Documentário sobre freira torturada pela ditadura militar está em cartaz até domingo em SP
12 de abril de 2024 - 02h42
Por Lúcia Rodrigues
Premiado em festivais da Espanha e dos Estados Unidos, o documentário Maurina, o outono que não acabou, que conta a história de Madre Maurina Borges da Silveira, a freira da Ordem Franciscana da Igreja Católica, brutalmente torturada pela ditadura militar durante os Anos de Chumbo, está em cartaz até domingo, 14, no Cine LT3, em Perdizes, zona oeste da capital paulista.
A ideia de filmar a história da Madre surgiu durante a Flip, Festa Literária Internacional de Paraty, em 2016, segundo o diretor do filme, Gabriel Mendeleh. “Foi em uma mesa na Flip, com a (escritora) Maria Valéria Rezende, que é freira também. A partir daí comecei a me encantar com o trabalho das freiras e passei a estudar para fazer uma série sobre freiras. Nesse estudo, descobri a Madre Maurina.”
O cineasta explica que o interesse pela história da freira aumentou por ela viver no interior de São Paulo à época em que foi presa. “Eu sempre tive vontade de mostrar que a ditadura não aconteceu só nos grandes centros.”
Acusada pelas forças da repressão de pertencer às FALN, as Forças Armadas de Libertação Nacional, organização de combate ao regime militar na região de Ribeirão Preto, Madre Maurina foi presa em outubro de 1969, em frente ao Lar Santana, um orfanato ribeirão-pretano da década de 1930, em que ela era a diretora.
Antes de ela chegar para comandar o Lar, um grupo de jovens ligados ao movimento estudantil da cidade utilizava um dos espaços da instituição, para se reunir e guardar seus materiais. Pediram se poderiam manter o local com sua chegada, e ela não se opôs.
Com o recrudescimento da ditadura, e a resposta aos ataques do regime por alguns desses jovens que também integravam as FALN, as forças de repressão descobriram que os ativistas mantinham um espaço no porão do Lar.
A Madre, que nunca se interessara por saber o conteúdo do que era guardado ali, pediu para um funcionário da instituição arrombar a porta. Percebendo que o material poderia comprometer muitas pessoas, decidiu incinerar os documentos.
A ação foi entendida pela repressão como uma forma da Madre tentar se livrar de algo que a comprometesse na ligação com o grupo guerrilheiro.
Presa e torturada pela ditadura passou por vários presídios, como a Torre das Donzelas no Presídio Tiradentes, na região da Luz, no centro da capital paulista, onde a ex-presidente Dilma Rousseff também esteve detida.
Foi ali que a jornalista Rose Nogueira a conheceu. “Ela estava numa cela com a Dulce Maia, e na hora que cheguei, ela perguntou: “Você é a do nenê?”. Rose havia sido presa pelo delegado torturador Sérgio Paranhos Fleury 31 dias após dar à luz.
“Eu respondi que sim e disse que (os torturadores) tinham me dado uma injeção para cortar o leite e que estava doendo muito o meu peito. Ela perguntou se havia sido uma injeção só ou uma série. Eu disse que havia sido uma. E ela afirmou que tinha sido uma descarga de estrógeno. Logo depois tive uma infecção puerperal, que me esterilizou e nunca mais pude ter filhos. A ditadura fez isso comigo.”
Madre Maurina seria libertada com a captura do cônsul japonês Nobuo Okuchi, em março de 1970, em uma ação comandada por revolucionários, entre eles Devanir José de Carvalho, pai do cantor Don Ernesto.
Na troca de prisioneiros políticos pelo cônsul, a freira encabeçava a lista de banidos para o México, onde continuaria realizando trabalhos assistenciais junto a comunidades carentes daquele país.
Rose Nogueira a reencontrará no julgamento em que ela seria absolvida, nove anos depois na Auditoria Militar em São Paulo, como repórter do Jornal Nacional da Rede Globo.
O reencontro a emociona até hoje. “Eu fui cobrir o julgamento da Madre, e a primeira coisa que ela me disse, quando me viu, foi: ‘E o nenê, como é que vai?’. Isso é inesquecível. Eu tenho a Madre Maurina para sempre no meu coração”, enfatiza.
A prisão e torturas sofridas pela freira também geraram a solidariedade da Igreja Católica em sua defesa.
O então bispo de Ribeirão Preto, D. Felício da Cunha, excomungou os delegados da cidade, Renato Ribeiro Soares e Miguel Lamano, pela participação nas torturas contra Madre Maurina.
D. Paulo Evaristo Arns também se envolveu pessoalmente para tentar amenizar o sofrimento da freira.
De acordo com relatos no documentário, foi a partir desse episódio que o arcebispo de São Paulo passou a defender os presos políticos da ditadura militar.
Assista a seguir trailer da película produzida pela Kauzare Filmes.
Serviço
Onde: Cine LT3, rua Apinajés, 135A, Perdizes, zona oeste da capital paulista
Quando: até domingo, 14, sempre às 18h
Quanto: R$ 12
As próximas cidades do Estado de São Paulo onde o filme será exibido são: Taquaritinga (16 de abril – E. E. Taquaritinga), Ribeirão Preto (24 de abril – Caium e E.E. Prof. Otoniel), São Sebastião (25 de abril – Circo Navegador), Campinas (8 de maio – IFSP, 14 de maio – Cineclube Terracota e 19 de maio – MIS) e Americana (8 de maio – Cineclube Estação Unisal).