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VIOLÊNCIA DE GÊNERO

Chilenas denunciam grupo de estudantes do ensino médio que planejavam estupros coletivos

Jovem denuncia violência contra mulheres em passeata no último dia 8 de março, em Santiago do Chile. Foto: Victoria Cayres

08 de abril de 2022 - 14h56

“La culpa no era mía, ni donde estaba, ni cómo vestía”

(A culpa não foi minha, nem onde estava, nem o que vestia)

Atos de violência sexual e misóginos na educação chilena: uma sociedade que protege a masculinidade tóxica

 

Por Victoria Cayres, de Santiago do Chile

“Sim, vamos estuprá-las” e “poderíamos fazer isso, tipo uma manada entre nós” – referindo-se ao grupo de homens chamado La Manada, que estuprou uma jovem de 18 anos na Espanha em 2016 – estas são algumas das frases que estudantes do colégio municipal José Victorino Lastarria, no Chile, escreveram em um grupo no Instagram.

No último dia 10, foram divulgadas conversas desse grupo de adolescentes do ensino médio, que planejavam abusos e estupros de estudantes do sexo feminino de outros estabelecimentos educacionais.

Depois que as conversas vazaram, alunas dessas escolas protestaram nas instalações do colégio Lastarria, para visibilizar essa situação repulsiva.

O fato chegou à polícia e atualmente encontra-se sob investigação sigilosa, enquanto o município teve que tomar medidas para proteger as estudantes dessas escolas e imediações.

“Eles sexualizaram as menores, compartilharam fotos íntimas sem o consentimento, falaram de estupro e o disfarçaram como “humor”. Criticaram o corpo das garotas, tanto o peso como as estrias, a celulite, os seios, os glúteos etc. Eles pediam fotos delas nuas e insistiam mesmo com a negativa das meninas”, apontam os advogados de acusação.

Esta situação evidencia que os estupros coletivos não são só um ato repugnante, mas, sim, estupros conscientes e organizados.

Esses meninos não são animais que agem sem saber o que fazem, nem jovens cheios de hormônios que não “conseguem aguentar”, mas machistas que buscam o poder através da submissão do sexo feminino.

Diversas opiniões foram expostas sobre o atuar desses garotos: “São meninos, estão brincando. Só querem experimentar”, disse um homem nos comentários de uma publicação sobre a investigação policial.

É justamente isso que está incorreto na sociedade chilena: afirmam que são meninos que não sabem o que estão fazendo e só estão brincando, e que não se pode levar essas ameaças de estupro a sério.

Eu pergunto: Como alguém pode dizer que isso é uma brincadeira?

Muitas pessoas ainda culpam as estudantes, dizendo que as saias de seus uniformes são curtas demais ou que são vadias por terem mandado fotos nuas aos seus namorados que, infelizmente, participavam desse grupo do Instagram. Tem quem afirme também, que elas estavam pedindo para que isso acontecesse.

Infelizmente, este não foi o único ato misógino e machista que ocorreu no mês de março no Chile.

As comunidades estudantis de várias universidades e institutos profissionais têm denunciado situações que têm posto em risco a integridade das estudantes mulheres, tais como o assédio, abuso verbal e sexual, inclusive com drogas como a burundanga.

Tudo isso tem acontecido na via pública, em frente aos estabelecimentos educacionais e em estações de metrô próximas às universidades mais conhecidas.

Em resposta, o governo chileno aumentou o número de policiais e guardas nos pontos de transporte público nas últimas semanas e os movimentos feministas universitários têm organizado pontos de encontro e assistência psicológica para as estudantes afetadas.

Faz tempo que as mulheres chilenas não podem andar tranquilas nas ruas por causa do assédio sexual e da violência machista da sociedade.

Não há segurança, os níveis de criminalidade estão aumentando e os crimes de ódio contra as mulheres são noticiados todos os dias.

É triste ver como nós, estudantes, somos sexualizadas por homens de todas as idades, que colocam a culpa no comprimento das nossas saias, que não nos respeitam e nos violentam todos os dias.

A realidade de uma estudante no Chile é: ter que suportar e ficar calada quando um homem lhe diz palavras repugnantes na rua, deixar de ir para a universidade com saia ou short por medo de ser assediada, ou ter que mandar sua localização em tempo real, para as mães, porque um homem mexeu com elas.

Não estamos seguras em lugar nenhum, as mulheres chilenas não estão vivendo, mas sobrevivendo.

É exaustivo ter que tolerar atos machistas diariamente e sentir medo até conseguirmos chegar em casa.

Os homens deveriam repensar o nível de privilégio que têm em seu poder e como podem usá-lo em benefício das mulheres.

Os homens agressores contam com a impunidade que o sistema confere aos seus atos misóginos. É preciso que passem a ser devidamente punidos.

É preciso que se eduque a não estuprar, e não ensinar as mulheres a como se protegerem de uma violação.

E não, nós não sabemos qual homem pode nos ajudar em um momento de apuro ou nos estuprar.

É certo que não são todos os homens que podem nos machucar, mas todas as mulheres que conhecemos já passaram por situações de violência machista.

É hora de as mulheres deixarem de ficar educadamente zangadas e reagirem contra as injustiças de gênero existentes.

 

Victoria Cayres tem 18 anos, mora no Chile desde 2013, é estudante de Ciência Política na Pontifícia Universidade Católica de Santiago do Chile e correspondente do Holofote.


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