Direita espanhola tenta se desvencilhar da extrema-direita, para manter viabilidade eleitoral
16 de abril de 2022 - 00h21
Feijóo não gosta de hipérboles
Por Alexandre Muscalu, de Madrid
Não se ouviu nenhuma menção ao VOX no Congresso do PP (Partido Popular), que ocorreu há duas semanas, em Sevilha, no sul da Espanha. Ninguém tinha qualquer interesse em avisar que há um monstro escondido em um canto escuro da sala.
Todos os líderes que subiram ao palco do congresso da direita espanhola anunciaram com grande entusiasmo que a nova liderança eleita, Alberto Núñez Feijóo, os levará à vitória nas próximas eleições gerais.
Mas há uma série de pesquisas que demonstram que a lealdade de antigos eleitores do PP sofreu um abalo. Embora não seja um fato irreversível, porque muita coisa pode acontecer neste um ano e meio até as eleições gerais na Espanha.
Antes das eleições gerais, no entanto, o governador da Andaluzia, Juan Manuel Moreno Bonilla (PP), precisará vencer e ter maioria no Parlamento nas eleições regionais que ocorrem este ano.
Ele está convencido de que o PSOE, de centro esquerda, não tem nenhuma chance de comprometer sua reeleição, nem o agonizante Ciudadanos, de centro-direita.
Sua principal preocupação é mais à direita. Como aconteceu em Castela e Leão, o VOX tem condição de melhorar claramente seus resultados e forçar o PP a um pacto.
O “VOX está na moda” entre uma parcela cada vez mais numerosa do eleitorado, segundo Moreno Bonilla.
Para ele, a sigla puxa os votos, não importa quem seja o candidato, pode ser Macarena Olona, atual porta-voz do partido na Câmara dos Deputados ou alguém totalmente desconhecido.
O PP teme que o aumento da tensão social, agravada pela agitação causada pela alta da inflação e outros problemas econômicos relacionados com a guerra na Ucrânia, esteja beneficiando a extrema-direita.
Há trackings que sugerem isso e apontam que a situação permite ao VOX obter votos de vários quadrantes, e não apenas entre os eleitores do PP.
A esperança da direita tradicional é que o VOX comece a se desgastar no governo de Castela e Leão.
Administrar não é o mesmo que protestar. O voto de protesto não gosta de pagar o preço da adoção de medidas que estão muito longe do louco programa eleitoral.
Mas é difícil que em pouco tempo, o VOX se desgaste no governo castelhano na velocidade que o PP está interessado que ocorra.
Em seu discurso no Congresso, Núñez Feijóo, agora como presidente do partido, não mencionou o VOX, mas foi capaz de estabelecer claramente as diferenças com a extrema-direita.
“Não somos anti-europeus” e “somos um partido autonomista”, foram frases que demarcaram as fronteiras com o Vox, de Santiago Abascal, que justamente é contrário a ambas.
Ele foi ainda mais contundente, quando demonstrou seu desprezo pela política de testosterona associada ao VOX, especialmente em relação à identidade espanhola.
“Vamos parar de distribuir cartões patrióticos e de ser mais espanhóis do que os outros, mais patriotas do que os outros”, disse em um dos momentos em que levantou a voz.
Feijóo se comprometeu a “afastar a política espanhola do confronto e da hipérbole permanente”.
Essa hipérbole também soa como uma cutucada na condução empreendida por Pablo Casado, quando era presidente do PP, com a constante hiperatividade que o caracterizava em sua “tentativa de salvar” a Espanha a cada esquina.
Também foi uma alfinetada em Isabel Díaz Ayuso, com seu discurso alarmista sobre o perigo de o país cair a qualquer momento nas garras do comunismo, e que coloca Madrid, dirigida por ela, como o bastião da defesa da “liberdade”.
Feijóo sabe que tem a marca da moderação. Isabel chama isso de estigma. Mas ele reage: “Moderação não é tibieza” e “diálogo não é submissão”.
No entanto, durante seus 13 anos à frente do governo da Galícia, ele “esqueceu” muitas vezes de que era o mandatário e que cabia a ele fazer as coisas, como por exemplo, evitar que 25% dos galegos vivam abaixo da linha de pobreza em 2022.
O político galego é bom em se esquivar de suas responsabilidades e de realizar privatizações. Aliás, o currículo privatista dele é extenso.
Há 10 dias, Feijóo se encontrou com o primeiro-ministro Pedro Sanchez. Após três horas de reunião, o resultado relatado à imprensa foi a velha cantilena neoliberal com pedidos de redução de impostos, não acatados pelo governo social-democrata.
Alexandre Muscalu é historiador pela USP (Universidade de São Paulo), educador, mora em Madrid, na Espanha, há cinco anos e é correspondente do Holofote.