É preciso defender políticas públicas de ataques eleitoreiros, afirma professora da Federal de Alagoas
12 de abril de 2022 - 19h24
O sistema de proteção social brasileiro: políticas públicas universalizantes ou setorizadas?
Por Luciléia Aparecida Colombo
Os sistemas de proteção social ao redor do mundo têm características próprias que obedecem às suas peculiaridades locais, e cujas origens remontam a uma discussão anterior, sobre o próprio surgimento dos chamados Welfare States, os quais possuem algumas características importantes, segundo um de seus maiores teóricos, o sociólogo dinamarquês Gosta Sping Andersen.
O Estado de Bem-Estar Social surge, assim, com três propósitos fundamentais: uma necessária interferência do Estado na organização e na garantia de implementação de políticas sociais que estivessem em consonância com o contexto de cada país; uma aproximação das relações entre o Estado e o Mercado, de forma a equilibrar as distorções e desigualdades promovidas por este último, especialmente no que tange aos efeitos nocivos das transformações do mundo do trabalho a partir da Revolução Industrial; e, finalmente, uma programação para a complementação da renda e do estabelecimento de seguros sociais em casos de perda da capacidade laboral e amparo na velhice.
Fundamentalmente, a importância do Welfare State está relacionada como um contrapeso ao capitalismo, desde os primeiros direitos dos trabalhadores, surgidos com o movimento sindical e os movimentos sociais, até mesmo a consolidação de um rol de políticas para a passagem de um modelo de estado a outro, como por exemplo, na formação do Estado Nacional e na consolidação da democracia, com a necessidade cada vez mais recorrente da universalização e ampliação dos direitos sociais e das políticas públicas.
Esping-Andersen criou uma tipologia baseada em três modelos principais de Welfare State, os quais serviram de inspiração para diversos países. São eles: o Welfare Liberal ou Residual, o Welfare Conservador – Meritocrático/Particularista e, finalmente, o Welfare Social-Democrata.
O primeiro, calcado em exemplos dos Estados Unidos, Canadá e Austrália, é um modelo baseado em esparsos benefícios, direcionados para uma população em estado de alta vulnerabilidade social, com uma contrapartida de reduzidas transferências públicas universais.
Isso significa que no modelo do Welfare Liberal, as pessoas são diferenciadas basicamente pela posição que ocupam no mundo do trabalho e também pelos vínculos formais ou informais com o mercado, recebendo como contrapartida, benefícios por um tempo definido.
O Welfare Conservador possui a particularidade de associar os direitos a determinadas classes sociais e ao status que os indivíduos possuem na sociedade, promovendo a distinção entre os cidadãos que tinham acesso aos direitos dos que não possuíam essa prerrogativa, de acordo com o tempo de serviço e, consequentemente, com a quantia da contribuição para fundos específicos.
Neste modelo, o papel do Welfare é apenas o de complementar as instituições econômicas tradicionais, como as que encontramos na Áustria, Alemanha e Itália.
Por fim, o Welfare Social-Democrata exclui ou ao menos suaviza, a dualidade entre Estado versus Mercado, entre Universalismo versus Setorialismo de políticas tendo como modelo de sucesso os tão afamados países escandinavos.
O Brasil possui uma mescla dos modelos acima definidos, com alguns marcos históricos importantes. Anteriormente à Constituição de 1988, o Brasil possuía um modelo de políticas sociais calcado, fundamentalmente, no mercado de trabalho formal.
Os trabalhadores formais, com carteira de trabalho assinadas, tinham direito sobre os serviços e políticas públicas.
Paralelamente, os desempregados permaneciam desassistidos, relegados à benevolência estatal e à filantropia de alguns setores assistencialistas da sociedade brasileira.
Além de não poderem acessar facilmente as políticas públicas, os desempregados ficavam à mercê de interesses particularistas, nem sempre claros quanto à concessão de benefícios difusos e esparsos.
O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos cunhou o termo “cidadania regulada” para se referir a este período, especialmente porque o acesso às políticas públicas possuía a condicionante do pertencimento ao mercado formal de trabalho e ao mundo da produtividade laboral.
Os outsiders e marginalizados, sem tal vínculo empregatício, estavam relegados às margens do sistema, alargando a injustiça social.
Este modelo foi rompido em 1988 com a redemocratização do Brasil e com o fim do regime militar, cujo entendimento dos parlamentares constituintes era o oferecimento de um amplo rol de políticas sociais e públicas, universalizantes, sem estarem condicionadas ou vinculadas a nenhuma expectativa de contrapartida de vínculo com o mundo do trabalho.
O rompimento total com o período anterior foi consagrado no Artigo 6º da Constituição Federal, que estabelece a amplitude dos direitos sociais, que são descritos como “a educação, saúde, o trabalho, lazer, a segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados”.
Com tal definição, podemos pensar que o modelo adotado pela Constituição de 1988, amparado na universalização das políticas sociais, é um dever do Estado e um direito do cidadão, rompendo, decisivamente, com o padrão filantrópico e benevolente do Estado, em períodos que antecederam à Carta de 1988.
É tarefa dos gestores, professores, representantes de movimentos sociais e de demais setores mobilizadores da sociedade brasileira que tal prerrogativa seja amplamente conhecida e reconhecida por todos, para que as políticas públicas e sociais não sejam moeda de troca em barganhas eleitorais e políticas, mas sim, reconhecidamente, que são conquistas sociais de tempos de luta.
Luciléia Aparecida Colombo é professora adjunta de Ciência Política da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) e líder do grupo de pesquisa Federalismo, Políticas Públicas e Desenvolvimento.