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ATAQUE AO CONHECIMENTO

Pressão contra cortes nas universidades faz Bolsonaro recuar, mas ainda não oficializou no papel

14 de outubro de 2022 - 11h37

Um novo tsunami da Educação é necessário como movimento cívico em defesa da Nação

 

Por Roberto Leher

Na antevéspera do primeiro turno, o MEC de Bolsonaro anunciou mais um saqueio de recursos das universidades federais e dos Institutos Federais de Educação Tecnológica (IFET), usurpando das universidades o percentual de 5,8%, correspondente a R$ 328,5 milhões de reais que, somado aos recursos que já haviam sido retidos ao longo do ano, somam R$ 763 milhões indevidamente retirados do já inviável orçamento aprovado para este ano. O mesmo aconteceu com os IFET. O mesmo decreto retirou R$ 147 milhões destas instituições que, ao longo de 2022, perderam mais de R$ 300 milhões.

Diante das mobilizações que tomaram conta do país, com destaque para a UFBA (Universidade Federal da Bahia), anunciando um novo tsunami da educação, o ministro, que antes havia informado que o corte – pasmem! – fora em nome da responsabilidade fiscal, abandonou o discurso fiscalista e afirmou que iria recuar nos cortes (embora, até o momento em que este texto foi escrito, nenhum ato oficial tenha sido publicado).

É importante ressaltar que este governo deslocou enorme parcela do orçamento discricionário para custear a reeleição e é alvo de consistentes denúncias de corrupção no MEC que levaram à prisão do ministro Milton Ribeiro por suas tenebrosas transações junto com “pastores” a serviço do chefe. As retenções orçamentárias descritas, contudo, são apenas a ponta do iceberg. Mesmo diante da derrota inicial do governo, em virtude da mobilização em curso, é evidente que não existe nenhum motivo para recuar nas mobilizações do dia 18 de outubro, #novotsunamidaeducacao.

O estrangulamento orçamentário das universidades e dos IFET também foi dirigido para o conjunto da educação pública em todo país. Como pode ser visto no contexto da pandemia, justo quando o país mais necessitava de políticas nacionais para melhorar a infraestrutura das escolas, assegurar internet de qualidade e equipamentos para todos os estudantes e docentes, contratar mais professores, profissionais de enfermagem e de serviço social para realizar a busca ativa dos estudantes que tiveram de sair das escolas, o orçamento do MEC para a educação básica despencou 50% no período de 2015 a 2021 e, em 2022 novos cortes de R$ 30 bilhões foram efetivados, deixando as escolas à mingua.

Bolsonaro praticou o absurdo de vetar o uso dos bilionários recursos do Fundo de Universalização das Telecomunicações (Fust) que poderiam cobrir todos os gastos com a garantia de internet e equipamentos para todas as escolas públicas do país – recursos já em caixa para o uso pelas redes municipais e estaduais – impedindo, desse modo, que a imensa maioria das crianças das classes populares tivesse acesso ao ensino remoto. Foram raras as redes que disponibilizaram aulas síncronas, golpeando o direito à educação de milhões de estudantes. Daí mais uma faceta do darwinismo social: 11% dos estudantes de 11 a 17 anos foram evadidos das escolas, conforme estudo da Unicef.

Os cortes das universidades e dos IFET não se esgotam no último contingenciamento de 30 de setembro: expressam o movimento de fascistização em curso.

A asfixia orçamentária imposta ao setor educacional federal é, ao mesmo tempo, um meio para alcançar um fim e, o que é crucial, um fim em si mesmo. É um meio, pois o projeto fascista que está sendo construído tem de silenciar, desmoralizar, enfraquecer a força da comunidade universitária e da estratégica categoria dos trabalhadores da educação. A educação, a ciência, a cultura e a arte são os primeiros setores da sociedade que percebem, de modo mais sistemático, o perigo iminente e, desse modo, podem emitir avisos de que algo perigoso para a vida democrática do país está em curso.

Mas o propósito de atacar, constranger, perseguir e desmoralizar estas atividades não é apenas um meio tático da extrema-direita. Após a instauração do fascismo (em suas feições no século 21), as escolas, os museus, a arte e as universidades passam a ser instituições e domínios que devem instituir uma nova cultura totalitária, doutrinária, capaz de formar soldados a serviço da guerra cultural fascista. Assim fez Mussolini, assim fez Hitler. O ritual de banimento de livros clássicos da biblioteca da Fundação Palmares, ou a concessão do prêmio da Biblioteca Nacional ao deputado criminalmente imputado e indultado por Bolsonaro, Daniel Silveira, em tudo são convergentes com a imagem do filme Fahrenheit 451 em que a posse de livros, ou mesmo sua memorização, são criminalizados e até mesmo justificam a execução dos que guardam livros. É esse o mundo anunciado pelo fascismo de hoje.

A militarização das escolas em curso no governo Bolsonaro é a plataforma a partir da qual as “madrassas do fascismo tropical” estão sendo edificadas. Nestas organizações não cabem a ciência, a cultura universal, a coeducação, o secularismo e os valores emancipatórios do iluminismo; nem, tampouco, a cultura popular, as heranças musicais, estéticas, políticas e afetivas que contém as vozes d’ África, as espiritualidades de matriz africana ou a própria laicidade. Ao contrário, as escolas militarizadas passam a ser organizações a serviço do regime totalitário, capazes de assegurar abundante oferta de trabalhadores superexplorados e de instituir uma religião oficial do Estado nacional como a religiosidade do ‘verdadeiro’ brasileiro e, assim perseguir todas as expressões que não a oficial. Qualquer luta pela dignidade humana é entendida, nesse sentido, como intolerável insubordinação passível de repressão.

O exame acurado da situação orçamentária das universidades federais e do aparato de ciência e tecnologia (C&T), sob o governo Bolsonaro, permite uma conclusão: é propósito de seu governo desconstituir as universidades, as instituições científicas federais e as políticas de fomento ao setor. Estudo de Nelson Cardoso do Amaral para o Sou_Ciência é elucidativo:

A continuidade dessas políticas destrutivas pode provocar consequências duradouras e de difícil reversão e, por isso mesmo, estão sendo praticadas pelo governo Bolsonaro. Os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) custeiam a infraestrutura de pesquisa mais robusta pela Finep, os recursos do CNPQ custeiam os projetos e bolsas de pesquisa.

A simples leitura dos gráficos confirma que a única explicação para a magnitude dos cortes é o intento de destruir a infraestrutura do inimigo. No caso das universidades públicas federais, é preciso chamar a atenção, todos os recursos de investimentos destinados às edificações, à aquisição de equipamentos, à renovação das estações de energia, à ampliação de moradia estudantil foram usurpados das instituições. O custeio de bolsas, dos contratos de manutenção, energia etc. foram reduzidos à metade e os novos cortes já impedem que muitas permaneçam abertas.

Os institutos de pesquisa públicos como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais que vêm demonstrando cientificamente a devastação amazônica e dos demais biomas, os desmanches do Incra, do Ibama, do ICM-Bio, da Funai podem ser explicados com base na mesma análise: o governo Bolsonaro está buscando destruir a infraestrutura das instituições que podem comprovar o avanço da fascistização, do totalitarismo, do genocídio dos povos originários e do saqueio feroz dos recursos naturais no país por terrível aliança entre multinacionais predatórias e frações locais da burguesia igualmente destruidoras da vida.

#novotsunamidaeducacao

A vida cotidiana em nossas instituições escolares, universitárias, IFET, em suas congêneres estaduais, institutos de pesquisa, atesta que estamos chegando ao ponto da destruição que avança no desmanche de nossas instituições. Mesmo a recomposição de parte do que foi usurpado em 2022, como os gráficos demonstram, sequer arranha a terrível situação do desfazimento do patrimônio educacional, científico, tecnológico e cultural brasileiro. Os estudantes estão sem adequada assistência estudantil, situação agravada pela pandemia na qual, como destacado, o governo Bolsonaro apenas aguardou a resultante do efeito rebanho em que, conforme a visão de sua equipe de governo, os mais fortes sobreviveriam.

A comunidade educacional tem de protagonizar um largo movimento cívico em defesa da educação pública, da ciência e da cultura. É um dever ético conversar com as famílias, os amigos, os vizinhos, sempre a partir de coletivos estudantis, de trabalhadores, de organizações acadêmicas, para que possamos construir uma nova versão do tsunami da educação que em 2019 reacendeu as brasas do amor do povo brasileiro por suas universidades e escolas. Para isso, é imperioso estar organizado, fortalecer os coletivos e fazer com que os nossos pés nas ruas conduzam as nossas palavras de esperança e alento em relação ao porvir do país.

 

Roberto Leher é professor titular da Faculdade de Educação da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-reitor da mesma Universidade.


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