História do Império do Mali contada nos livros é baseada em testemunhos griots
24 de março de 2022 - 07h36
Algumas palavras sobre Sundjata, o imperador mandinga
Por João Batista de Jesus Felix
A editora Ática lançou em 1979 o projeto Autores Africanos, constituído por 17 romances, nove contos e um de poesia. Dentre estes vamos destacar o 15º lançamento que foi Sundjata: ou a epopéia Mandinga, do autor senegalês Djibril Tamsir Niane. Ele se baseou em relatos de griot para desenvolver seu romance.
Esse romance narra a vida de Mansa Sundjata Queita, que nasceu, segundo Ki-Zerbo, no século 13. Ele foi filho do rei Maghan Kon Fatta, que teve três mulheres e seis filhos. A sua mãe foi Sogolon Konté, também chamada de Kediugu (a feia) ou Kuduma (a que tem tumores no corpo), que também teve Manding Gory ou Manding Makarry que, além de irmão, foi o melhor amigo de Sundjata.
Sundjata nasceu doente, tinha a cabeça desproporcional em relação ao seu corpo, não falava e engatinhou até os sete anos.
Por ser a esposa menos valorizada e seu filho apresentar vários problemas de saúde, Sogolon Konté e seu rebento foram poupados do massacre perpetrado por Sumaoro, que conquistou todo o reino Mandinga.
Sogolan Konté pega o cetro do seu marido Maghan Kon Fatta e foge com Sundjata para o exílio, no qual vão viver até Sundjata ter condições de lutar e vencer Sumaoro.
Sundjata após atingir a maioridade, ainda sem caminhar, solicita que lhe seja entregue uma barra de ferro e, apoiando-se nela, esforça-se para ficar ereto, mas a barra não aguenta o seu peso. Várias barras são passadas a ele e nenhuma delas aguentam o seu peso.
A certa altura alguém grita: “Dê a ele o cetro do seu pai, para que se levante apoiando-se nele”. Somente assim ele conseguiu ficar ereto. Nestas condições, Sundjata vai para o exílio e prepara um exército para combater o reinado de Sumaoro, que era considerado muito violento e injusto.
Sumaoro era um guerreiro poderoso e quase invencível, ele tinha o que chamamos de ‘corpo fechado’, nada nem ninguém conseguia atingi-lo durante uma batalha. Sundjata decide utilizar sua irmã, Meniamba Suko, para a seguinte missão: casar-se com Sumuaro e descobrir o segredo de sua invencibilidade.
Após as núpcias, Maniamba se recusa a consumar o evento e, para tanto, exige saber todos os segredos do seu bem-amado. Depois de muitas excitações Sumuaro confia-lhe o seu segredo. Ele só poderia ser morto por um esporão de galo branco. Maniamba fez chegar à Sundjata o segredo de Sumuaro.
Com a posse do segredo, Sundjata prepara o seu exército e ataca Sumuaro que, sem saber que seu segredo fora desfeito, vai de peito aberto à batalha, em que é atingido por uma flecha cuja ponta era feita por um esporão de galo branco.
Uma vez conseguida a vitória, Sundjata se torna o Imperador do Mali. Em seguida, através de outras batalhas, conquista a região de ouro do Sudão, seguida do baixo Senegal e do baixo Gâmbia, estendendo o antigo império de Gana.
O Império do Mali durou mais de um século, atualmente é possível conhecê-lo através dos livros que foram escritos baseados nos testemunhos de vários griots.
Esta epopeia tem um fato interessante: A mãe de Sundjata era feia e doente, por este motivo foi poupada, o mesmo aconteceu com Sundjata. Ou seja, o que era seu ponto fraco, permitiu que ambos pudessem sobreviver ao massacre da família real perpetrado por Sumuaro.
Sundjata após conseguir falar, solicita barras de ferro para tentar ficar ereto, posição para se tornar um guerreiro, somente depois de utilizar o cetro de seu pai, que sua mãe havia trazido consigo, é que consegue ficar em pé. Sundjata, precisa do símbolo de poder para adquirir as condições de assumir a posição de guerreiro.
A magia tem grande peso nesta epopeia, pois Sumaoro tem o corpo fechado, somente um esporão de galo branco poderia matá-lo. Em nossa sociedade destacamos o galo preto, que é utilizado nos rituais de religião de matriz africana. O galo preto não é um símbolo de maldade e sim um animal propício ao sacrifício. Neste caso temos o galo branco servindo para desfazer uma defesa mágica.
Sundjata, uma vez no poder, tornou-se um líder respeitado, conseguiu manter o seu poder até sua morte e passá-lo a seu sucessor. A saga desse herói é digna de ser espalhada. Muito de sua história é mítica, o que não significa que seja falsa.
Afinal, a história que aprendemos da Europa está recheada de mitos. Vale a pena ler o texto de Niane ou pesquisar o livro História da África Negra, primeiro volume, para se ter maiores detalhes desta magnífica epopeia.
João Batista de Jesus Felix é doutor em Antropologia pela USP (Universidade de São Paulo) e professor da UFNT (Universidade Federal do Norte do Tocantins).