Polícia se especializou em matar; chacinas são cotidianas, denuncia sociólogo
07 de março de 2022 - 00h35
Não em meu nome
Por Emir Sader
Os serviços prestados pelo Estado são financiados compulsoriamente pelos impostos cobrados aos cidadãos. Teoricamente os cidadãos decidem que serviços querem financiar com seus impostos através das eleições, em que eles escolhem quem serão os governantes. Dessa forma funcionam os serviços de educação, de saúde, de assistência social e todos os outros.
Quando elegemos os governantes, escolhemos também as políticas de segurança pública. O que significa que nós todos financiamos a atuação das polícias? Somos responsáveis pelo que eles fazem? De alguma forma, sim.
Muito pior. Nós pagamos o treinamento dos policiais, financiamos as armas e as balas que eles disparam. Pagamos seus uniformes, com os quais eles se valem da sua autoridade para cometer arbitrariedades.
E as polícias, de forma mais destacada, as polícias do Rio de Janeiro, se especializaram em matar as pessoas. Mulheres, crianças, homens, jovens, idosos – semanalmente são vítimas das chacinas cometidas pelos policiais, com armas e balas pagas por todos nós.
Somos, de alguma maneira, responsáveis por essas chacinas. Não somente porque as financiamos, pagamos os salários dos policiais que as cometem. Somos responsáveis também porque as polícias agem, supostamente, em nossa representação, para nos defender.
Ao massacrar populações das periferias das grandes cidades, populações miseráveis, excluídas, via de regra negras, nos estão defendendo. Supostamente defendendo nossas vidas, nosso patrimônio.
Eu não quero mais isso. Não quero mais ter uma polícia que mata supostamente no meu nome. Que mata jovens negros, pobres, da periferia, em meu nome.
Eu quero ter uma relação de paz, de solidariedade, de apoio a esses jovens negros da periferia. Eles não são meus inimigos. Não quero fazer parte da guerra de extermínio contra eles.
Se os governos seguem autorizando as polícias a exercerem sua violência contra as comunidades pobres, não contem comigo. Não quero ser conivente com os crimes que eles cometem.
Essas polícias não são minhas. Não me represento nelas. Não quero que digam que estão atuando para nos defender. Não me defendem. Me sinto atacado, violentado, pela ação delas.
Não me sinto protegido, nem quero que essas polícias me protejam. Quero que elas protejam a todos, antes de tudo aos mais frágeis, aos mais pobres, aos que mais precisam de proteção.
Não haverá democracia no Brasil, enquanto as polícias, em nome do Estado, com recursos dos nossos impostos, massacrem aos pobres. O Estado que chega aos pobres não é um Estado democrático, é um Estado autoritário, que só chega a eles através da violência.
Democracia é para todos ou não será democracia. Os pobres, as populações das comunidades populares, tem que participar diretamente das políticas de segurança pública. Eles são vítimas, enquanto deviam ser agentes.
Política de segurança pública é tema muito sério para ser definido por governantes, sem participação popular. Não deveria ser política para defender os ricos e a classe média contra os pobres. Só acentuaria as desigualdades e as injustiças.
Prioritário definir uma política democrática de segurança pública. Difícil, mas indispensável.
Emir Sader é sociólogo, professor aposentado da USP (Universidade de São Paulo) e UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e autor dentre outros livros de Lula e a Esquerda do Século XXI