Putin alerta há mais de 20 anos que Otan fecha cerco contra Rússia
15 de março de 2022 - 01h30
O cerco e a resposta
Por James Onnig
Quando o termo geopolítica surgiu em 1899, nos trabalhos do geógrafo sueco Rudolf Kjellén (1864-1922), as tensões entre os Estados nacionais europeus eram cada vez maiores e desembocaram na Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Hoje, invocar a geopolítica, tanto na grande imprensa como nas redes sociais, é uma forma de exprimir a ideia de estratégia e assim usar o termo secular como resumo do jogo de poder.
Mesmo que isso não configure erro, muitas vezes a popularização do termo geopolítica pode reduzir questões complexas a um denominador exclusivamente militar ou de força.
A atual crise entre Rússia e Ucrânia enseja a oportunidade de uma recapitulação da evolução das tensões à luz da expansão da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), aliança militar criada em 1949 durante a Guerra Fria entre os países capitalistas, notadamente Estados Unidos. e Europa Ocidental.
Com a crise econômica e política que levou ao fim da União Soviética e à queda do socialismo no Leste Europeu, apostava-se que a Otan seria extinta, já que a aliança militar socialista, o Pacto de Varsóvia, criado em 1955, ruiu nesse contexto, em 1991.
As previsões estavam equivocadas. A Otan não só se manteve como expandiu sua área de influência de forma consistente, justamente com a adesão dos antigos satélites soviéticos da Europa Oriental e de algumas de suas ex-repúblicas.
A manutenção da Otan no pós-Guerra Fria não foi isenta de crises de vocação. Durante a unificação europeia nos anos de 1990, progressistas europeus questionavam a presença de forças militares estadunidenses no velho continente. Nem mesmo durante a “Guerra ao Terror”, desencadeada pelos Estados Unidos após os ataques do 11 de setembro de 2001, em Nova York, a aliança militar foi consenso.
Ironicamente, o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump (2017-2021), também fez críticas durante seu mandato. A assimetria dos gastos militares entre os membros da aliança irritava a Casa Branca, que exigia dos europeus maiores investimentos no setor estratégico-militar.
É na expansão da Otan que estão alguns dos antecedentes da atual crise russo-ucraniana. Em 1989/90, quando se inicia o processo de unificação das Alemanhas, o fragilizado líder soviético Mikhail Gorbatchev, arrancou um acordo de cavalheiros para deter o avanço da aliança militar capitalista, bem como a instalação de novas armas de alcance estratégico. Por não ter sido formalmente assinado, a promessa do presidente George Bush “senior” (1924-2018) e outros líderes ocidentais nunca foi cumprida.
Entre 1991 e 1999, justamente no período que a Rússia passava pelas agruras da transição do socialismo para um capitalismo selvagem durante o governo Boris Yeltsin (1931-2007), a Otan se reinventou por dentro. Especificamente durante a Cúpula de Bruxelas de 1994, que reuniu os chefes de Estado dos países-membros, foi quando a organização militar apresentou suas novas diretrizes criando o Programa de Parceria para a Paz.
Tratava-se de uma antessala para que os países da antiga esfera soviética ingressassem na Otan. Esses governos assinaram compromissos de fortalecimento das instituições tipicamente inspiradas na democracia liberal e no neoliberalismo econômico em troca de recursos e apoio na área de segurança.
A “Parceria para a Paz” seria uma garantia para que as transições do socialismo para o capitalismo não fossem marcadas por desestabilizações violentas. Era importante garantir que os alicerces da economia de mercado se estabelecessem em toda a Europa Oriental, mesmo que isso representasse um abrupto processo de exclusão social gerador de uma onda de milhões de imigrantes para os países mais ricos da Europa.
Essa ajuda do Ocidente para os países membros da parceria incluíam: capacitação para o controle democrático das Forças Armadas, transparência e garantia de interoperabilidade para os orçamentos militares, práticas de governança sustentáveis para o setor público e privado e, abertamente, um extenso programa de treinamento para o estabelecimento de uma “nova mentalidade” de lideranças militares e civis.
Dispensado dizer que essa última característica era totalmente estruturada em parâmetros ocidentais e liberais. Isso abriu as portas do Leste Europeu para toda sorte de think-tanks, institutos, organizações não governamentais oriundas dos países capitalistas que atuassem no Leste Europeu e nas ex-repúblicas soviéticas.
Em 1999, a Polônia e a República Tcheca ingressaram na Otan. Não à toa foram os primeiros a serem cogitados para a instalação de mísseis de longo alcance que, segundo o Kremlin, ameaçariam a segurança russa.
Até 2004 outros ex-países socialistas ingressaram na aliança também. Quando Vladimir Putin e seu grupo político chegaram ao poder central na Rússia efetivamente em 2000, o jogo já estava jogado.
Em 2001, no contexto da Guerra ao Terror, o presidente dos Estados Unidos, George Bush Jr. (2001-2009), comunicou que Washington se retiraria do Tratado sobre Mísseis Antibalísticos de 1972 e se dedicaria à construção de um arco de defesa contra ogivas que poderiam ser lançadas por países e grupos inimigos.
Desde então, por reiteradas vezes, Putin vem alertando que a Otan está colocando em marcha um temeroso cerco ao território russo e que isso é inadmissível. Nesse longo processo de colisão entre a Rússia e o Ocidente não faltam outros fatores determinantes. O fato é que para o maior país do mundo um cerco ou algo parecido é uma ameaça gravíssima e a resposta aí está.
James Onnig é professor de Geopolítica da Facamp (Faculdades de Campinas)