Pandemia escancarou desigualdade; mais de 240 mil crianças ficaram fora da escola
11 de abril de 2022 - 23h53
Modelos e processos educacionais são escolhas
“Nós somos a transformação que queremos no mundo”, Gandhi
Por Sirlei Márcia de Oliveira
Este artigo tem por objetivo refletir sobre as escolhas que o Brasil realiza atualmente em relação às políticas educacionais, para tratar as adversidades enfrentadas pela sociedade frente a um processo pandêmico.
A pandemia escancarou a noção retrógrada de civilização encarnada pelo governo de Bolsonaro, que foi definidora dessa tragédia que assolou o país de ponta a ponta, destruindo inúmeros lares e famílias.
Foram contabilizados mais de 660 mil brasileiros mortos pela Covid-19 em pouco mais de dois anos de pandemia.
A demora em adquirir as vacinas, a ausência de um plano articulado de imunização nacional, as ideias negacionistas quanto à eficácia da vacinação, do uso de máscaras e do distanciamento social permearam as ações do governo federal continuamente.
Tantas negligências tiveram efeito devastador sobre as diferentes áreas da vida social: trabalho, cultura, lazer e educação.
Os impactos da covid-19 sobre a sociedade, no entanto, foram diferentes, dependendo da classe social a que o indivíduo pertence.
Pessoas com menor poder aquisitivo, sem acesso a planos de saúde, oriundos de bairros periféricos, trabalhadores dos setores de comércio e serviços e profissionais da saúde que trabalham na linha de frente contra a pandemia foram os mais atingidos.
No plano educacional, a desigualdade também ficou explícita. As atividades educacionais, que em 2020 e parte de 2021, foram realizadas de forma remota, alteraram abruptamente a vida dos trabalhadores do setor, estudantes e de suas famílias.
A adaptação das atividades educacionais à modalidade remota deveriam ter sido sustentadas por uma política nacional de apoio aos trabalhadores do setor, para o atendimento aos estudantes e às suas famílias.
E a volta das atividades presenciais ou de forma híbrida tiveram início no final do segundo semestre do ano passado, apesar das entidades representativas da educação se contraporem a esse retorno sem um plano de suporte aos trabalhadores do setor e estudantes.
Mesmo frente a inexistência de uma política nacional protetiva e orientadora vimos o retorno presencial das atividades educacionais no país.
Nem mesmo o avanço da variante Ômicron impediu que as escolas públicas e privadas de educação infantil e ensinos fundamental e médio retornassem às atividades presenciais obrigatórias (remotas somente em casos excepcionais).
Apesar da narrativa delirante e contrária à vacinação, conduzida pelo governo federal, a maioria dos professores e funcionários do setor da educação, assim como os estudantes foram imunizados, o que deu uma certa garantia para o retorno às atividades presenciais.,
E se não bastassem todas as dificuldades em relação ao enfrentamento da pandemia ainda em curso,, há ainda o desafio de superar a defasagem escolar, que sempre foi um problema em nossa sociedade, mas que se aprofundou durante a pandemia.
Segundo dados da PNAD Contínua, do segundo semestre do ano passado, houve aumento expressivo na evasão escolar nas faixas entre os seis e os 14 anos de idade. Ao todo, 244 mil crianças ficaram fora da escola.
Não soa como novidade dizer que a maioria dessas crianças são pobres, negras, periféricas e seus familiares oriundos de ocupações precárias e desprotegidas.
Se a vida antes da pandemia era excludente, a Covid-19 fez aprofundar ainda mais o fosso entre as classes sociais no país.
Modelos e processos educacionais são escolhas governamentais e deveriam ser inclusivos e formadores de sujeitos autônomos e transformadores.
A pandemia evidenciou a necessidade de o país recuperar um amplo debate sobre a educação.
Educação para a cidadania e para o trabalho digno, educação para a vida em sociedade. Educação como fundamento para nortear o futuro.
O vírus da Covid-19 não faz distinção de classe social, contudo, as condições em que ele se propaga fazem.
Se somos a transformação que queremos no mundo, como nos ensinou Gandhi, ela precisa ser ampla, geral, irrestrita, educar e transformar a partir do direito e da justa oportunidade a cada um dos indivíduos, independentemente de sua posição na pirâmide social.
O futuro de crianças e jovens das periferias, do campo, dos cárceres, das entranhas de uma sociedade injusta, desigual e predatória dependem da ação de um governo humano, socialmente sensível e preocupado com a sustentabilidade da nação.
Presencial ou remota, a educação não deve ser guiada por medidas excludentes, pois o seu papel civilizador é fundamental.
Civilizar é garantir condições para uma vida em comum sem a reprodução das mazelas sociais, o que pressupõe um modelo de educação amplo, diverso e inclusivo.
Políticas educacionais não podem pactuar com a barbárie. A civilização ou a barbárie são escolhas humanas.
Sirlei Márcia de Oliveira é doutora em Sociologia do Trabalho pela USP (Universidade de São Paulo), pesquisadora, educadora, membro do GT de Sindicalismo e Trabalho da Abet (Associação Brasileira de Estudos do Trabalho), ex-diretora da Escola Dieese de Ciências do Trabalho e autora do livro Quem Perdeu? Privatização do Setor de Telecomunicações no Brasil.