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GEOPOLÍTICA

Dependente de gás e petróleo, União Europeia deve ser atingida por efeito bumerangue das sanções impostas à Rússia

25 de junho de 2022 - 10h56

União Europeia entre o blefe e a emergência energética

 

Por James Onnig

As lideranças da União Europeia estão fazendo malabarismos retóricos para tentar aplacar as preocupações em torno do tema das fontes de energia para o bloco.

As sanções impostas ao governo Putin, são o nó górdio da matriz energética do velho continente. A influência de Moscou nesse campo é enorme e o alerta soa cada vez mais alto especialmente em Berlim.

A estratégia europeia para driblar o problema está sendo estruturada em três frentes: ampliar a eficiência energética, expandir as energias renováveis e diversificar os parceiros-fornecedores de petróleo e gás.

Do ponto de vista geopolítico os bloqueios contra a Rússia, vistos pelo prisma da Otan, são uma oportunidade de estancar os recursos financeiros vindos da exportação de petróleo e gás que custeiam a expansão e modernização do poderio militar de Moscou.

De 75 a 85% do petróleo russo chega por meio de petroleiros vindos dos mares Negro e Báltico. Somente entre 15 a 25% percorrem oleodutos como o “Druzhba” (amizade em russo). Construído na Era Soviética para abastecer os países socialistas durante a Guerra Fria, ficou conhecido como “Oleoduto do Comecon” (Conselho de Assistência Mútua do Leste Europeu, 1949-1991). É ainda um dos maiores do mundo com ramificações para além da Hungria, Polônia, Alemanha, República Tcheca e Eslováquia. Sozinho, o regime de Putin é responsável por quase 30% do abastecimento europeu, ainda que se observe uma queda nos últimos dois anos.

O setor do transporte é o que mais consome petróleo russo. Segundo a agência Eurostat, dentro do continente, Noruega e Reino Unido atendem somente 15% da demanda. A Europa necessitaria que alguns de seus parceiros lhe vendessem de imediato o triplo do que enviam hoje para suprir a falta do óleo da Rússia além de ter que incluir novos fornecedores.

A mídia tradicional vem dando ênfase na problemática da distribuição de gás russo e que também está no pacote de sanções articulado pela União Europeia – Estados Unidos. O destaque ao gás natural é diretamente proporcional ao peso da Alemanha na economia da Europa.

Cerca de 15% da eletricidade alemã vem do gás da Rússia. Na indústria e no aquecimento de domicílios, esse total passa para 30%. A Alemanha preparou planos para um eventual estado de emergência no próximo inverno. A prioridade seria abastecer hospitais, escolas, residências e setores da economia ligados ao consumo direto da população como mercados e padarias.

O setor da indústria amargaria com cortes drásticos no abastecimento de gás e consequentemente com comprometimento técnico de equipamentos. Em último caso a Alemanha acionaria os acordos de segurança energética da União Europeia que garantem uma divisão do gás para atender o país em emergência.

O problema se agrava quando a bandeira da transição para energias limpas ou renováveis se apresenta bastante amarrotada. Não é segredo que essa mudança não se faz do dia para a noite e uma recessão na economia alemã impactaria diretamente os mecanismos de financiamento. Isso poderia espalhar incertezas em todo o continente já que a Alemanha é o carro chefe do bloco e uma das nações que mais investe em uma nova matriz energética.

Algumas pouquíssimas, porém, grandes indústrias alemãs, já estão na fase do “pré-desespero” e estão negociando isoladamente fornecimento de GLP (Gás liquefeito de Petróleo) com grandes corporações estadunidenses.

Analistas são uníssonos: a carência do gás russo pode ter repercussões tão devastadoras quanto a crise financeira de 2008 com uma retração considerável do PIB alemão e europeu por consequência.

A “operação de guerra” que além do GLP traria também o abominável gás de xisto dos Estados Unidos, ainda não deslanchou e dificilmente trará resultados imediatos.

É importante acrescentar que essa obsessão com o gás russo não vai promover grandes arranhões nos cofres de Moscou. As maiores receitas da exportação de hidrocarbonetos vêm do petróleo que em média rende de três a quatro vezes mais que o gás para as contas russas.

Semanas antes da operação militar, Putin e seus assessores ampliaram e renovaram parcerias energéticas com a China de longuíssima duração e que vão render bilhões de dólares ou rublos. Como diz minha companheira, Simone: Vladimir, o Putin, senhor de todas as “Rússias”, se garantiu e envolveu ainda mais os parceiros chineses na crise atual.

Por enquanto ninguém está disposto a ouvir Putin e seus argumentos. Cerca de quatorze mil russas e russos foram mortos por milícias nacionalistas ucranianas nos últimos anos com ataques no Donbass (nome genérico para o todo o leste ucraniano). A narrativa do ocidente sustentada pela mídia hegemônica é construída no avanço militar pesado russo, muitas vezes sem qualquer alusão a origem do problema.

Uma crise energética no bloco pode ser motivo de tensão entre os países. O assunto emergiu quando alguns governos incluíram a energia nuclear, responsável por 24% da eletricidade do bloco, em seus planos de emergência.

Como ficariam os quatorze estados-membros que não possuem plantas geradoras desse tipo de energia? A França por exemplo, tem grande parte de sua eletricidade vinda de unidades eletronucleares e países que pretendiam desativar usinas depois do desastre de Fukushima em 2011, obviamente mudaram de planos.

Cogitou-se também dar impulso ao petróleo no mar do Norte, que mesmo sendo controlado pelo Reino Unido e Noruega que não são membros do bloco, poderiam ajudar.

Para desespero das lideranças europeias a produção lá vem declinando com esgotamento de bacias e altos custos de prospecção.

Dá impressão de que a qualquer momento alguém vai dizer na Europa: Energie oder Tod! (Energia ou Morte! em alemão).

 

James Onnig é professor de Geopolítica da Facamp (Faculdades de Campinas)


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