China medeia aproximação entre Irã e Arábia Saudita e reduz influência dos EUA no Oriente Médio
17 de março de 2023 - 12h49
Reaproximação Irã-Arábia Saudita, mediação chinesa e o barril pesado na política externa dos Estados Unidos
Por James Onnig
Quando Wang Yi, ex-ministro das Relações Exteriores (2013-2022) e atual dirigente da Comissão Central de Assuntos Estrangeiros do PC chinês, anunciou que Irã e Arábia Saudita se comprometiam a reestabelecer relações diplomáticas depois de sete anos, parte da comunidade internacional ficou surpresa.
A rivalidade geopolítica entre Riad e Teerã gira em torno do poder de influência regional e também no mundo do petróleo.
As disputas passam pela cisão entre os muçulmanos do movimento xiita liderado a partir da República Islâmica do Irã e o sunita representado pela ultraconservadora monarquia saudita.
Em nossos tempos o Irã tem influência no Líbano com o Hezbollah, no Iêmen com a guerrilha dos Houthis na luta contra o governo aliado dos sauditas e também uma presença militar marcante na Síria apoiando o regime de Bashar Al Assad. Tal qual a Síria, o conflito no Iêmen se tornou uma tragédia humanitária terrível.
Até 2015 as relações bilaterais eram um pouco mais que protocolares. Tudo estava envolto em uma atmosfera diplomática de tensões e desconfianças mútuas. Naquele mesmo ano, os sauditas sentenciaram e depois executaram o clérigo da minoria xiita saudita e aliado do Irã Nimr Al Nimr, acusado de terrorismo. Isso gerou uma reação popular em Teerã que resultou no incêndio que destruiu parte da embaixada saudita, estopim do rompimento.
Os sauditas continuam sendo um dos maiores fornecedoras de petróleo para os Estados Unidos, mesmo que os volumes tenham caído muito nas últimas décadas. Essa aliança quase secular criou acordos que permitem a operação de unidades militares estadunidenses como a Base Aérea Príncipe Sultan (1951) e o Centro Militar de Eskan (1983).
Mas a pergunta que fica é: como um parceiro dos Estados Unidos pode aceitar a mediação da China em um tema delicado como as relações com o Irã, adversário de Washington?
A explicação não é tão complexa. Vamos a ela.
Sauditas e russos são os grandes produtores e exportadores no mercado global petrolífero e por isso ditam e praticamente controlam o preço do petróleo. Em 2020, Riad e Moscou chegaram a travar uma guerra de preços no âmbito da Opep + (arranjo que inclui a Rússia) que derrubou o valor do barril abruptamente naquele ano.
Porém desde meados de 2021 as projeções de preços no mercado futuro oscilaram com uma clara e forte tendência de queda. As lideranças sauditas entenderam que isso é altamente prejudicial para seus interesses. Do seu ponto de vista, o mercado de petróleo não pode se estabilizar sem um bom papo com os russos. A opção foi começar um processo de cortes na produção, diminuindo a oferta e aumentando os preços do mercado futuro.
A reação de Washington foi um misto de surpresa, desconforto e desconfiança. Os preços em alta ajudam e vão ajudar a Rússia que mesmo com boicotes ocidentais encontrou novos mercados em toda a Ásia garantindo um fluxo financeiro que, na visão estadunidense, fortalece os esforços de guerra de Moscou. Esse quadro dificulta as coisas para a Otan e a Ucrânia no contexto atual do conflito.
Bastou esse movimento de alta em 2022, para que o Departamento de Estado dos Estados Unidos voltasse a falar em Direitos Humanos na Arábia Saudita e surgissem insinuações sobre o comportamento do monarca de fato Príncipe Mohamed bin Salman. Óbvio que a chiadeira veio das lideranças do Partido Democrata de Biden.
Ocorre que nas previsões de muitos especialistas, os países exportadores contam com apenas mais algumas décadas para se beneficiar efetivamente do petróleo como gerador de divisas robustas. Neste sentido, especialmente os países árabes vêm traçando estratégias para suplementar suas economias através de outras atividades como o turismo, setor de serviços e ambiciosos projetos para formação de hubs (centros que agregam diversos segmentos de um mesmo setor da economia).
É nesse quadro geopolítico que Pequim está deixando cada vez mais transparente a sua intenção de atuar em escala global empenhada em ser protagonista. O novo ciclo do governo Xi Jinping atentou para o fato de que a Arábia Saudita é o seu maior fornecedor de petróleo. O Irã por sua vez é parceiro estratégico que tem quase 33% de sua balança comercial atrelada à China que inclusive tem projetos de investimentos na casa de US$ 500 bilhões que muito interessam a Teerã. Costurar esse acordo é importantíssimo para Pequim também.
Talvez Pentágono, Departamento de Estado e Casa Branca precisem fazer uma reflexão sobre como os sauditas percebem essa situação.
É importante refletir sobre como em setembro de 2019 ataques de mísseis provavelmente disparados de drones atingiram instalações da Saudi Aramco Oil Company sem que tropas, tecnologia, força aérea estadunidense instalada na Arábia Saudita sequer mexessem um dedo para cumprir seu papel de protetor do território, obrigação assumida por acordo longevo.
Ou talvez, lembrar das indiretas que os comandantes estadunidenses dão sobre como os sauditas são fracos nesse campo militar. Para muitas lideranças sauditas isso soa como insulto. Não era assim antes dos Estados Unidos ampliarem sua produção de gás com o condenável sistema do fracking que destrói solos ou ampliar a importação e controle do petróleo canadense.
Ou seja, para Riad, que assistiu as importações dos Estados Unidos despencarem nas últimas décadas fica a imagem de que enquanto precisavam de seu principal recurso, Washington tinha preocupação especial com eles. Hoje, que a economia estadunidense tem possibilidade de viver sem a necessidade do petróleo do Oriente Médio, o governo saudita interpreta essas posturas como um afastamento até que natural.
O que os sauditas não podem, não devem e não querem é esperar. Vão tentar segurar preços em alta mesmo que isso ajude Putin. Vão negociar com a China mesmo que isso seja contra os interesses dos Estados Unidos.
James Onnig é professor de Geopolítica do Laboratório de Pesquisa em Relações Internacionais da Facamp (Faculdades de Campinas)