Azerbaijão e Turquia se valem da guerra na Ucrânia para neutralizar Armênia
15 de setembro de 2022 - 09h51
Vão tentar apagar a Armênia do mapa das nações livres outra vez?
Por James Onnig
Os ataques das forças azerbaijanas contra o território da Armênia no último 12 têm a marca da ditadura da família Aliyev. Heydar, o pai (1993-2003) foi sucedido pelo filho, Ilham Aliyev, que governa até hoje.
Por laços étnico-históricos o Azerbaijão recebe forte influência da Turquia. O governo de Baku, através de infindáveis acordos de cooperação e amizade, mantém o compromisso de estar alinhado com os anseios estratégicos de Ancara em escala regional e global.
Com a tensão mundial gerada pela Guerra Russo-Ucraniana iniciada em fevereiro, Azerbaijão e Turquia vêm se articulando para neutralizar a Armênia e isolar sua política externa.
As origens dessa armenofobia remontam ao final do século 19 quando começaram os movimentos emancipatórios armênios durante a decadência do Império Otomano. Sendo a maior minoria (Millet, povo em turco), de religião cristã, rapidamente os armênios passaram a ser estigmatizados como colaboradores do Império Russo, inimigo figadal do sultanato.
Em 1915, o governo parlamentar dos Jovens Turcos, colocou em prática um genocídio que ceifou a vida de um milhão e quinhentos mil armênios em poucos meses. Em 1918, sobreviventes do genocídio conseguem heroicamente declarar a independência da Armênia no que restou de torrão nacional no Cáucaso e que em 1921 foi incorporado a União Soviética, ainda em formação.
Na geoestratégia turco-azeri, a Armênia é o inimigo histórico que impede a integração total dos territórios da Turquia, Azerbaijão e Repúblicas da Ásia Central a leste do Mar Cáspio e que também têm a mesma origem étnica – cultural otomana. Na última década, tentando fincar pé em áreas de tradicional influência russa, Erdogan patrocinou o fortalecimento da Organização dos Estados Túrquicos formada por Turquia, Azerbaijão, Cazaquistão, Quirguistão e Uzbequistão. Simbolicamente entendo que para turcos e azerbaijanos a Armênia encarna a presença russa no caminho do que muitos chamam de neo-otomanismo.
Artsakh (Nagorno-Karabakh para os azeris) é um grande ponto nodal dessa crise. Em 1923, Stalin promoveu uma grande alteração do mapa do Cáucaso. Retirou Artsakh da Armênia Soviética e entregou para o Azerbaijão Soviético. Décadas depois, com a debacle da Era Gorbatchev (1985-1991), a população de Artsakh, 90 % armênia, iniciou sua luta no sentido de voltar a se integrar a República da Armênia.
Entre 1988 e 1994, uma guerra entre as partes levou a um cessar-fogo que propiciou aos armênios declararem a independência da não reconhecida República de Artsakh, jamais aceita pelo Azerbaijão.
Em setembro de 2020, um massivo ataque com apoio de drones israelenses e da inteligência turca levou o Azerbaijão a usurpar mais de 70% do território armênio de Artsakh.
Desde então tanto os governos Erdogan e Aliyev vêm se empoderando e zerando as possibilidades armênias de concertação com aliados ou interlocutores. Um exemplo é a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO, sigla em inglês). Mesmo prevendo a defesa mútua entre os membros, a Armênia não pode contar com apoio total da Rússia envolvida no conflito do leste ucraniano. Os quartéis russos na Armênia são acanhados para qualquer operação militar de monta e nos últimos tempos esse contingente tem servido para garantir a “paz” nas linhas de contato entre tropas armênias e azerbaijanas.
Putin e seus ministros, Sergei Lavrov, das Relações Exteriores, e Sergei Shoigu, da Defesa, não desejam e talvez não possam abrir mais uma frente militar de combate. Lembremos que não muito tempo atrás, a diplomacia russa fez malabarismos nos bastidores para o governo armênio não invocar a obrigatoriedade da defesa mútua durante a Guerra de 44 dias contra o Azerbaijão (setembro-novembro de 2020) e criar um constrangimento insuperável. Naquele período Moscou já mostrava predisposição a “lavar as mãos” e se dar o papel arbitral nas pendengas entre Baku e Yerevan.
A guerra na Ucrânia fraturou o que poderia ser uma alternativa para a solução do conflito: o Grupo de Minsk. Foi criado em 1992 pela Organização para Segurança e Cooperação na Europa buscando a solução pacífica do conflito em Artsakh (Nagorno-Karabakh). Formado por Rússia, Estados Unidos e França, foi um dos principais canais das reivindicações da população armênia. Não é preciso dizer que em nossos dias França e Estados Unidos dificultam ao máximo o contato com a Rússia depois da invasão do leste ucraniano. Sem exagero algum, o Grupo de Minsk está totalmente paralisado.
A União Europeia, que estava servindo de fórum para a busca de um acordo de paz duradouro entre Armênia e Azerbaijão, apadrinhando reuniões entre o primeiro-ministro armênio, Pashinyan, e o ditador Aliyev dias atrás, está vendo seu poder arbitral sendo ofuscado.
As sanções e boicotes ao gás natural da Rússia, fundamental para a Europa, abriram espaço para que o Azerbaijão ampliasse sua exportação das reservas de gás do Cáspio para o bloco europeu em 30% nos últimos oito meses. Pela centralidade do tema do abastecimento, é líquido e certo que nos bastidores a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, esteja dividindo suas preocupações com Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, para que não se criem embaraços para o governo azerbaijano em qualquer negociação em uma hora tão crucial.
A longeva amizade armênio-iraniana poderia ser um trunfo. O problema é que o Irã está passando por sérios problemas sociais e econômicos. Somente uma ameaça externa explícita a sua integridade territorial poderia levar o governo do Aiatolá Ali Khamenei a se envolver em uma ação militar concreta a favor da Armênia. Mesmo tendo rivalidades fronteiriças com o Azerbaijão, Teerã tem atuado diplomaticamente convocando as partes ao diálogo.
Quanto aos Estados Unidos a situação é ainda mais emaranhada. O governo Biden está tentando reposicionar o país nas relações internacionais pós Era Trump. Mesmo com rusgas com Erdogan, os Estados Unidos entendem a Turquia como um aliado membro da Otan. Mais que isso, Erdogan tem desempenhado papel importante na crise russo-ucraniana pendendo, sim, para o lado de Zelensky, obrigando Putin a manter um sorriso amarelo. Ancara é para o Ocidente uma ponte importante entre Washington e Kiev. Para os armênios, o problema é que essa ponte também passa em Baku.
James Onnig é professor de Geopolítica da Facamp (Faculdades de Campinas)