Cultura chinesa interpreta fenômenos da natureza por meio de cinco elementos; Ocidente leva em conta quatro
06 de abril de 2022 - 12h00
O taoísmo e a teoria dos cincos elementos
Por Carlos Alberto Shimote Martins
Quando comparamos a cultura chinesa com a cultura ocidental, um dos aspectos mais evidentes a diferenciar uma da outra é a teoria dos elementos.
Para a cultura ocidental (cuja origem é o pensamento grego da Antiguidade), há quatro elementos: água, terra, ar e fogo.
No entanto para a cultura chinesa (cuja origem é o taoísmo) existem cinco elementos: madeira, fogo, terra, metal e água.
A teoria taoísta dos cinco elementos é o resultado do conhecimento adquirido pelos chineses antigos por meio de longa e cuidadosa observação da natureza.
Para a teoria taoísta, os fenômenos do universo são produtos do movimento e das mutações desses cinco elementos.
A relação entre esses elementos ocorre, segundo os taoístas, por meio de dois aspectos distintos: o ciclo da geração (ou da mutação) e o ciclo da dominância (ou de controle).
O ciclo da geração é compreendido pelo taoísmo como um processo em que ocorre um desencadeamento de mutações, isto é: uma sequência em que cada elemento do presente gera e dá origem ao elemento seguinte mediante um processo de mudanças.
Desse modo, a madeira gera o fogo (a madeira em combustão faz o fogo crescer); o fogo gera a terra (as cinzas originadas pelo fogo descem ao solo e são absorvidas pela terra, que com as cinzas se fortalece); a terra gera o metal (no interior do solo são produzidos os minérios que formam os metais); o metal gera a água (o metal, ao ser derretido, retorna à forma líquida) e a água gera a madeira (a água é fundamental para o crescimento das árvores de onde a madeira é extraída).
E, somado ao ciclo das mutações desses cinco elementos há, segundo o taoísmo, o ciclo da dominância. O que é o ciclo da dominância? É a compreensão que têm os taoístas de que esses cinco elementos formam relações de controle e de restrição uns com os outros.
A madeira controla a terra (pois a madeira consome e se nutre da terra), a terra controla a água (pois a terra limita os caminhos da água), a água controla o fogo (pois a água apaga o fogo), o fogo controla o metal (pois o fogo derrete o metal) e o metal controla a madeira (pois o metal corta a madeira).
As relações entre os ciclos de geração (e/ou mutação) e de dominância (e/ou restrição) é o que assegura o equilíbrio entre os cinco elementos e a normalidade de seus processos no universo.
Como os cinco elementos têm estreita interdependência, o desequilíbrio de um repercute e causa consequências sobre todo o sistema.
E é dessa compreensão da interdependência desses cincos elementos e dos dois ciclos que os regem (mutação e restrição), que deriva a ideia de harmonia e desarmonia na cultura chinesa, assim como a ideia de saúde.
Para os chineses, os cinco elementos explicam o processo de mutação que se observa nas diferentes estações do ano.
Cada uma das estações do ano encontra-se, desse modo, associada a um desses cinco elementos. É preciso observar entretanto que, ao contrário dos ocidentais cujo calendário é solar, a cultura chinesa orienta-se por um calendário lunar.
E é esse fato, o calendário lunar, que explica a razão pela qual, ao contrário dos ocidentais, os chineses consideram existir entre o fim do verão e o início do outono uma estação intermediária, mais curta é verdade, mas fundamental para a compreensão do ciclo de mutações do calendário chinês.
A água é o elemento associado ao inverno, em que prevalece a força yin, relacionada a um comportamento de introspecção.
O inverno é o tempo do descanso, da quietude, quando a energia deve ser poupada, recolhida, condensada, conservada e armazenada. Devemos “hibernar” para poder explorar as próximas estações.
A madeira está associada à primavera, estação em que as plantas florescem. A força yang, de expansão, prevalece nesse período.
Trata-se de uma fase com energia quente, alegre, bem-humorada, colorida e explosiva. Está associada ao vigor, à juventude, ao crescimento e ao desenvolvimento.
Em seguida vem o verão, com energia similar à da primavera: expansiva e criativa, simbolizada pelo fogo, com a força yang em seu ápice. Essa energia está associada ao amor e à compaixão, à generosidade, à alegria e à abundância.
E surge então, o período intermediário que é regido pelo elemento terra: o final do verão, quando o universo se prepara para o início do outono.
Trata-se, como dissemos anteriormente, de uma estação intermediária, mais curta, uma espécie de interlúdio, quando ocorre para os chineses um perfeito equilíbrio entre as energias yin e yang, pois a intensidade do fogo diminui, transformando-se em energia da terra.
Durante essa estação intermediária há uma sensação de bem-estar e de plenitude.
Com o início do outono, a energia da terra transforma-se em metal. E, durante essa fase, começa novamente a condensar-se, a contrair-se, volta-se para dentro para se acumular e armazenar.
É quando libertamos tudo que pode ser dispensável, da mesma forma que as árvores dispensam as folhas com o intuito de poupar sua essência.
É necessário economizar forças nesse momento para atravessar o inverno, período de processar os aprendizados obtidos no verão.
A filosofia taoísta tem uma compreensão holística do ser humano e do corpo humano, ou seja, o ser humano e seu corpo não são compreendidos como instâncias separadas ou independentes da totalidade do universo.
Para o taoísmo, o ser humano tem em si (em sua alma) e dentro de si (o corpo) a própria configuração do universo. E disso decorre a compreensão segundo a qual os cinco elementos que constituem a totalidade do universo estão também dentro da alma e do corpo do ser humano.
Em outros termos, para os taoístas tanto os pensamentos e emoções do ser humano (a alma), quanto os órgãos do interior do corpo humano estão intimamente ligados e são determinados pelos cincos elementos do universo, o que, por sua vez, determina tanto as terapias e os tratamentos da tradicional medicina chinesa, quanto os alimentos da dieta e, em boa medida, a culinária e gastronomia chinesas.
O elemento água é representado pelos rins e pela bexiga; o elemento madeira pelo fígado e vesícula biliar; o elemento fogo pelo coração e intestino delgado; o elemento terra pelo baço, pâncreas e estômago e o elemento metal é representado pelo pulmão e intestino grosso.
E, quando falamos nos cinco elementos, falamos também sobre os sentimentos ligados a eles.
Na filosofia taoísta acredita-se que cinco emoções maiores originam as menores e, quando em excesso ou falta, podem afetar o funcionamento psíquico, fazendo com que surjam inúmeras síndromes energéticas e patologias.
Essas cinco emoções são: o medo (ligado ao rim), a alegria (ligada ao coração), a tristeza (ligada ao pulmão), a preocupação (ligada ao baço) e a raiva (ligada ao fígado).
O medo indiscutivelmente é importante para a proteção do ser humano. Quando nos sentimos ameaçados, acuados, instintivamente corremos ou enfrentamos o que tenta nos agredir.
Essas ações podem assegurar a sobrevivência. Por outro lado, o medo em excesso causa alterações que afetam diretamente o rim.
Passar por situações de medo constante, como aquele vivido diariamente por populações em zonas de conflitos, prejudica não apenas o funcionamento do órgão, mas também o funcionamento psíquico e emocional da pessoa.
O medo pode ainda afetar o coração e o shen (consciência), manifestando-se na forma de fobias e alterando a livre circulação da energia Qi (pronuncia-se “tchi“) pelo corpo.
Estando ligado à água, são comuns síndromes associadas à deficiência desse elemento no corpo humano causando, por exemplo, queda do cabelo, falta de energia e problemas nos ossos.
Dois sintomas comuns dessa desordem incluem a incontinência urinária e fecal, resultado da liberação esfincteriana.
Não é difícil imaginar uma pessoa que, ao vivenciar uma situação traumática, quando o medo é muito intenso, deixe escapar a urina, em função desse sentimento incontrolável.
A alegria pode ser sinônimo de satisfação e de felicidade, gerando um equilíbrio do shen (consciência) e do coração.
Em excesso, porém, pode criar um estado de grande excitação que consome a energia Qi e afeta o coração.
Como resultado, o shen (consciência) perde a sua base, e a pessoa não consegue se concentrar, podendo alternar estados de euforia e depressão.
Seria como receber uma notícia maravilhosa que trouxesse grande alegria, mas não ter condições para metabolizar a situação. Um excesso de notícias boas pode afetar o coração.
Como contraponto, quando situações de grande tristeza ou melancolia atingem uma pessoa, o funcionamento do pulmão pode ser comprometido, provocando alterações respiratórias (bronquite, rinite, sinusite, asma, falta de ar), problemas de pele e queda na imunidade.
A preocupação excessiva e o comportamento obsessivo alteram diretamente o baço, que é o órgão responsável pelo transporte e pela transformação da energia Qi.
Pessoas com desarmonia do elemento terra, que é o elemento responsável por essa emoção, são ansiosas e frequentemente têm insônia.
O desequilíbrio pode chegar a alterar a fisiologia natural da absorção dos nutrientes alimentares (dificuldade de assimilação e retenção da energia), favorecendo a obesidade.
Seriam pessoas que, em momentos de grande tensão e preocupação, acabam “descontando” na comida e priorizando o consumo de alimentos de alto valor calórico e baixo valor nutricional.
A raiva, que é determinada pelo elemento madeira, leva à alteração do fígado e, como consequência, prejudica o fluxo da energia Qi.
Os sintomas associados a esse estado são a irritação, a opressão torácica (dor do peito), a distensão abdominal, além de síncopes.
É em razão de todos esses aspectos complexos que a medicina tradicional chinesa, regida pelo pensamento taoísta, desenvolveu tratamentos e terapias que não se prendem apenas à observação dos sintomas que se manifestam no corpo físico do doente.
O médico da medicina tradicional chinesa, antes e pelo contrário, procura tratar o paciente, observando o seu corpo, a sua mente e, mais do que tudo, a relação que existe entre o corpo e a mente do seu paciente com a totalidade do universo e, portanto, com todos os seus cinco elementos e os ciclos de geração/mutação e de restrição/controle.
Para a medicina tradicional chinesa de raízes taoístas é importante contextualizar todos os sintomas da doença física do corpo juntamente com os sentimentos que o paciente apresenta, com a estação do ano em que se encontra e com os desequilíbrios gerados e observados dentro dos ciclos de geração e controle dos cinco elementos.
Por exemplo, se uma pessoa com excesso do elemento fogo procura tratamento no verão, furiosa, com uma patologia que gera calor no corpo, como é o caso da dermatite de contato (um tipo de reação na pele que ocorre devido ao contato com alguma substância externa, causando alergia ou irritação, e que desencadeará um processo inflamatório), o tratamento, nesse caso, não deve envolver apenas a eliminação do agente causador da doença.
É imprescindível a administração do elemento água, capaz de controlar restringir os efeitos do fogo. Assim, algumas das seguintes estratégias poderão ser utilizadas: (1) resfriar o corpo do paciente por meio do consumo de alimentação energeticamente fria (como alface, tomate, tangerina); (2) usar alimentos anti-inflamatórios capazes de diminui o calor interno (como sementes de chia); (3) diminuir o consumo de alimentos energeticamente quentes (álcool, gengibre, pimenta, café etc.); (4) resfriar a região lesionada com água abundante e (5) utilizar pontos de acupuntura que diminuam o fogo interno.
Obs. O próximo artigo é um desdobramento deste, e vai abordar o taoísmo e os jardins chineses.
Carlos Alberto Shimote Martins morou em Pequim durante três anos e meio. Foi professor de Português, Cultura Brasileira e Literatura Brasileira na Universidade de Estudos Internacionais de Pequim (Beijing International Studies University/Erwai), no período de maio de 2010 a agosto de 2013. Foi o leitor escolhido para atuar naquela universidade como parte do Programa de Leitorado do Ministério das Relações Exteriores (MRE/Itamaraty) e Ministério da Educação (MEC/Capes).