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8 DE MARÇO

Mulheres muçulmanas são discriminadas por usarem véu, ressalta professora da USP

08 de março de 2022 - 13h41

Hijabfobia, a experiência de ser mulher muçulmana com hijab

 

Por Francirosy Campos Barbosa

Hijabfobia é o termo que temos usado para expressar o medo, o receio e o horror que as pessoas têm em relação às mulheres muçulmanas que usam hijab, o véu islâmico. Não é incomum ouvir relatos de ofensas, agressões e todo tipo de violência quando uma mulher anda pelas ruas, ou simplesmente circula em determinados espaços públicos e privados.

A surpresa em ver uma mulher coberta, não é problema, isso faz parte do mundo diverso no qual vivemos, o problema está, quando esta surpresa vira agressão, violências diversas, que privam às mulheres que escolheram se vestir conforme o preceito religioso islâmico de circularem com segurança. 

Em pesquisa recente realizada pelo Gracias  (Grupo de Antropologia Islâmica em Contextos Islâmicos e Árabes), coordenado por mim, revela que as mulheres muçulmanas, principalmente as revertidas (as que se converteram) para a religião são constantemente atacadas em espaço público de formas diversas e também sofrem intolerância religiosa dentro de sua casa.

Para nós, pesquisadores/as, isso não é novidade, e para os/as  muçulmanos/as também não, entretanto, é preciso sair da confirmação do dado para pensarmos formas de uma sociabilidade plena às mulheres muçulmanas, sem que sejam obrigadas a retirar seus lenços em prol de sua segurança pessoal.

A hijabfobia também está atrelada à xenofobia, ao sentimento contrário à presença de imigrantes no Brasil, do mesmo modo que provoca islamofobia, que é o sentimento contrário ao Islam e aos muçulmanos.

Neste sentido, o hijab sintetiza a aversão ao Islam e aos imigrantes. Os sinais diacríticos, como chamamos na antropologia, têm sido expoentes das violências vivenciadas pelas mulheres, aqui os elementos dessa muçulmanidade: o hijab, a burca, o niqab e outras vestimentas. Exemplo disso é o que ocorreu na escola Otago Girls Secondary School, na Nova Zelândia.

Nessa escola, Hoda al-Jamaa, estudante de 17 anos da escola de ensino médio, foi agredida por três estudantes, sendo agarrada e espancada por suas colegas e tendo seu  hijab retirado, sendo fotografada e filmada diante da  professora da escola que nada fez para ajudá-la.  

O ocorrido no último dia 9 de fevereiro coloca Hoda, uma adolescente muçulmana no centro da violência, mas tanto Hoda como suas amigas muçulmanas foram atacadas por três jovens não-muçulmanos com palavrões e insultos de “terroristas, vadias muçulmanas”.

Há relatos de que o pai de Hoda foi quem a levou ao hospital, porque uma ambulância não foi acionada. As agressões já vinham ocorrendo, havia um histórico de denúncias e nada foi feito pela escola. 

Em entrevista Hoda diz:

“Meu hijab… é minha cultura e minha religião. Meu hijab é tudo para mim e eu amo meu hijab e aquelas outras garotas amam seus hijabs.”

A hashtag #JusticeforHoda para destacar o incidente e condenar a islamofobia no país ganhou muitos adeptos, mas será suficiente? 

É preciso lembrar que em 15 de março de 2019, 51 pessoas foram mortas em Christchurch, também na Nova Zelândia, quando um atirador abriu fogo contra os fiéis na Mesquita Al Noor e no Centro Islâmico Linwood.

Esses episódios foram tão fortes na minha vida, que uma semana depois passei a usar o lenço, porque ouvia muitas mulheres e meninas no Brasil falando dos problemas que enfrentavam por usar o hijab, que me considerei privilegiada sendo docente de uma das maiores universidades públicas do Brasil.

Como eu poderia permanecer no meu lugar de privilégio enquanto meninas no Brasil circulam em espaços públicos carregando o que elas consideram a “bandeira do Islam”?, como bem me disse uma delas em conversa. 

Também acompanhamos com apreensão o que vem ocorrendo na Índia. São históricas as divisões entre hindus e muçulmanos, mas ultimamente meninas muçulmanas são proibidas de entrarem nas universidades com o lenço, o que causa revolta e tristeza.

Mas isso praticamente não foi noticiado nos meios de comunicação do Brasil, foi totalmente desprezado. Penso que o interesse da mídia ocorre quando o pretexto é “salvar mulheres muçulmanas”. E salvar para essa mídia é retirar suas coberturas, como pretendiam fazer com mulheres afegãs.

Tirar as burcas virou uma obsessão de homens e mulheres ocidentais. Não se pergunta a essas se querem permanecer com suas vestimentas, apenas aludem que todo problema são as vestimentas, quando o problema no Afeganistão é a pobreza, o analfabetismo, a leitura literalista da religião de pessoas que pouco sabem, além daquilo que aprenderam dentro de seus próprios grupos étnicos. 

A diversidade dos véus, do pertencimento religioso é imensa, não se pode configurar todos dentro de uma mesma medida. O Islam não é um monobloco, é diverso, plural, pois está inserido em contextos diversos, por isso, os próprios véus são diversos em seus formatos, cores e modos de usá-los. 

Posso aferir baseada em nossas pesquisas, que em breve serão públicas, que as violências sofridas por mulheres muçulmanas no Brasil têm sido um dos motivos de sofrimento, que provocam tristeza, depressão e outras formas de adoecimento.

É preciso buscar com urgência formas de diminuir os impactos negativos causados pelo desconhecimento das pessoas.

Insisto na necessidade de projetos educacionais, as mesquitas estão abertas para receber estudantes, pessoas interessadas em conhecer a religião, basta agendamento.

O conhecimento diminui as diferenças e estabelece contato importante na formação de crianças e jovens. Isso serve também para as famílias que têm em seu meio um recém-revertido ao Islam (seja homem ou mulher). Busquem conhecer a religião dentro do seu espaço religioso, com a orientação de pessoas que vivenciam a religião.

Cabe à mídia normalizar o uso do véu islâmico, mulheres não podem ser estigmatizadas por usarem hijab ou qualquer outra vestimenta religiosa. A vestimenta faz parte de sua identidade, religiosidade e espiritualidade. 

Como antropóloga e pesquisadora das comunidades muçulmanas venho há bastante tempo escrevendo sobre o tema: 

Diálogos sobre o uso do véu (hijab): empoderamento, identidade e religiosidade  https://periodicos.fclar.unesp.br/perspectivas/article/view/6617

Tire a mão do meu hijab – meu lenço, minhas regras!  https://www.brasil247.com/blog/tire-a-mao-do-meu-hijab-meu-lenco-minhas-regras-yvri5lap

Pode a mulher muçulmana falar? https://brasiliainfoco.com/coluna-pode-a-mulher-muculmana-falar-por-francirosy-ferreirausp/

O esforço da nossa sociedade tem que ser para construir um mundo plural onde caibam todos/as/es, um mundo onde as diferenças existam, no entanto, essas não podem nos limitar aos grupos de pertencimento e sim, transformar todos os espaços em espaços de todos/as/es.

Conviver em sociedade não é apagar as diferenças, não é retirar os hijabs de mulheres muçulmanas, é considerar que estes também são uma forma de ser mulher nesta sociedade. 

 

Francirosy Campos Barbosa é antropóloga, docente no Departamento de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo) no campus de Ribeirão Preto, pós-doutora pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, coordenadora do Gracias (Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos e Árabes), autora entre outros livros de Hajja, Hajja – a experiência de peregrinar e  diretora do documentário, Allah, Oxalá na trilha Malê, entre outros. E-mail: franci@ffclrp.usp.br


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