Temporais em Angra impediram rotas de fuga se usinas nucleares tivessem acidente, mas empresa não desligou reatores
09 de abril de 2022 - 00h07
Usinas nucleares e tragédias atuais
Por Heitor Scalambrini Costa
A tecnologia de produzir energia elétrica utilizando o calor resultante de reações nucleares como combustível de uma usina termoelétrica, passa por um período de grandes incertezas e forte resistência à sua expansão mundial.
Com exceção da China, que conta com um grande programa de construção de novas usinas, poucos países ainda se aventuram na direção da tecnologia atômica.
Mesmo depois dos graves acidentes que ocorreram em Three Mile Island (Estados Unidos-1979), Chernobyl (Ucrânia-1986) e Fukushima (Japão-2011), os interesses da indústria atômica nos últimos anos intensificaram suas ações.
Um agressivo e poderoso lobby, atuando em diversos países, tentam impor uma tecnologia completamente ultrapassada, cara e perigosa.
Repetem mantras totalmente falsos, contrários ao que diz a ciência. Afirmam que a energia nuclear é uma fonte “limpa”, que contribui para o enfrentamento do aquecimento global, que é segura, pois os riscos de acidentes acontecerem são praticamente inexistentes, e que é competitiva economicamente com outras formas de geração elétrica.
Argumentos não faltam para refutar tais mentiras, e abolir de vez as usinas nucleares das matrizes mundiais, na perspectiva de uma transição energética justa e sustentável, que privilegie as fontes renováveis de energia.
Na atualidade vivenciamos o retorno à barbárie com a guerra na Ucrânia. Este país, com seus 19 reatores distribuídos em um território de 603.548 quilômetros quadrados e com 44 milhões de habitantes, é um exemplo da periculosidade que representa a nucleoeletricidade, para os países que contam com as usinas nucleares em seu território.
É evidente que estamos tratando de uma situação extrema, a guerra. Todavia, fica evidente, em termos da segurança das instalações nucleares, que estes locais são estratégicos e visados em um conflito bélico.
Foi na Ucrânia que ocorreu um dos maiores desastres, o de Chernobyl. Hoje, apenas um mausoléu à eternidade, que simboliza os perigos desta tecnologia.
Conforme informações veiculadas, sobre o território em torno de Chernobyl circularam tropas russas e veículos pesados que ocuparam a usina.
Em seguida, foi detectado e explicado um aumento da radioatividade no local, conhecido como Floresta Vermelha. O revolvimento da terra provocou a suspensão de partículas, de poeira radioativa.
Em outra instalação, localizada em Zaporizhzhia, se encontra o maior complexo da Europa, com seis reatores. Contra este complexo houve o lançamento de mísseis em uma área destinada às edificações administrativas. Conforme monitoramento, não houve liberação de radioatividade.
A Ucrânia é o sétimo maior produtor mundial de energia elétrica de origem nuclear, gerando mais de 50% da energia consumida em seu território.
Aqui no Brasil, este início de ano mostrou a força de eventos extremos e o poder de destruição provocados pelas chuvas torrenciais que atingiram municípios nos Estado da Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Foram recordes em relação ao volume de água precipitado.
As chuvas que atingiram Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, no início de abril, marcaram um recorde histórico, mostrando que as mudanças climáticas já promovem tragédias no país.
Em 48 horas choveu em torno de 700 milímetros. O que acabou provocando deslizamentos de terra, que soterraram casas e causaram a interrupção das vias pelo desmoronamento das encostas. Assim o município ficou completamente isolado, sem rotas para sair ou entrar.
É neste município do Estado do Rio de Janeiro, na praia de Itaorna (em tupi guarani significa pedra podre), que está localizada a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAAA), onde ficam as usinas nucleares Angra 1, Angra 2 e Angra 3 (em construção). É aí que mora o perigo.
A cidade completamente isolada impedia que, diante de um possível problema no complexo nuclear, pudesse ser ativado o Plano de Emergência, permitindo a evacuação das pessoas próximas às usinas.
Diante da situação desastrosa em que o município se transformou, o prefeito solicitou à empresa Eletronuclear que interrompesse o funcionamento das usinas, em uma ação preventiva. O Ministério Público Federal também foi provocado, e acionou a empresa.
Por sua vez, a direção da empresa, em sua soberba, pouco se importando com a vida dos angrenses, monocraticamente rejeitou a possibilidade do desligamento, justificando que o funcionamento era normal, e que não havia qualquer anomalia que justificasse desligar as usinas.
Foi alegado que o corte de fornecimento de energia produzido por Angra 1 e Angra 2 (que representam menos de 2% da potência elétrica total instalada no país), traria consequências sérias ao sistema elétrico brasileiro.
Simplesmente não acatou a solicitação de interromper o funcionamento das usinas nucleares diante da catastrófica situação no município. Uma decisão irresponsável, sem tamanho, que colocou a vida das pessoas em risco.
Uma constatação óbvia do que aconteceu na Ucrânia e em Angra dos Reis é que reatores nucleares são altamente perigosos não somente em tempos de paz, mas muito mais nos da guerra.
O que surpreende nas escolhas das soluções energéticas é que são tomadas por um grupo reduzido de pessoas, de maneira autoritária, sem a participação efetiva da sociedade civil, um retrocesso democrático.
As decisões sobre a política energética no país são definidas e centralizadas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), cujos membros quase unânime são ministros de Estado, representantes do poder público, deixando de fora do poder decisório a sociedade civil.
Constata-se que as decisões centralizadas deste órgão de assessoramento da Presidência da República têm comprometido, para pior, a vida dos brasileiros.
As escolhas equivocadas, no aspecto econômico, provocaram tarifas exorbitantes. Os impactos dos empreendimentos atingem frontalmente as populações que vivem próximas dos locais das instalações, e seus modos de vida.
Do ponto de vista ambiental, a contribuição tem sido o desmatamento, a emissão de gases de efeito estufa, e de outros gases que afetam a saúde das pessoas.
Até os mandacarus do meu semiárido sabem que o Brasil não precisa de usinas nucleares, pois a diversidade e complementaridade entre si, e o potencial das fontes renováveis de energia (sol, vento, água, biomassa) existentes, são suficientes para atender às necessidades energéticas presentes e futuras.
Xô Nuclear. Energia para a Vida.
Heitor Scalambrini Costa é físico pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), mestre em Ciências e Tecnologia Nuclear pelo Departamento de Energia Nuclear da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), doutor pela Universidade de Aix-Marselha-Laboratório de Fotoeletricidade/Comissariado de Energia Atômica da França, professor aposentado da UFPE e ativista antinuclear