Guerra na Ucrânia transformou mídia em trincheira do front de versões
22 de março de 2022 - 13h52
A guerra também é de versões
Por Sergio Amadeu da Silveira
Atualmente, estamos acompanhando a guerra na Ucrânia. Como nos alertou Clausewitz, “a guerra é o domínio da incerteza… É necessário um discernimento sensível e perspicaz e uma exímia inteligência para descobrir a verdade”.
Uma das principais batalhas que se trava em uma guerra é pela informação. Nessa guerra, as coisas não são nada simples.
Temos um enfrentamento de dimensões geopolíticas. Sem dúvida, a Rússia tem interesse em enfraquecer a Ucrânia, com o objetivo de submetê-la à condição de um vizinho militarmente frágil e, principalmente, fora da Otan.
Já os Estados Unidos tem o interesse de corroer o seu maior adversário militar, e impor o máximo de desgaste possível ao poderio russo. Para isso, usa o governo ucraniano como cabeça de ponte para esse processo.
Do ponto de vista geoestratégico, os norte-americanos e os europeus precisam impor limites à aliança entre russos e chineses.
Uma guerra longa e cara permite travar batalhas na opinião pública ocidental, limitar mercados, criar bloqueios e boicotes a essa aliança, entre o poder econômico chinês e o poder militar russo.
E, não podemos nos esquecer, a guerra assegura a venda de armas norte-americanas e europeias aos ucranianos. Assim, a indústria militar se revigora.
Agora, observe Volodymyr Zelensky, o humorista neoliberal pró estadunidense, que se permanecer no comando da Ucrânia sairá ganhando. Terá assegurada sua capa de herói.
Terá eliminado as forças de esquerda em seu país e se aliado definitivamente aos grupos neonazistas, que engrossaram as fileiras de suas tropas.
O que os democratas europeus não perceberam, é que a força da extrema-direita ucraniana irá se espalhar pela Europa, revigorando outros agrupamentos neofascistas.
Repare que o ex-diretor da Cambridge Analytica e ex-conselheiro de Donald Trump, Steve Bannon, apoia o fortalecimento de Putin. Mas por que? Putin é a expressão de uma nova direita, nacionalista e retrógrada, que inspira boa parte da direita alternativa norte-americana.
Já os autoproclamados democratas das Américas, tentam fazer de Zelensky um símbolo da defesa dos valores democráticos, o que é bem difícil. Zelensky e seu governo são de extrema-direita.
Nem toda a extrema-direita é fascista. A parte neoliberal que ainda não rompeu com a ideia de democracia, em breve, irá se afastar dos processos democráticos e reforçar os processos plutocráticos.
A impaciência neoliberal os conduz cada vez mais para uma aliança com o fascismo. Lembrem-se que Hayek afirmou “preferir um ditador liberal do que um governo democrático em que falta o liberalismo”, o que o levou a apoiar o carniceiro general Pinochet.
Estamos vivendo uma guerra entre dois governos de extrema direita, alimentada pelos interesses norte-americanos, que têm um presidente de direita.
Ninguém ouve uma voz sensata na ONU, nem uma missão de diplomatas pedindo a paz. Estamos vendo campanhas para enviar mercenários e armas para o governo ucraniano. A ONU sumiu, apequenou-se.
E os grandes grupos da imprensa mundial, obviamente pró-Otan, passam a integrar os esforços da guerra de informações pró-americana.
Simultaneamente, assistimos a militarização da Internet em vários sentidos, da netwar, da cyberwar e da guerra da desinformação.
Podemos ver igualmente as plataformas digitais bloqueando perfis, banindo sites de comunicação russa e realizando o tagueamento de jornalistas que trabalham para órgãos de imprensa da Rússia.
Todavia, ninguém verá um aviso do Facebook, Google ou Twitter, de que um jornalista trabalha para um órgão de imprensa que defende os interesses da Otan.
Instituições que trabalham para a Otan não são parte na guerra, são a verdade, são a própria guerra.
Sergio Amadeu da Silveira é professor da UFABC (Universidade Federal do ABC) e pesquisador de redes digitais.