Apoie o holofote!
Busca Menu

GEOPOLÍTICA

Nova Rota da Seda projetada pela China prevê conexão com Rússia para chegar a Alemanha

24 de março de 2022 - 09h38

Nova Rota da Seda 

 

Por James Onnig

O saudoso professor Milton Santos (1926-2001), um dos mais importantes intelectuais brasileiros, debruçou-se nos estudos do processo de globalização com um olhar especial. Diz em seu livro de 1996, A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção: “cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de uma razão global e de uma razão local, convivendo dialeticamente”. 

Os lugares, pontos específicos do espaço geográfico, são importantes nesse contexto contemporâneo, independentemente de seu status jurídico-político. Sejam países, regiões ou cidades, tudo está à mercê das forças que hoje ditam a tão criticada globalização capitalista. 

Essa crítica é ainda mais sintomática, quando vem de um representante do pensamento neokeynesiano, como Joseph Stiglitz, que já ocupou posição importante no governo Clinton nos Estados Unidos (1993-2001).

Em seu livro, A globalização e seus malefícios, de 2002, ele alertava que a enorme redução dos custos de transporte e comunicação, e a eliminação de barreiras para os fluxos de mercadorias, serviços e capitais, já estava provocando muito mais danos que benefícios aos países em desenvolvimento.

Austeridade fiscal, juros altos, liberalização comercial e de mercado de capitais, acompanhados de privatizações atabalhoadas, só aumentaram as diferenças entre ricos e pobres.

Nessa lógica, a importância dos lugares parece continuar a mesma e a crise da globalização capitalista só se aprofunda. Foi quando 10 anos atrás, o governo chinês lançou uma iniciativa que ficou conhecida como a Nova Rota da Seda (One belt,One Road).

A China já vinha com um ou outro avanço nessa empreitada, mas em 2013, Pequim inicia de forma mais globalizada, uma série de esforços para concretizar acordos bilaterais com países interessados em se integrar fisicamente a uma rede de rodovias, hidrovias, ferrovias, cinturões oceânicos e até mesmo infovias pelo andar da carruagem. 

A alma geopolítica e geoeconômica do projeto é garantir o abastecimento da China e permitir o escoamento eficiente de seus produtos para o mercado mundial.

Os governantes chineses estão dispostos a financiar obras de infraestrutura em lugares que viabilizem essas redes e fluxos, lembrando aqui dos importantes estudos de Manuel Castells, sociólogo espanhol e ex-ministro das Universidades na Espanha, no último biênio 2020-21.

Uma coisa é certa: estamos assistindo o poderio econômico financeiro se globalizando, mas a vida da imensa maioria das pessoas, em todo o mundo, continua ligada aos seus lugares onde acontecem suas experiências cotidianas.

São esses os lugares que vão também ser impactados com o projeto da Nova Rota da Seda. Neste projeto existem aspectos geoestratégicos, por assim dizer, que chamam a atenção. O poderio chinês, que vem se consolidando nas últimas décadas, foca na superação de cenários de risco, que possam comprometer os inegáveis avanços socioeconômicos da China. 

Um exemplo dessa preocupação é o Estreito de Malaca. Com cerca de 900 quilômetros de comprimento, é o principal gargalo da Ásia.

O canal liga o continente ao Oriente Médio e à Europa, e por ele passam cerca de 40% do comércio mundial, além de ser também importante rota do petróleo em escala global.

Suas águas estão entre os limites de Singapura, Tailândia, Malásia e Indonésia e por elas passam milhares de navios cargueiros por ano. 

Para superar eventuais infortúnios, como acidentes ou guerras nesse gargalo, os chineses estão construindo uma poderosa estrutura portuária na cidade paquistanesa de Gwadar, no litoral do Mar da Arábia.

Trata-se de um dos braços do China-Pakistan Economic Corridor (CPEC) que, partindo do território chinês, estende gasodutos, ferrovias e rodovias que, além de suas funções, podem eventualmente substituir por um tempo o papel do Estreito de Malaca.

Trocando em miúdos: para quem vai à China, Gwadar fica antes de Malaca e para quem vem da China, Gwadar fica depois de Malaca. 

Essa preocupação chinesa acabou levando a uma outra empreitada em 2017. O governo de Pequim instalou a sua primeira base militar fora do seu território, em centenas de anos.

Trata-se da Base de Doraleh, em Djibuti, litoral do estreito de Bab-El-Mandeb, no Chifre da África, que liga toda a região do Oceano Índico e do Mar da Arábia ao Mar Vermelho, Canal de Suez e Mediterrâneo.

Lá, centenas de marinheiros chineses estão em prontidão para prestar apoio contra a pirataria e eventuais problemas técnicos em embarcações, consideradas essenciais pelo governo chinês.

Não é nenhuma teoria da conspiração inferir que essas tropas podem estar lá para algum confronto mais sério. 

Por fim, um outro exemplo de lugar no qual a lógica da Nova Rota da Seda chinesa também influencia: Duisburg é uma cidade na parte norte da Renânia na Alemanha. Outrora um importante centro industrial, hoje ela é um dos pontos estratégicos da logística chinesa na Europa.

Ela foi escolhida pelo capital chinês para ser o entreposto de chegada de mercadorias da China, por ferrovias, para serem distribuídas pelo mercado europeu.

E de onde vem essa ferrovia? Partindo da China, os ramais ferroviários se conectam com a vasta malha de trilhos russa e assim chegam até a Alemanha. Sim, o trem leva equipamentos eletroeletrônicos, componentes e peças de automação, passando pelo gigantesco território russo. 

Em um mundo preocupado com vantagens competitivas cada vez mais profundas, as rotas de transporte fazem toda a diferença.

Não é à toa que a geopolítica vem se firmando para entender essa realidade. É assim que já tem gente pensando em usar o Oceano Ártico como rota de ligação. Mas isso fica para um outro papo. 

 

James Onnig é professor de Geopolítica da Facamp (Faculdades de Campinas)


Comentários

Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!

Deixe seu comentário

Outras matérias