Massacre do Carandiru, que matou 111 presos, completa 30 anos, neste domingo, 2, sem punição dos assassinos
01 de outubro de 2022 - 08h56
Por Lúcia Rodrigues
O massacre do Carandiru em que 111 presos do Pavilhão 9 foram executados durante a invasão de 330 policiais da Tropa de Choque, da Rota e do COE (Comandos e Operações Especiais) à Casa de Detenção, na zona norte da capital paulista, completa 30 anos neste domingo, 2, sem que nenhum policial assassino tenha sido preso.
A chacina teve repercussão internacional. E até organismos da ONU, a Organização das Nações Unidas, repudiaram a ação, classificada à época como a maior agressão contra os direitos humanos pós redemocratização.
O comandante da operação, coronel Ubiratan Guimarães, apesar de ter sido condenado a 632 anos de prisão, em 2001, pode recorrer em liberdade, e foi absolvido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em 2006, antes de morrer.
Antes disso, em 1994, dois anos após o massacre, disputaria uma cadeira de deputado estadual para a Assembleia Legislativa de São Paulo. Ficou na suplência, mas acabou por assumir o cargo no decorrer da legislatura. Na eleição seguinte, em 1998, não se elegeu.
Mas em 2002, com uma votação de 56 mil votos, consegue o posto no parlamento paulista. Nas campanhas, adota o 111 incorporado ao número do partido pelo qual concorria.
Ultradireitista, se orgulhava de ter participado da repressão aos guerrilheiros que combateram a ditadura militar.
“Temos visto o crescimento do crime nos presídios e agora estamos presenciando atos de verdadeiro terrorismo. (…) Isso foi feito no tempo do terrorismo no nosso Estado, no país, e nós conseguimos vencer. Essa é a grande verdade. Estou entre aqueles que conseguiram vencer, que lutaram contra Carlos Lamarca, Marighella, Genoíno e outros. Participei da luta como oficial da ativa da Polícia Militar destacado para atuar no Vale do Ribeira e aqui em São Paulo no combate a essa guerrilha… Se os vencemos sem saber quem eram, por que não vamos vencer agora, que sabemos quem são e onde estão? Por que perder essa guerra?”, afirmou em seu último discurso na tribuna, em 2006.
A Casa de Detenção, invadida pelo coronel, também foi um dos presídios para onde foram levados vários presos políticos durante a ditadura militar.
Impunidade
O julgamento dos outros 74 policiais apontados nas investigações como responsáveis pela execução dos presos, só ocorreria mais de duas décadas após o morticínio.
Nos cinco tribunais do jurí que ocorreram entre os anos de 2013 e 2014, as sentenças determinaram penas que variaram entre os 48 anos e os 624 anos.
Mas em 2016, o desembargador Ivan Sartori, o mesmo que permitiu a invasão da ocupação do Pinheirinho, em São José dos Campos, no interior do Estado de São Paulo, quando presidia o Tribunal de Justiça em 2012, anulou todos os julgamentos alegando que não houve massacre, mas legítima defesa por parte dos policiais.
Em seu voto como relator do processo na segunda instância, o magistrado chegou a afirmar que os PMs foram recebidos à bala pelos detentos, embora laudos atestassem que vários cadáveres tinham as mãos na cabeça, em sinal de rendição.
Sartori foi acompanhado na decisão pelos desembargadores Camilo Léllis e Edison Brandão, da 4ª Câmara Criminal, que endossaram seu voto ao destacarem que a ação foi necessária e que os policiais agiram dentro do estrito dever para conter os prisioneiros.
No ano passado, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) reestabeleceu as condenações dos 74 policiais militares ao acatar solicitação do Ministério Público Estadual.
No último dia 4 de agosto, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, manteve a condenação dos militares, ao negar recurso interposto pelos advogados dos policiais que contestavam a decisão do STJ.
No entanto, dois dias antes dessa decisão, a Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de autoria do Capitão Augusto (PL-SP), que anistia os policiais militares condenados pela participação no massacre do Carandiru.
O texto ainda terá de ser aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania antes de seguir para votação em plenário.
Ordem de ataque
A invasão da Casa de Detenção foi determinada pelo então secretário de Segurança Pública de São Paulo, o promotor de justiça Pedro Franco de Campos, após uma briga entre dois presos receber apoio de outros detentos.
O então governador de São Paulo, Luiz Antônio Fleury Filho, estava no interior do Estado no momento da invasão. Na ocasião, disse que teria autorizado a incursão da PM, se tivesse sido avisado antes da ordem dada por seu secretário.
O pavilhão invadido pela Polícia Militar era o que concentrava os réus primários e aqueles que ainda não haviam sido condenados e aguardavam julgamento.
Dez anos após o massacre, em 2002, durante o governo de Geraldo Alckmin, a Casa de Detenção começou a ser implodida.
Primeiro ruíram os pavilhões 6, 8 e 9, palco do massacre. Em 2005, viriam abaixo os pavilhões 2 e 5. Foram preservados os pavilhões 4 e 7, destinados a equipamentos públicos.
A decisão pela demolição da Casa de Detenção, implodiu também parte da memória histórica sobre o terror vivido naquele complexo prisional durante décadas.
Relembre o contexto político em que ocorreu o massacre
O ataque aconteceu um dia antes do primeiro turno da eleição para a Prefeitura de São Paulo, que seria vencida pelo representante da ditadura militar, Paulo Maluf, no segundo turno, após a primeira gestão de esquerda, liderada pela então prefeita Luiza Erundina (1989-1992).
Artigo do professor de Sociologia da USP (Universidade de São Paulo) à época, Antônio Flávio Pierucci e do mestrando Marcelo Coutinho de Lima, publicado na revista Novos Estudos, do Cebrap, de março de 1993, aponta que “a direita explícita venceu a eleição de 1992 para a prefeitura da maior metropole brasileira”.
O docente ressalta, no entanto, que na eleição de 1990, para o governo do Estado, em que Fleury foi eleito, a capital paulista já apontava para uma ascensão da direita nas urnas.
Antonio Delfim Netto, o ministro da ditadura militar responsável por passar a caixinha entre empresários e banqueiros para recolher dinheiro para o financiamento da repressão e tortura aos opositores do regime, ressaltou na Folha de São Paulo, em novembro de 1992, a importância de se assumirem como representantes da direita.
“O PT pensa que é progressista. Ele, na verdade, assume o papel de esquerda; por que você, dialeticamente, não pode assumir o papel de direita? Se eles pretendem ser de esquerda, por que nós não podemos ser, de verdade, de direita?.”