tem um obstáculo definitivo: a Constituição Francesa lhe veta a possibilidade de um terceiro mandato consecutivo.
Mélenchon pode compensar o amargo da derrota com o galardão de ser o melhor votado à esquerda. Seu pedido aos correligionários, para que “não votassem em Le Pen”, foi atendido apenas em parte.
Disseram pesquisas prévias à votação do segundo turno que uma parcela ponderável deles (algumas estimativas chegaram perto dos 20%) se inclinava por Marine.
Isto aconteceu, por exemplo, na vizinha Guiana Francesa: Mélenchon foi o mais votado no primeiro turno e ela no segundo.
Embora dividida, a votação nas esquerdas foi significativa, provando que o bloco não está “morto”. como alguns analistas apregoaram.
Mas para Jean-Luc, que se consolidou como seu líder, resta a tarefa ciclópica de juntá-lo, pois como diz glosa de outro ditado, este de origem bíblica, “é mais fácil um rico entrar no céu e uma corda passar pelo buraco de uma agulha do que as esquerdas se unirem”.
A ver.
Flávio Aguiar é professor aposentado de Literatura Brasileira da USP (Universidade de São Paulo), ganhou por quatro vezes o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro (duas individualmente e duas por obras coletivas), tem mais de 30 livros de crítica literária, ficção e poesia publicados, o mais recente é O legado de Capitu (2017), mora em Berlim, na Alemanha, desde 2007, é analista político da Agência Radio-France Internacional e correspondente do Holofote.