CIA, com apoio de Mário Soares, sabotou guinada da Revolução dos Cravos rumo ao socialismo
17 de abril de 2024 - 16h56
Por Lúcia Rodrigues
Um dos nomes mais conhecidos da política portuguesa fora de seu país, o ex-presidente da República e ex-primeiro ministro Mário Soares, é também uma das figuras mais controversas do pós Revolução dos Cravos, quando capitães do Exército lideraram a derrubada da ditadura salazarista, em 25 de abril de 1974.
Ao regressar de seu exílio em Paris, Soares foi ator decisivo para ajudar a frear a guinada à esquerda que a Revolução dos Cravos trilhava durante o PREC (Processo Revolucionário em Curso), nos governos provisórios comandados pelo general Vasco Gonçalves, simpático ao PCP, o Partido Comunista Português.
Transformou-se em uma espécie de braço direito do embaixador dos Estados Unidos, o agente da CIA Frank Carlucci, deslocado às pressas para Portugal, em dezembro de 1974, pelo governo estadunidense, para assumir a Embaixada em Lisboa, com a determinação de implodir o caminho da Revolução que estava sendo pavimentado para o socialismo.
Quando o homem da CIA pôs os pés em Portugal, o general Vasco Gonçalves comandava a nacionalização dos bancos.
Carlucci trazia na mala um vasto currículo de participações em desestabilizações de governos, como o Chile de Allende e o Brasil de Jango. Antes disso, já havia sido enviado ao Congo para viabilizar a morte do líder anti-colonial congolês, Patrice Lumumba, determinada pelo então presidente estadunidense Dwight Eisenhower.
A parceria entre Carlucci e Soares não é destacada apenas por seus adversários políticos de esquerda, mas inclusive pelo presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, reconhecidamente um homem de direita.
“Durante o longo tempo em que esteve em Portugal, (Carlucci) não só criou com o futuro presidente Mário Soares uma cumplicidade estratégica essencial, como demonstrou dotes particularmente relevantes na aproximação entre os Estados Unidos e Portugal”, declarou Rebelo de Sousa, em 2018, quando Carlucci morreu.
Ele sabia muito bem ao que se referia, quando afirmava que os dois haviam firmado uma cumplicidade estratégica essencial nesse período.
Embora Carlucci não tenha ficado tanto tempo assim no país, como o presidente da República diz ser: foram pouco mais de três anos (9 de dezembro de 1974 a 5 de fevereiro de 1978). Foi tempo mais do que suficiente para dinamitar os avanços populares da Revolução e frear sua viragem à esquerda.
E o sucesso no alcance dos objetivos do homem da CIA em Portugal teve as digitais dos dedos das duas mãos de Soares nessa empreitada.
Um ano antes da Revolução, ainda em seu exílio em Paris, Soares havia fundado em um congresso na Alemanha, o Partido Socialista que, apesar do nome, nunca foi efetivamente um partido da esquerda clássica. Sempre teve um viés socialdemocrata nos moldes da Europa Ocidental.
Esse camaleão partidário era fundamental para a estratégia da CIA. O partido comandado por Soares tinha uma aura socialista sem sê-lo, enquanto o PC e outras legendas à esquerda poderiam ser demonizados.
Anti-comunista, apesar de na juventude ter militado no PCP por oito anos (1944 a 1952), Soares deu o apoio sorrateiro e também explícito para derrubar o governo do general vermelho do poder.
Em julho de 1975, já dava mostras de que lado da história estava. Pedia abertamente em manifestações, a queda do general Vasco Gonçalves, que àquela altura promovia a reforma agrária nas fazendas do Alentejo e Ribatejo, Estados em que haviam grandes latifúndios.
Antes disso, em 11 de março, eclodiria um golpe de Estado para derrubar o governo de Gonçalves, instigado pela CIA e levado a cabo por militares liderados pelo extremista António Spínola, a quem Carlucci negava conhecer pessoalmente.
A intentona golpista fracassa e Spínola e demais conspiradores fogem para a Espanha do ditador Francisco Franco.
Em Portugal, o governo de Gonçalves reforça a mensagem que a aliança entre o povo e o MFA, Movimento das Forças Armadas, que depôs a ditadura salazarista, é indissolúvel. E avança nas políticas à esquerda, com a nacionalização de empresas e estaleiros.
Do exterior, Spínola continua tentando derrubar o governo e funda o MDLP (Movimento Democrático de Libertação de Portugal), organização terrorista que Diogo Pacheco de Amorim, hoje vice-presidente da Assembleia da República (parlamento português) pelo partido de extrema direita Chega, dirigia à época.
Entre as acusações que pairam sobre o MDLP, além da tentativa de golpe de Estado, estão aproximadamente 600 atentados, que incluem explosões de sedes do PCP, ataques à bomba contra automóveis e imóveis de comunistas e simpatizantes do Partido, além da morte de pessoas.
Os planos sabotadores arquitetados no estrangeiro eram vistos com bons olhos pelos Estados Unidos. Tudo que reforçasse os objetivos da CIA em impedir que um tesouro geopolítico do quilate de Portugal, se transformasse em um país socialista em um mundo que respirava a Guerra Fria, era aplaudido.
Estrategicamente posicionado no extremo ocidente da Europa, na ponta oposta à União Soviética, Portugal ainda tinha o valioso Arquipélago dos Açores, localizado no meio do Oceano Atlântico, ponto importantíssimo na conexão entre Estados Unidos e Europa, e que poderia funcionar, por exemplo, como base para o reabastecimento de aeronaves ianques em um eventual conflito com países do Leste Europeu.
Em 25 de novembro de 1975, após movimentações tramadas pela direita das Forças Armadas, apoiadas pelo PS de Mário Soares, militares ligados ao PCP e ao comandante do Copcon (Comando Operacional do Continente), Otelo Saraiva de Carvalho, que havia liderado a revolução que derrubou a ditadura, são derrotados.
O governo de Vasco Gonçalves vem abaixo, colocando fim à esperança de Portugal se transformar na primeira experiência socialista da Europa Ocidental.
Acabava assim o Processo Revolucionário em Curso e se iniciava uma democracia burguesa.
Anos mais tarde, já como presidente da República, Mário Soares concederia a Spínola a mais alta ordem honorífica de Portugal. O título é entregue àqueles que prestam relevantes serviços ao país.
Depois de cumprir a função para a qual havia sido designado, Carlucci assume publicamente a face da CIA e torna-se seu diretor-adjunto. Viria ainda a comandar posteriormente, o Departamento de Defesa estadunidense no governo Ronald Reagan, além de integrar o Conselho Nacional de Segurança também nesse período.