Mais de 300 cidades do mundo que privatizaram água e saneamento básico voltam atrás, mas Brasil insiste no erro
23 de março de 2022 - 14h38
Saneamento básico para todos
Por Edson Aparecido da Silva
É preciso garantir acesso aos serviços de saneamento básico, para todos os brasileiros e brasileiras, entendido como abastecimento de água, coleta e tratamentos de esgotos, manejo dos resíduos sólidos e das águas pluviais, independentemente da capacidade de pagamento, do local e das condições de moradia.
Isso implica em dizer que a população que vive nos morros, nas palafitas, favelas, ocupações e nos assentamentos não podem ficar esperando o dia que vão sair dessa situação para ter acesso a esse serviço essencial, em condições e qualidade adequadas para sua sobrevivência.
É preciso considerar também quem vive nas periferias das grandes cidades e na área rural. Aliás, precisamos ir além.
A política pública de saneamento básico deve considerar a população que vive e trabalha nas ruas, garantindo equipamentos de higiene, banheiros públicos e acesso à água, com olhar especial para as mulheres e meninas que enfrentam grande dificuldade quando necessitam desses equipamentos, sobretudo em períodos de menstruação. A população idosa também merece atenção.
Porém, se é verdade que os desafios da universalização são grandes, o Brasil caminha para aumentar a exclusão do acesso aos serviços.
A aprovação da Lei 14.026 de 2020, que alterou a Lei Nacional de Saneamento 11.445 de 2007, que sequer chegou a ser implementada de forma plena, colocou o Brasil na rota das privatizações desenfreadas, colocando em risco um processo que vinha posicionando o saneamento no centro das políticas públicas urbanas, com a retomada dos investimentos, do planejamento e das garantias de participação e controle social.
Estados como Rio de Janeiro, Alagoas, Mato Grosso do Sul e Amapá aderiram à onda privatizante. Os efeitos da privatização já começam a ser sentidos: a população reclama da deficiência no atendimento, da qualidade dos serviços e aumento de tarifas. Blocos de municípios e de localidades mais rentáveis são os que interessam ao privado.
No Amapá, após a privatização, o Estado cogita criar uma empresa pública para atender as áreas quilombolas, rurais e periféricas, áreas que o “parceiro” privado não quer atender.
Em Alagoas, a Região Metropolitana de Maceió foi privatizada no primeiro bloco, a questão é que a região (13 cidades) era responsável por mais de 90% do resultado operacional da Casal, a companhia estadual que prestava os serviços no Estado.
Isso fez com que o subsídio cruzado, mecanismo em que as áreas mais rentáveis subsidiam as áreas deficitárias, fosse desmontado colocando em risco a modicidade tarifária e a acessibilidade econômica, um dos princípios dos Direitos Humanos à Água e ao Saneamento.
A privatização da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos) no Rio de Janeiro traz consigo uma série de denúncias de irregularidades e ações tramitam na Justiça.
Esse cenário ocorre quando o mundo revê os processos de privatização. Nos últimos 19 anos, pelo menos, 311 casos de remunicipalização dos serviços de água e esgotos ocorreram em 36 países, tanto do hemisfério Norte como do Sul.
Desses, 232 ocorreram em países como França, Estados Unidos, Espanha e Alemanha, dentre outros e cidades como, Atlanta e Indianápolis (Estados Unidos), Accra (Gana), Berlim (Alemanha), Buenos Aires (Argentina), Budapeste (Hungria), Kuala Lumpur (Malásia), La Paz (Bolívia), Maputo (Moçambique) e Paris (França).
Em um ano eleitoral precisamos dar centralidade aos temas das políticas públicas como saneamento, habitação e mobilidade. Um novo governo deve rever de forma profunda a atual legislação de saneamento, retomar os investimentos e reestruturar os espaços de participação e controle social.
O Ondas (Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento) lançou, em dezembro último, a campanha Sede Zero, que propõe medidas que garantam acesso pleno à água e ao esgotamento sanitário.
Por fim, é preciso incluir na Constituição Brasileira, em seu artigo 6º (Direitos Sociais), o acesso à água e ao esgotamento sanitário como direito humano fundamental, como já ocorre em alguns países, como Equador, Bolívia e Uruguai.
Com relação ainda às alterações constitucionais, está na Câmara dos Deputados, pronta para tramitar, a PEC 6/2021 (04/2018 no Senado), a PEC da Água Potável, que inclui no artigo 5º da Constituição Federal que “é garantido a todos o acesso à água potável em quantidade adequada para possibilitar meios de vida, bem-estar e desenvolvimento socioeconômico”.
É necessário que se intensifique as pressões para que a emenda seja votada e aprovada o quanto antes. Medidas como essas ajudam a pautar o tema da água e do saneamento com a centralidade que merece.
Nunca é demais lembrar que água e saneamento são direitos e não mercadorias.
Edson Aparecido da Silva é sociólogo, mestre em Planejamento e Gestão do Território pela UFABC (Universidade Federal do ABC), assessor de Saneamento da FNU (Federação Nacional dos Urbanitários) e secretário executivo do Ondas (Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento).