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DIREITO HUMANO

Fortalecimento do Estado é decisivo para garantir acesso à água e ao saneamento básico no Brasil

23 de maio de 2022 - 15h04

Água e esgotamento sanitário como direitos humanos fundamentais

 

Por Edson Aparecido da Silva

Os Direitos Humanos à Água e ao Esgotamento Sanitário (DHAES), até ser expresso de forma explicita, sempre esteve presente em vários instrumentos legais, mas sempre apareceu como derivado de outros direitos definidos em documentos das Nações Unidas e na Constituição brasileira.

Considerando essa derivação a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, observamos que o artigo 25.1 diz: “Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar…”.

Não nos parece que seja possível desfrutar de saúde e bem-estar sem garantia de acesso pleno à água e ao esgotamento sanitário.

O Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 16 de dezembro de 1966, que passou a vigorar em 1976, traz em seus artigos pactos que podemos associar à questão do direito humano à água.

O artigo 6º, que trata da questão do trabalho, diz: “Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de todas as pessoas de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem em especial: ‘.. b) condições de trabalho seguras e higiênicas’. Não haverá condições higiênicas se não for garantido acesso a água limpa e instalações sanitárias adequadas”.

E o artigo 11. 1 diz: “…direito de todas as pessoas a um nível de vida suficiente para si e para as suas famílias, incluindo alimentação, vestuário e habitação suficientes bem como a um melhoramento constante das suas condições de existência….”.

Poderíamos citar vários outros documentos da ONU que apresentam de forma derivada os DHAES.

Mas, foi com o Comentário Geral nº15, do Comitê das Nações Unidas para os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, do ano 2002, que o direito ao acesso à água potável surge de forma explícita.

Logo na introdução do Comentário afirma-se que “a água é um recurso natural limitado e um bem público fundamental para a vida e para a saúde”.

Vai além, ao dizer: “O direito humano à água é indispensável para uma vida condigna e constitui um pressuposto da realização de outros direitos humanos”.

O Comentário Geral nº15 possibilitou a elaboração de uma proposta de resolução sobre o direito humano à água. Essa primeira proposta foi apreciada no ano 2008 e rejeitada.

É reapresentada, em 2010, pelo governo da Bolívia e aprovada por 122 votos favor e nenhum voto contra; 41 países se abstiveram.

O Brasil foi um dos signatários favoráveis ao documento, e em 28 de julho daquele ano, a Assembleia Geral das Nações Unidas declara “que o acesso à água limpa e segura e ao saneamento básico são direitos humanos fundamentais”. A resolução recebeu o número A/RES/64/292.

Na Constituição Brasileira de 1988 não há menção explícita ao direito humano à água e ao esgotamento sanitário, porém, o inciso XX do artigo 21 diz que compete à União “instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos”; o artigo 23 diz em seu inciso IX que “é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”. O artigo 200, item IV, diz que “compete ao sistema único de saúde participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico”.

Tramitam no Congresso Nacional propostas de Emenda Constitucional (PECs) que dão nova redação aos artigos 5º e 6º da Constituição Federal, para incluir o acesso à água como direito.

É nessa esteira que o Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas) lançou em dezembro do ano passado a Campanha Sede Zero, que já conta com apoio e participação de quase uma centena de entidades ligadas a movimentos sociais e populares.

O Manifesto de lançamento apresenta nove pontos a serem considerados pelos prestadores dos serviços de saneamento, na perspectiva da garantia dos Direitos Humanos à Água e ao Esgotamento Sanitário, entre os quais se destacam (i) a implementação da tarifa social de água e esgoto como direito “automático” para famílias inscritas no Cadastro Único dos Programas Sociais e com membros recebendo Benefício de Prestação Continuada; (ii) a priorização do acesso aos serviços, com a execução gratuita das ligações de água e de esgoto e das próprias instalações sanitárias domiciliares, das residências das famílias; e (iii) a disponibilização de água para consumo e higiene pessoal e sanitários para população em situação de rua.

Ao manifesto, que propôs a Campanha, incorporou-se um conjunto de emendas à Lei Nacional de Saneamento 11.445, de 2007, com o objetivo de que se observe na prestação dos serviços o conteúdo normativo dos DHAES: disponibilidade; acessibilidade física; acessibilidade econômica; aceitabilidade; qualidade e segurança, bem como os princípios dos direitos humanos: igualdade e não discriminação; acesso à informação; participação, responsabilização e sustentabilidade.

Destaca-se, porém, que medidas como as propostas no Manifesto e nas emendas à lei nacional, só se efetivarão com o fortalecimento do papel do Estado na provisão dos serviços, ou seja, o processo de privatização imposto pelo atual governo através da Lei 14.026, de 2020, em hipótese alguma garantirá a aplicação dos Direitos Humanos à Água e ao Esgotamento Sanitário, na medida em que a busca pelo lucro é incompatível com o conteúdo normativo e os princípios dos DHAES.

E as empresas estaduais de saneamento, em especial as concessionárias estaduais, presentes em mais de 70% dos municípios brasileiros, devem ter como prioridade o atendimento da população pobre e em processo de vulnerabilidade, que são aquelas que ainda não têm acesso aos serviços de saneamento básico.

No caso daquelas empresas que negociam ações na Bolsa de Valores, a prioridade deve ser essa população e não o interesse dos acionistas.

Só assim viveremos num país em que, todas as pessoas, independentemente da capacidade de pagamento e do local e das condições de moradia, terão acesso aos serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos, coleta e destinação adequada dos resíduos sólidos e uma política de drenagem urbana adequada.

Chamamos a atenção para a importância das próximas eleições. Tanto o executivo quanto o parlamento que se elegerem terão papel fundamental nas decisões que levarão à realização ou à violação dos DHAEs.

 

Edson Aparecido da Silva é sociólogo, mestre em Planejamento e Gestão do Território pela UFABC (Universidade Federal do ABC),  assessor de Saneamento da FNU (Federação Nacional dos Urbanitários) e secretário executivo do Ondas (Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento).

 


Comentários

Vinagre

23/05/2022 - 15h26

Excelente artigo, Edson Aparecido é um estudioso na área do Saneamento que a todo momento trás luz e lógica nas razões que nos leva a defender sempre os serviços públicos no saneamento básico.

Aurora Fernandez Rodriguez

23/05/2022 - 15h41

Excelente artigo com o envolvimento de diversas políticas públicas na defesa dos direitos humanos e sociais.

Alex Moura de Souza Aguiar

23/05/2022 - 16h10

Excelente texto. Edson Aparecido aponta com extrema clareza o cenário de potencial violação do direito humano de acesso aos serviços de saneamento imposto pelas decisões atuais (Executivo e Congresso), e deixa clara a importância das próximas eleições no futuro dessa condição. Parabéns!

FLAVIA AMARAL

23/05/2022 - 20h37

Excelente artigo. A concretização do direito humano à água e ao saneamento não virá por iniciativa gratuita de empresas de capital privado.

Marluce mesquita

24/05/2022 - 07h01

Como conseguir um ponto de água para moradores de rua? No caso um grupo esta em baixo de viaduto

Maximino Fernandes Filho

24/05/2022 - 08h59

Ótimo texto. Parabéns ao autor.

Maximino Fernandes Filho

24/05/2022 - 09h02

Ótimo texto. Parabéns ao autor.

Edson Aparecido da Silva

24/05/2022 - 12h17

Oi Marluce, qual é a cidade? De qualquer forma, creio que o melhor caminho e tentar conversar com a empresa que presta os serviços.

Marco Dalama

24/05/2022 - 12h55

Muito bom o texto…

Realmente, nossa preocupação deve estar em um novo modelo de desenvolvimento de baixo carbono, que preserve a biodiversidade e que acabe com a poluição industrial, mas também um modelo de desenvolvimento que diminua as desigualdades sociais.

Para isso, precisamos de um Estado Forte que coordene esforços, investimentos e ações para o desenvolvimento de novos processos de produção ambientalmente corretos, para o desenvolvimento de tecnologias modernas e limpas, para a criação de um fundo de proteção social, para o trabalho e para a vida decente em todas as áreas.

Buscamos o controle dos fundos públicos, na direção de um projeto democrático, popular e ambientalmente correto.

Eduardo Araujo

24/05/2022 - 14h36

Artigo, muito bom! Assunto de muita importância para discussões no estado em geral. Parabéns!

Carmen Sosa, Uruguay.

25/05/2022 - 12h23

Excelente articulo compañero Edson !. No hay duda que los instrumentos legales están a nuestro favor y sobre todo que el derecho humano al agua y al saneamiento tiene una sola interpretación, es vital para la VIDA, por lo tanto deben estar fuera del ‘mercado’. Sin duda, el Estado debe garantizar este derecho, pero debemos recordar en el ‘Estado’ somos todos, y mas allá que los gobiernos de turno, la organización social debe cumplir un rol fundamental en la planificación, gestión y control de este derecho. Adelante con la lucha !
Comision Nacional en Defensa del Agua y la Vida – Uruguay. (CNDAV).

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