Apoie o holofote!
Busca Menu

HORA DO VOTO

Eleição deste ano será a mais arriscada da democracia; Bolsonaro é fator desestabilizador

Foto. Pablo Valadares/Agência Câmara de Notícias

13 de março de 2022 - 20h06

A novidade das federações partidárias

 

Por Marcello Simão Branco

Teremos em 2022 a eleição mais arriscada da atual democracia brasileira devido ao fato do incumbente, que disputa a reeleição, ser um autoritário perigoso e que tem ameaçado não reconhecer sua eventual derrota, ao desqualificar os concorrentes e desacreditar as urnas eletrônicas.

Se tais atitudes já nos colocam uma dúvida preocupante sobre a continuidade do processo democrático, por outro lado, do ponto de vista partidário, há uma novidade interessante que, desde os primeiros meses do ano, tem mobilizado intensamente o período: as federações.

A democracia brasileira contemporânea tem como uma de suas principais características o presidencialismo e um sistema multipartidário.

Esta combinação estaria na origem de problemas de governabilidade e incentivaria também a prática do clientelismo, já que o chefe do Executivo teria de negociar apoio aos seus projetos com muitos políticos e partidos.

Mesmo com a formação de coalizões para governar haveria dificuldades, já que seria preciso manter o apoio, principalmente se o arco de partidos não tiver como ponto principal uma mesma agenda de governo e afinidades ideológicas.

Toda esta dificuldade ocorre porque, num sistema eleitoral proporcional como o existente no Brasil, é quase impossível que o partido vencedor do pleito do poder Executivo (federal, estadual ou municipal) obtenha maioria dentro do Legislativo. Assim, ele tem de negociar com outras legendas para poder aprovar seus projetos e governar.

Em si, esta questão não é um problema, faz parte do jogo democrático, desde que não exista uma fragmentação excessiva da representação.

Mas este é o caso brasileiro. Se isto não significa, necessariamente, que não possa ser gerenciado por uma coalizão bem formulada – como dito acima, com um mesmo programa de governo, afinidade ideológica, além da distribuição proporcional de cargos entre os partidos – provoca, sim, um enfraquecimento da relevância deles junto ao eleitorado, muitas vezes confuso com tantas legendas e como elas interagem, muitas vezes sem levar em conta suas afinidades programáticas.

Para corrigir esta controvérsia, foi aprovada em 2017 a emenda constitucional n. 97 que veda o principal fator da fragmentação da representação.

Não o número de partidos em si, mas a maneira como eles se articulavam para disputar os cargos legislativos, a coligação. Isso porque, ao coligarem para disputarem as eleições para os cargos proporcionais, os partidos se juntavam como uma só agremiação.

Com isso, os partidos maiores obtinham mais tempo de exposição na propaganda eleitoral e os partidos pequenos se beneficiavam com o porcentual de votos obtidos pelos partidos maiores elegendo, assim, representantes, mesmo que com uma votação nominal inexpressiva.

Para enfrentar esta distorção, desde a eleição de 2020 as coligações foram abolidas, com a expectativa da diminuição do número de partidos com representação.

Contudo, se este resultado ainda não foi comprovado por meio de pesquisas, o que certamente provocará um caminho mais decisivo em direção à redução do número de partidos nas arenas parlamentares será o da cláusula de desempenho (ou de barreira).

Pois ela, de forma progressiva, dificultará e impedirá o acesso dos partidos aos recursos do fundo partidário e da propaganda eleitoral em rádio e TV.

De forma gradual, os partidos precisam obter de 1,5% em 2020 até 3,0% de votos em nível nacional em 2030, distribuídos em, pelo menos, um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 2% dos votos válidos em cada uma delas, ou tiverem elegido no mínimo 15 deputados federais e distribuídos em um terço dos estados.

Alguém pode perguntar por que os deputados federais e senadores aprovaram esta emenda, que impacta diretamente na vida deles próprios e seus partidos, especialmente naqueles menores que mais dependiam da coligação para eleger representantes.

O fato é que este problema não é novo e, desde a aprovação da Constituição de 1988 e o funcionamento dos governos posteriores, constataram-se as dificuldades de relacionamento entre presidente e os congressistas.

Havia uma demanda crescente de setores da opinião pública e da academia para que, ao menos, a coligação fosse proibida, já que era o principal fator de pulverização da representação partidária.

Assim, os partidos têm se mobilizado fortemente em torno do mecanismo da federação partidária. Uma forma criativa de driblar, legalmente, as dificuldades deles competirem sozinhos para eleger representantes.

Isso porque ao se federarem, os partidos atuarão como se fossem uma só legenda na arena eleitoral e parlamentar. Antes da eleição se coligam, mas têm de permanecer juntos durante a legislatura, inclusive com um mesmo programa, além de repetirem a aliança não só no plano federal, mas também nos estaduais e municipais, no qual deverão seguir uma mesma liderança, em cada arena parlamentar. A união, contudo, não significa uma fusão, pois poderá ser desfeita após o término da legislatura e, novas poderão ser formadas, visando a próxima.

Algumas federações já foram anunciadas, e o que é salutar é que elas seguem um forte padrão de aproximação ideológica, mesmo com todas as críticas de que a maioria dos partidos não seriam ideológicos, mas principalmente movidos por interesses fisiológicos.

Na verdade, os dois fatores coexistem, mas a formação de federações com partidos de esquerda e outros com partidos de centro e direita tem mostrado que, no limite, eles seguem um padrão de convergência de ideias.

Entretanto, a principal dificuldade para que elas se viabilizem é a questão das especificidades regionais. O Brasil é uma federação e cada estado-membro tem uma vida política própria: história, cultura, lideranças e partidos mais ou menos relevantes.

Como conciliar os interesses de tantas legendas, mesmo com afinidades ideológicas, em relação às suas clivagens de caráter estadual e municipal? É um verdadeiro quebra-cabeça, mas movido pela necessidade premente de sobrevivência da maioria dos partidos com representação modesta na Câmara dos Deputados.

Pois o risco de ficar abaixo da cláusula de desempenho é grande, o que os deixaria asfixiados sem os recursos generosos do fundo partidário e da presença nas campanhas eleitorais na TV e no rádio.

Com a formação provável das federações, será muito interessante observar como funcionarão na próxima legislatura. Pois, em tese, teríamos a redução do número nominal de partidos – com algumas agremiações e um e outro partido ‘solto’ –, permitindo uma maior previsibilidade na relação entre governo e oposição, além de uma sinalização mais clara ao eleitorado de quem defende o quê e como atende as demandas de setores da sociedade.

Talvez por esta via alguns dos partidos federados possam, eventualmente, se fundir, reduzindo, de fato, a quantidade, e mudando, assim, as características da própria democracia brasileira em termos representativos e institucionais.

Mas se o desafio ideológico está melhor encaminhado, resta a difícil questão de como irão ser conciliados os vários interesses regionais envolvidos, num país de vivências políticas tão particulares como o nosso.

 

Marcello Simão Branco é mestre e doutor em Ciência Política pela USP (Universidade de São Paulo), professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e autor de, entre outros livros, Compreensão da Realidade Brasileira, como organizador

 


Comentários

Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!

Deixe seu comentário

Outras matérias