Monarquia inglesa é imperialista, não decorativa, enfatiza professor de Geopolítica
12 de setembro de 2022 - 10h42
A monarquia inglesa não é decorativa. Ela é imperialista
Por James Onnig
No começo de maio escrevi aqui no nosso Holofote sobre a permanência do Imperialismo e seus desdobramentos. Naquele artigo fiz uma referência aos domínios do Reino Unido no Atlântico Sul.
Respeitosamente, mas repleto de críticas, julgo que o passamento da Rainha Elizabeth II (1926-2022) é uma oportunidade de retomar o assunto para além das inutilidades ornamentais que abundam em parte da mídia brasileira.
Meios de comunicação de viés comercial até se esforçam para estabelecer relações entre o trono britânico e o imperialismo, nefasta e multissecular prática de dominação política, social e econômica.
Para irmos um pouco mais fundo, podemos lembrar da Commonwealth. A Comunidade Britânica das Nações foi gestada no século 19 para manter os vínculos entre a Coroa Britânica e suas colônias e futuras ex-colônias.
Criada oficialmente em 1926, congrega mais de 50 países que juntos mantêm relações de amizade em torno de temas importantes que vão do livre comércio até pautas ambientais e a busca, mesmo que protocolar, da paz mundial. Desde o dia 8 de setembro o líder é Charles III, sucessor de sua mãe. A Commonwealth tem inclusive jogos esportivos próprios disputados no intervalo entre duas olímpiadas.
O Reino Unido é uma longeva Monarquia Parlamentarista. A Câmara dos Comuns, com seus membros eleitos por sufrágio universal, concentra a maior parte das vias decisórias legislativas conjuminada com a atuação de um gabinete comandado por primeira-ministra/ministro. Essa arquitetura de poderes permitiu que se popularizasse a ideia superficial de que a monarquia não tem poder algum e os monarcas só representam a tradição.
A frase – “O Sol nunca se põe no Império Britânico” – é ilustrativa da força e da amplitude dos domínios coloniais em escala mundial. Isso só foi possível graças a exploração de outras terras e povos subordinados por meio de guerras e invasões aos anseios econômicos de Londres. Foi assim na Índia, boa parte da África e em tantos outros territórios em todos os continentes.
Ocorre que as práticas imperialistas britânicas têm a mão da aristocracia do país e consequentemente da Coroa. Parte dessa camada privilegiada da sociedade compõe a Câmara dos Lordes, formada por aristocratas e religiosos proeminentes indicados pela família real, portanto não eleitos. Esse órgão tinha muito poder até o começo do século 20.
Depois da Primeira Guerra Mundial, mudanças para dar força a democracia liberal iniciadas em 1911 com Parliament Act, concentraram a maior parte do poder na Câmara dos Comuns que tem, como já dissemos, seus membros eleitos.
É aí que as coisas começam a ficar claras. Durante o século 19 e começo do século 20, a Câmara dos Lordes, dominada pela aristocracia (hoje rei ou rainha podem indicar não aristocratas) era ainda o espaço político onde a monarquia escolhia quadros ou aceitava indicações de lideranças para execução de suas políticas imperialistas, desde a governança de territórios ultramarinos até arbitragem de fronteiras em acordos plurinacionais. Vamos conhecer alguns personagens que provam que os monarcas britânicos tem poder e muito.
Comecemos por George Nathanael Curzon, Marquês de Kedleston (1859-1925). Cresceu no meio da nobreza e depois de concluir seus estudos em Oxford, reduto educacional da elite, serviu como diplomata diretamente ligado ao Palácio de Buckingham no governo-geral da Índia e no Ministério das Relações Exteriores. Foi arbitro e negociador da crise fronteiriça entre Polônia e Rússia Soviética em 1919, sendo que a linha cartográfica demarcatória recebeu seu sobrenome. Sua atuação foi decisiva naquele período para conter o avanço socialista.
Um outro destacado e leal súdito foi Visconde Cyril de Radcliffe (1899-1977). Sua família sempre gravitou em torno da monarquia. Seu avô materno foi presidente da poderosa Sociedade Advocatícia da Inglaterra e de Galês; grupo responsável por assessorar parlamentares para redação, edição e aplicação de leis e normas e que tinha forte influência da família real. Radcliffe foi o responsável pela arbitragem da fronteira entre a Índia e o Paquistão em 1947. A linha demarcatória recebeu seu sobrenome.
Talvez o mais conhecido dentre esses árbitros e negociadores britânicos tenha sido o Barão Mark Sykes (1879 – 1919). Membro da baixa nobreza, vindo de uma família detentora de muitas terras, Sykes era um aliado de confiança do Conde Balfour, primeiro-ministro britânico entre 1902 e 1905 e responsável por dar voz as aspirações sionistas para formação de um lar nacional judeu na Palestina.
Sykes, formou-se em Cambridge e logo ingressou nas forças armadas. Se tornou um especialista em Oriente Médio e foi alçado à condição de conselheiro do governo para o tema. Pelo seu conhecimento foi especialmente escolhido para celebrar um acordo, até então secreto, com os franceses em 1916. Junto com o francês François Picot (1870 – 1951) desenharam um mapa com áreas de influência francesa e inglesa para uma eventual divisão do Império Otomano, fato que realmente ocorreu, anos depois.
A Monarquia Britânica só aparenta ser decorativa. Na verdade, durante a fase imperialista ela escolhia a dedo seus agentes e representantes com um pesado jogo de interesses, bastidores e pressões que atendiam suas aspirações de poder. Cada um desses lordes, condes, viscondes e barões são personagens que criaram linhas e divisas que ajudaram o Reino Unido a se transformar em uma nação rica em detrimento de lugares do mundo que até hoje permanecem muito pobres. Essa é a mão de Buckingham.
James Onnig é professor de Geopolítica da Facamp (Faculdades de Campinas)