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8 DE MARÇO

Mais de 10 mil mulheres foram presas por Israel desde invasão à Palestina de 1967

Foto: Icarabe

08 de março de 2022 - 22h32

As mulheres palestinas e sua histórica resistência

 

Por Soraya Misleh

Uma menina com necessidades especiais, de apenas 11 anos, foi atingida no rosto por uma bomba de efeito moral israelense em sua terra, Jerusalém. Uma jovem de apenas 15 anos foi brutalmente agredida pelas forças de ocupação sionistas durante protestos na mesma cidade palestina, contra a contínua Nakba (catástrofe que ocorreu com a autoproclamação do Estado racista de Israel, em 15 de maio de 1948, mediante limpeza étnica planejada).

Cerca de 40 meninas e mulheres seguem nos odiosos cárceres do colonizador, em que a tortura é regra. Nenhuma das imagens alcança os olhos do mundo, assim como é caluniada a resistência heroica contra o apartheid que tem na vanguarda essas meninas e mulheres.

Um legado das gerações anteriores que carregam com orgulho e que deve estar representado neste 8 de março através das bandeiras palestinas ao redor do mundo.

Neste Dia Internacional da Mulher, data em que ganha visibilidade a luta permanente contra a violência e discriminação de gênero em todo o globo, não pode faltar a solidariedade das mulheres da Palestina à Ucrânia neste momento. 

Basta lembrar, neste último caso, o abjeto áudio vazado do parlamentar brasileiro Arthur do Val, o “Mamãe Falei”, para quem cassação do mandato é pouco.

No caso palestino, urge exigir o fim do que esse povo vem denunciando como “padrão duplo”: a invisibilidade e desqualificação do apartheid que já dura 74 anos e agora é reconhecido até pela Anistia Internacional, ante a hipocrisia e racismo dos poderosos, que agora usam o sofrimento do povo ucraniano para posar de salvadores da humanidade e, assim, tirar vantagens às custas do sangue derramado.

A primeira batalha é contra a desinformação e as fake news. As palestinas e árabes em geral enfrentam uma visão orientalista, de um oriente atrasado, de bárbaros, mulheres exóticas e submissas em uma sociedade homogênea e violenta por natureza, ante um ocidente de civilizados e lógicos.

Contra essa concepção, construída para a dominação, a resistência das mulheres palestinas explicita ao mundo que elas não estão alheias às lutas anti-imperialistas, anticoloniais. Não são submissas por natureza, uma massa absolutamente uniforme escondida atrás de véus que lhes são impostos, como geralmente a mídia hegemônica de massas as apresenta, e parte do movimento feminista no “Ocidente” corrobora, ao fundar-se em estereótipos.

Sob o manto de que tais mulheres precisam ser salvas de sua sociedade e cultura natais, acaba por servir à dominação colonial.

Um feminismo liberal que não enxerga a relação entre exploração e opressão de gênero. Que enxerga necessariamente um símbolo da opressão no véu islâmico (que apenas muçulmanas usam – e nem todas). O problema não é seu uso, mas sua imposição.

Feminismo anticolonial

Contra tal caricatura, na Palestina e em toda a região, insurge-se o chamado “feminismo anticolonial”, que trava a luta contra a opressão machista e a colonização simultaneamente. Considera a emancipação de gênero inseparável da libertação da Palestina.

Critica e desconstrói as representações orientalistas, reducionistas e generalistas, e preenche o vácuo de um movimento que desvia o olhar para as relações de poder que são fundantes à opressão de gênero.

Parte da desconstrução proposta pelo feminismo anticolonial, que se coaduna com vertentes como os feminismos antirracista e islâmico, é resgatar o protagonismo das mulheres árabes e muçulmanas na História.

Linha de frente

Como aponta a feminista egípcia Nawal El Saadawi, em A face oculta de Eva – As mulheres do mundo árabe, foram elas as pioneiras nos protestos contra os primeiros assentamentos sionistas ao final do século 19, a serviço da colonização de terras e conquista do trabalho, que integravam o projeto sionista de limpeza étnica para constituição de um Estado exclusivamente judeu na Palestina (Israel).

Já em 1903, período que marca o começo da segunda onda de imigração sionista, criaram uma associação de mulheres e a esta outras se seguiram, ainda com fins assistenciais e  trazendo como uma das demandas fundamentais a educação de meninas.

Nos anos 1920, a colonização na Palestina, sob mandato britânico pós-Primeira Guerra Mundial (1914-1918), se acirra e sua atuação ganha outros contornos. Mulheres formaram vários comitês populares para articular protestos e demais ações de desobediência civil, bem como, para garantir auxílio a feridos em manifestações.

Em 1921, constituíram a primeira União de Mulheres Árabes-Palestinas, que organizou protestos contra o mandato britânico e a colonização sionista avalizada pela Declaração Balfour , em que a Inglaterra, em 2 de novembro de 1917, dá sinal verde à constituição de um lar nacional judeu em terras palestinas mediante a planejada limpeza étnica.

Das letras aos campos de batalha, as mulheres utilizam as armas de que dispõem. Há 73 anos, Nariman Khorsheed (1927-2014) fundou na cidade de Yafa, juntamente com sua irmã Moheeba, a primeira brigada feminina palestina, denominada Al Zahrat al-Uqhuwan (Flores de Crisântemo), para lutar contra a expulsão pelas forças paramilitares sionistas de suas terras.

Em 1948, surgiram outras brigadas femininas e inclusive um grupo misto, de 100 combatentes, liderado por Fatma Khaskiyyeh Abu Dayyeh.

Na revolução palestina de 1936-1939, contra o mandato britânico e a colonização sionista, cujas causas e análise da derrota estão explicitadas por Ghassan Kanafani em seu livro A revolta de 1936-1939 na Palestina (Editora Sundermann), ela esteve no comando do local de armazenagem das armas dos revolucionários.

Neste período, mulheres organizaram grandes marchas e comitês populares. Além de promoverem protestos, recolhiam fundos para assistência às famílias dos mortos e prisioneiros e auxiliavam no transporte de insumos básicos e armas. Nas aldeias, lutavam lado a lado com os homens para defender suas terras. Uma dessas heroínas é Fatma Ghazal, morta em combate no dia 26 de junho de 1936.

Já diante da consolidação do projeto sionista, em 1965, foi criada a União Geral das Mulheres Palestinas, vinculada à OLP (Organização para a Libertação da Palestina), em cuja reunião de fundação havia duas mulheres,  com participação decisiva.

Ao final dos anos 1960 e início dos 1970, diversas mulheres partiram para a ação direta, diante da omissão internacional à violação cotidiana de direitos humanos e a expansão israelense que, em 1967, resultou na ocupação por parte dessa potência bélica de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental, os 22% restantes da Palestina histórica após a Nakba.

Nas intifadas (levantes populares) de 1987-1993 e de 2000-2004, novamente as mulheres se colocaram na linha de frente, ao lado dos homens. Na primeira, para se ter uma ideia, um terço das baixas era da parcela feminina.

O número de mulheres detidas passou de centenas do início da década de 1970 para milhares nos anos 1980. Desde 1967, estima-se que 10 mil passaram pelas prisões políticas israelenses, e enfrentaram a tortura institucionalizada, com inclusive ameaças e violência sexual.

 São heroínas desconhecidas e em sua maioria invisibilizadas pela história, como ocorre em todo o mundo, em todos os processos de luta. Que sua resistência heroica sirva de guia e inspiração neste 8 de março. Contra os que nos oprimem e nos exploram, por uma Palestina livre do rio ao mar. Para que todas sejamos livres.

 

Soraya Misleh é jornalista e coordenadora da Frente Palestina


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