Acionistas verdes pressionam petroleiras por baixo teor de carbono, mas inclusão social é relegada
07 de junho de 2022 - 11h50
Militância financeira verde e máximo valor para o acionista. Há controvérsia!
Por Jose Sergio Gabrielli de Azevedo
As assembleias de acionistas têm se tornado um campo de batalha entre grupos de investidores com objetivos distintos para suas aplicações em uma determinada empresa. Principalmente nas grandes empresas. No caso das empresas de petróleo, os militantes de uma pauta verde de baixo teor de carbono têm agido tanto para reorientar planos estratégicos, como para forçar aceleração de medidas de transição energética, como até para mudar a composição dos órgãos dirigentes das empresas.
Essa militância de acionistas já conquistou alterações importantes, como a entrada de defensores de projetos de baixo carbono na direção da Exxon, contra os interesses dos principais dirigentes da empresa. O mesmo movimento tem forçado, principalmente as europeias, a ampliar seus investimentos em energias renováveis, em maior eficiência energética e redução de emissões líquidas com expansão de projetos de sequestro e captura desses gases.
Esses movimentos, lastreados numa concepção da importância das mudanças climáticas, tendem a aumentar os custos e reduzir a lucratividade das empresas. No entanto, as posições em defesa dos temas de Ambiente, Sustentabilidade e Governança, em inglês ESG, tendem a ter uma cobertura favorável por parte da mídia, especialmente quando o destaque é sobre o Environment (E). Quando as ações se voltam para a sustentabilidade, especialmente a social, nem sempre o apoio é tão grande e os efeitos sobre os lucros dos acionistas passam a ser lembrados contra essas medidas.
A militância dos acionistas tem aumentado também na lógica do divest now, para forçar a retirada das aplicações em empresas que trabalham com fontes fósseis, o que está afetando a alocação de recursos de fontes de investimentos.
Essa ação é particularmente relevante nesse momento em que as grandes empresas de petróleo deixam uma situação em que a maior parte dos seus investimentos era financiada com os lucros retidos, que passaram a ser parcialmente financiados por aumento de dívida, no ciclo de baixa de preços, antes de 2017, quando os preços começaram a voltar a subir. Aí vem a pandemia e a Guerra da Ucrânia e os preços disparam, mas a militância verde também se expande.
Por outro lado, há também um crescente movimento nos mercados de capitais, principalmente dos investidores com objetivos de curto prazo de aumentar a pressão sobre as petrolíferas, com os investidores de títulos de dívida destas empresas exigindo maiores taxas de retorno. Essa pressão se estende ao mercado de equity, com o aumento do ativismo dos acionistas, para redução de sua exposição a este tipo de indústria.
As desvalorizações forçadas de ativos das empresas que produzem fontes fósseis de energia, cujo valor tem que ser retirado dos seus balanços devido a restrições regulatórias, também podem impedir sua produção no futuro. Os investidores começam a se preparar para esta eventualidade, retirando seus capitais destas empresas e forçando a diversificação de seus investimentos em direção a um mix de mais baixo carbono para reduzir estas perdas.
O temor desses stranded assets aumenta com as projeções de que os preços do petróleo poderão se elevar no curto prazo, atraindo novos investimentos, porém a demanda poderá ter uma queda brusca no médio, e principalmente no longo prazo, tornando esses investimentos stranded (atados), sem possibilidades de utilização por restrições regulatórias contra o uso de fontes fósseis.
Este movimento de desinvestimento em companhias associadas com os combustíveis fósseis, diferentemente das ações que buscam estimular a substituição dessas fontes para os renováveis, destaca a operação contra o sistema econômico que sustenta a continuidade da produção dos fósseis, mas sem modificar a estrutura de poder deste sistema. Ou seja, há uma busca por realocação dos capitais empregados, sem mudanças do regime.
Esses fundos financeiros buscam aplicar a mesma lógica econômica das empresas de petróleo nas aplicações em setores e empresas mais comprometidas com baixo carbono. Podem até reduzir emissões de carbono, mas não abordam as questões da acessibilidade à energia e à inclusão social.
Ademais, este movimento dos acionistas das majors de petróleo tem adotado cada vez mais um tom de confronto com os seus dirigentes, transformando as assembleias de acionistas em um palco de militância verde e levando vários Conselhos de Administração a adotar metas de baixo carbono nas empresas de petróleo, gás e carvão, assim como forçando vários fundos de pensão, financeiros e soberanos a redirecionar suas políticas de investimentos para empresas e atividades de baixo carbono.
Os diretores da Shell estão sendo processados por não detalharem devidamente seus planos de zerar as emissões de gases de efeito-estufa, depois da empresa ser obrigada, por uma Corte de Amsterdam, a ampliar suas metas de reduzir 40% das emissões até 2030.
A ação proposta por um grupo ambientalista ClientEarth contra os membros do Conselho de Administração da empresa nas cortes britânicas utiliza a legislação das empresas com ações negociadas em Bolsa, para responsabilizar pessoalmente os membros da direção por não apresentar claros e detalhados planos de projetos de ESG (Environmental, Social, and Governance).
No Brasil, esse movimento de green investment ainda é muito embrionário e a discussão se limita a superfície dos efeitos dos ajustes de preços de petróleo e derivados sobre os lucros de curto prazo das petroleiras, abandonando qualquer perspectiva de considerações de sustentabilidade social no médio e longo prazo e com uma movimentação contrária ao mundo, reduzindo e não aumentando, a exposição da companhia de petróleo à pauta de baixo carbono. A miopia dos investidores brasileiros é gigantesca.
Recente pesquisa da consultoria Grant Thornton, por exemplo mostra que das 328 grandes empresas brasileiras de capital aberto pesquisadas, com mais de R$ 1 bilhão de faturamento anual, 48% sequer publicam o relatório anual de sustentatibilidade, minimo compromisso com o tema ESG. Os setores de energia (19%), transporte e logística (17%) e saneamento (10%) são os com maior divulgação, apesar das baixas proporções de adesão.
Já a SEC, xerife do mercado financeiro americano está querendo inibir o chamado greenwashing que é o comportamento fraudulento de enganar com falsas promessas de ESG. Só podem se autodenominar fundos ESG aqueles que empreguem o mínimo de 80% de seus ativos em projetos efetivos de ESG e que melhorem os relatórios divulgados com medidas objetivas nessa direção, tanto no seu volume de emissões, como usam os critérios de ESG nas suas decisões de investimentos.
Até que ponto a militância verde prevalecerá sobre os objetivos dos investidores que querem retornos no curto prazo é um elemento central dos rumos que as empresas tomarão no seu crescimento orgânico, mesmo que a regulação e intervenção estatal sejam os principais fatores das mudanças.
Referências Bibliográficas
GABRIELLI DE AZEVEDO, J. S.; LEÃO, R. P. F. Economia política da transição energética: um olhar sobre os atores não convencionais. Rio de Janeiro, (2020). INEEP-Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. 17, 32p.,Junho. Texto para Discussão. Disponível em: https://ineep.org.br/wp-content/uploads/2020/10/td_economia-politica-da-transicao-energetica_n-17_gabrielli-de-azevedo-e-leao_vf.pdf. 2020.
IEA. The Oil and Gas Industry in Energy Transitions. International Energy Agency (IEA). Paris, p. 165. 2020. Disponível em: https://webstore.iea.org/download/direct/2935?fileName=The_Oil_and_Gas_Industry_in_Energy_Transitions.pdf.
Jose Sergio Gabrielli de Azevedo é economista, professor titular aposentado da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (INEEP)