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IMPUNIDADE

Mãe de vítima do massacre de Paraisópolis lamenta que policiais não estejam presos três anos depois

Detalhe da viela em que jovens ficaram encurralados e sete deles morreram. Foto: Lúcia Rodrigues

01 de dezembro de 2022 - 12h00

Por Lúcia Rodrigues

Já se passaram três anos do massacre de Paraisópolis, em que nove jovens foram mortos durante um ataque de PMs contra um baile funk que ocorria na favela, zona sul da capital paulista, sem que nenhum policial militar tenha sido punido até agora.

Segundo Maria Cristina Quirino, mãe de Denys Henrique Quirino Silva, de 16 anos, uma das vítimas, a audiência de instrução para ouvir os policiais que participaram do massacre, está marcada apenas para julho do ano que vem.

“Estamos aguardando a audiência de instrução, para os assassinos começarem a ser ouvidos pelo Ministério Público. Mas está marcada só para julho”, lamenta.

“É muito cruel. São três anos sem punição. Se estivesse vivo, ele iria fazer 20 anos. O Denys estudava e trabalhava de ajudante geral. Limpava estofados em mansões do Morumbi, em Alphaville”, recorda.

Ela ressalta que dos 31 policiais militares arrolados inicialmente, apenas 13 estão citados para a audiência de instrução.

O laudo do IML aponta como a causa da morte de Denys, asfixia mecânica indireta causada por agente químico. “Os policiais também matam sem arma de fogo.”

Inicialmente, a imprensa havia divulgado que os jovens teriam sido pisoteados quando tentavam escapar do ataque dos policiais.

Mas a versão foi contestada desde o início pelos moradores da favela, que afirmavam que as mortes teriam sido causadas por bombas de gâs lacrimogêneo e spray de pimenta usados contra os jovens.

A maioria se refugiou em uma viela sem rota de fuga. Por ser mais baixa que o nível da rua, em aproximadamente um metro, e por ser cercada por paredes, acabou se transformando em uma câmara de gás que levou à morte dos jovens.

Desde que o crime ocorreu, Maria Cristina tem se dedicado a lutar por justiça para o filho morto.

Ressalta, no entanto, que está desesperançada pela espera a que vem sendo submetida ao longo dos anos.

“É uma luta muito injusta. Como eu vou acreditar na justiça, lutanto há três anos? Justiça para nós que somos vítimas, não existe. Como todo mundo era pobre, eles fazem isso. Se tivesse o filho de um rico, morto…”

Impunidade

“É inaceitável essa impunidade. Mas essa tem sido a regra em casos de violência policial em São Paulo, que deve se intensificar com o novo governo (de Tarcísio de Freitas). O bolsonarismo é adepto da violência policial, da letalidade e das milícias”, enfatiza o advogado e presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, Ariel de Castro Alves, que também é membro do governo de transição na área de Direitos Humanos.

Ariel critica a nomeação de Guilherme Derrite, ex-policial da Rota e atual deputado federal pelo PL, para o cargo de secretário da Segurança Pública de São Paulo.

“O novo governador ter nomeado um capitão da PM é sinal de que a truculência policial será a tônica da próxima gestão. E que atuarão corporativamente para que casos como o de Paraisopolis fiquem impunes”, lamenta.

Ele também cita a morte de um rapaz, que ocorreu em Paraisópolis, quando Tarcíso foi à favela em campanha, em meados de outubro.

“Inclusive durante a campanha, numa visita de Tarcisio em Paraisópolis, os seguranças dele executaram um rapaz inocente, para gerar uma possível reação de traficantes de lá e criarem uma versão de atentado e ataque à comitiva dele.”

Manobras

Dimitri Sales,  presidente do Condepe, o Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana de São Paulo,  destaca que ocorreram muitas manobras por parte dos policiais envolvidos no massacre dos jovens, para atrapalhar o processo.

“Os policiais criaram muitos obstáculos, como, por exemplo, não indicarem seus advogados (para os defenderem no inquérito).”

Ele enfatiza que a Secretaria da Segurança Pública de Sâo Paulo e, principalmente, a Corregedoria da PM têm dificultado o trabalho do Condepe no caso.

“Tudo tramitou sem transparência. Nenhuma informação solicitada pelo Condepe à Corregedoria foi atendida. E o governo do Estado silenciou. Isso é um estimulo à impunidade. O governo instituiu um sigilo indireto ao não reponder aos questionamentos feitos.

“A Corregedoria da PM concluiu que não houve nenhuma responsabilidade dos policiais”, frisa, registrando indignação.

Dimitri não sabe dizer se os policiais que participaram do massacre já retornaram às ruas. De acordo com ele, a Secretaria da Segurança Pública não responde a nenhum ofício do Condepe sobre o caso há um ano.

“A informação da Secretaria, há um ano, era a de que estavam afastados. Não dá para saber. Temos informações de que já teriam voltado às ruas.”

O Condepe luta para que os policiais vão a júri popular por homícidio com dolo eventual. No inquérito instaurado pelo delegado, os PMs eram acusados de homícidio culposo, quando não há intenção de matar.

“Toda a operação foi montada para gerar transtorno, que fatalmente, em um local com milhares de pessoas, geraria uma tragédia”, afirma.

Ele também refuta a versão apresentada pelos policiais envolvidos. “Disseram que estavam atrás de uma moto, que teria atirado contra a polícia. É mentira. Não há nada que comprove isso. Esse sempre é o argumento alegado pela polícia”, critica Dimitri.

Missa

Nesta quinta-feira, 1, o padre Júlio Lancellotti celebra uma missa na Catedral da Sé, às 17h, para lembrar a morte dos nove jovens. Ariel é um dos que estará presente ao culto religioso.

A celebração foi organizada pelo Movimento de Familiares das Vitimas do Massacre de Paraisópolis, que Maria Cristina encabeça.

Ela conta que mantém contato com parentes das outras oito vítimas. “Estão todos decepcionados. Tem familiar que nem consegue falar sobre isso.”

Além de Denys, Maria Cristina tem mais três filhos, dois mais velhos que ele, e uma mais nova. “Cada filho é único, um não substitui o outro.”

Antes do início da missa ocorre uma manifestação na Praça da Sé, em frente à Catedral, às 15h, com participação de familiares das vítimas.


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