Mudança no estatuto de petroleira colombiana no fim do governo Duque visa criar problema para Petro
03 de agosto de 2022 - 14h56
Novo governo na Colômbia: Petro enfrenta duras batalhas sobre o petróleo, o carvão e o gás
Por Jose Sergio Gabrielli de Azevedo
O novo presidente da Colômbia, Gustavo Petro, enfrenta um grande dilema com o setor de hidrocarbonetos. As exportações do país dependem fortemente desses produtos, – com produção em torno de 700 mil barris por dia, – e sua política a favor de energia de menos carbono defende a redução de sua exploração e o estímulo a fontes de energia renováveis.
O petróleo e o gás representam 23% das exportações colombianas, acrescidos de quase 13% de exportações de carvão. Nos últimos dez anos o valor adicionado do petróleo e o gás correspondeu a uma média anual de 6% do PIB a nível nacional, 43% do total das exportações, 26% do investimento estrangeiro direto e 9,1% da receita total do governo federal.
O conflito entre o novo governo e o setor envolve, entre outras coisas, a disputa com o Conselho de Administração (CA) da Ecopetrol, a estatal colombiana do setor, maior empresa colombiana¹. No final do governo Ivan Duque, os acionistas, com o voto do governo, mudaram os estatutos da empresa dando ao atual Conselho de Administração mandato de quatro anos, estendendo os atuais mandatos de dois anos.
Se mantida a mudança, o governo Petro não terá condições de indicar seus representantes para o Conselho, perdendo qualquer capacidade de executar uma política para o setor durante todo o seu mandato presidencial, que se inicia no dia 7 de agosto. O presidente do CA, Luis Guillermo Echeverri, foi o coordenador da campanha de Duque em 2018.
Gustavo Petro reagiu fortemente, afirmando de forma clara que “o voto popular me deu um mandato. Quero produzir um consenso, mas não abro mão do compromisso popular com energias limpas. O proprietário público escolhe livremente os seus membros nas empresas que o representem. É a representação do povo”.
Petro derrotou seu opositor de extrema-direita e venceu os representantes da direita conservadora, que dominaram a política do país nos últimos anos, com uma plataforma de redução de desigualdades e transição energética. Com minoria no Parlamento, Petro enfrentará grandes dificuldades para implementar seu programa, em especial no que se refere aos hidrocarbonetos. Seu programa pretende reduzir a dependência da indústria extrativa e aumentar o conteúdo tecnológico de baixo carbono na economia do país.
Com minoria no Congresso, sua capacidade vai depender da montagem de coalizões e acordos, que serão resultados de compromissos resultantes de negociações sobre a possibilidade e extensão das mudanças. A vice-presidente, ativista ambiental e anti-racista, Francia Marquez, vem dando sinais de moderação, afirmando que o governo não fará expropriações, sinalizando um programa menos radical de redução das atividades exploratórias e redução de subsídios, apesar de reafirmar os compromissos do governo com a transição energética.
A anunciada estratégia de Petro para o setor de petróleo e gás começa com uma proibição por 12 anos de novas atividades de exploração. Isso terá impactos sobre a extração dos campos maduros em terra, mas terá o seu maior impacto nas áreas do offshore, onde há ainda necessidade de atividades exploratórias, na tentativa de identificação de novas áreas potencialmente produtoras. As reservas provadas colombianas estão em declínio.
A Ecopetrol assinou, em maio deste ano, acordo com a Oxy para explorar quatro blocos no Caribe colombiano e a Shell e Petrobras haviam iniciado perfurações no campo de Gorgon-2, perto da descoberta de Kronos, operado pela Anadarko, no 1T2022 com ampla prospectividade de reservatórios de gás natural. Até que ponto a proibição de novas atividades exploratórias atingirá esses contratos é um dos pontos controversos que o governo terá que enfrentar. Essas descobertas de gás natural elevaram, em 2021, o indicador de reposição de reservas a duas vezes mais do que a produção anual.
A Ecopetrol vinha adotando uma política de crescente aproximação com o mercado e seu plano estratégico previa um crescimento de sua produção de petróleo e gás, principalmente a partir de parcerias com a Shell, Petrobras e Oxy nas águas profundas do país. Com a previsão de furar 1.800 poços de desenvolvimento até 2024 e 60 poços exploratórios, a estratégia da Ecopetrol mostrava a importância do desenvolvimento dos campos já em produção e a utilização de técnicas de recuperação avançada no aumento do fator de recuperação das reservas, para a sua expansão, além de almejar a utilização dos recursos não convencionais para manter o seu crescimento.
Seu plano de investimento teve um incremento de 50%, antes das eleições, ampliando a parcela do Capex destinado a projetos de baixo carbono. A empresa pretendia um investimento anual de 5-6 bilhões de dólares, também expandindo sua capacidade de refino dos atuais 340-360 mil barris dia, para 420-430 mil até o fim de 2024, através da expansão da Refinaria de Cartagena. A capacidade de refino instalada no país é praticamente a mesma do consumo de derivados
Sua estratégia para baixo carbono se refletiu na aquisição da empresa de linhas de transmissão ISA, através da qual a Ecopetrol pretendia ampliar sua geração eólica e solar, ampliando sua participação na geração elétrica renovável.
O desenvolvimento de recursos não convencionais² será mais um dos pontos controversos. Parte da recuperação das reservas nacionais dependeria do desenvolvimento de recursos não convencionais, que estão banidos, apesar de acordos com a Exxon para exploração de alguns blocos, que deverá sofrer grande oposição do governo Petro.
As entidades representativas do setor privado de petróleo e gás na Colômbia vêm defendendo a ampliação da exploração e desenvolvimento dos recursos não convencionais para expandir as reservas colombianas. Esses depósitos são estimados entre 4 e 7,4 bilhões de barris e de 4-13 TCFs gás em terra, que seriam adicionados a 10 TCF de gás e um bilhão de barris de petróleo no offshore, somados a um potencial de quase 7 bilhões de barris de petróleo convencional³.
Os ambientalistas, sindicalistas e o novo governo se opõem a esse programa de expansão por seus efeitos sobre as mudanças climáticas, populações originárias e meio ambiente.
Um dos primeiros desafios com maior impacto sobre os consumidores é a política de preços de combustíveis em um momento de aceleração inflacionária. A Colômbia dispõe de um Fundo para Estabilização dos Preços de Combustíveis (FECP), que cobre a diferença dos preços internacionais e os preços vendidos para os consumidores domésticos. De acordo com a Ecopetrol, o FEPC cobria, em março de 2022, 70% do preço de bomba da gasolina e 57% do preço do diesel.
O FEPC, com recursos públicos através da emissão de dívida, protege a rentabilidade da Ecopetrol que, se forçada a bancar os preços baixos, esvazia seu caixa inibindo suas possibilidades de investimentos, tanto na exploração e produção de petróleo e gás natural, como na expansão do refino nacional e na ampliação das fontes de energia renovável.
Os preços da gasolina na Colômbia são dos mais baixos da América Latina, sustentados por um déficit do FEPC que alcançará 2,7% do PIB em 2022. A persistência desse financiamento exigirá um extraordinário esforço fiscal das combalidas finanças públicas do país. O déficit fiscal colombiano tem girado em torno de 7-8% do PIB.
Déficit do FEPC Colombia em pesos colombianos (2008-2022)
Fonte: https://www.larepublica.co/economia/desde-junio-los-precios-de-combustibles-empezarian-a-escalar-hasta-agosto-de-2023-3384999
Na Colômbia, o Ministério de Minas e Energia regula os preços domésticos de gasolina, diesel e GLP, com os outros derivados sendo determinados livremente.
Fontes renováveis de energia são os principais objetivos do programa de governo de Petro, que tem uma atitude critica contra a expansão das hidroelétricas, principal fonte de geração elétrica do país. Petro sabe que a transição terá que ser gradual e enfrentará fortes obstáculos. Em entrevista recente, disse que está “assustado” com os desafios que enfrentará depois de 7 de agosto e defendeu “uma nova concepção de economia, que leve à vida e ao bem-estar e não à extinção”.
A pressão dos fósseis também cresce com o extraordinário aumento dos preços do carvão, em decorrência da guerra da Ucrânia que tem aumentado significativamente as importações europeias de carvão colombiano. Substituindo o carvão russo, os europeus estão comprando da Colômbia muito mais. As cargas de março a maio para a Alemanha, por exemplo, foram três vezes maiores do que em 2021, com preços saindo de US$130 para US$400 por tonelada.
Entre os setores que Petro pretende promover na diversificação da economia colombiana está o turismo, mesmo admitindo que a atividade turística também pode ser degradadora do meio ambiente e das relações sociais tradicionais.
A equipe de transição do governo Duque para Petro envolveu mais de 2,8 mil pessoas que avaliaram as políticas para 23 setores, 11 mesas transversais e 190 entidades para definir as prioridades dos primeiros dias do novo governo. Em relação às minas e à energia, a transição recomenda uma moratória mineira que possibilite a revisão das atuais concessões, visando acelerar a transição energética e a ampliação dos benefícios nacionais da indústria extrativa.
A equipe de transição recomenda a adoção de medidas administrativas para a suspensão dos projetos que utilizam a tecnologia de fracking, banindo praticamente a utilização dos recursos não convencionais de petróleo e gás. Há um estímulo para revisar a política de fertilizantes, promovendo as tecnologias da agricultura familiar e indígena.
Petro vai enfrentar uma grande oposição de um dos segmentos mais poderosos economicamente no seu país, – os hidrocarbonetos, – além dos problemas nas relações com a Venezuela, com os interesses conservadores da política tradicional e com um poder judiciário e parlamentar adverso e contrário às mudanças. Boa sorte, companheiro Petro e companheira Francia!
1. Apesar de ter acionistas privados, o governo colombiano detém 88,49% do capital da Ecopetrol.
2. Recursos existentes nas rochas geradoras, – por exemplo shale gas e tight oil – que utilizam amplamente as técnicas de fracking, com impactos ambientais locais importantes.
3. Entrevista de Nelson Castañeda, presidente da Câmara Colombiana de Petróleo e Gás.
Jose Sergio Gabrielli de Azevedo é economista, professor titular aposentado da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (INEEP).