Cúpula entre Estados Unidos, Israel, Índia e Emirados Árabes Unidos pode apontar cenários de minilateralismo
20 de agosto de 2022 - 17h05
Novo minilateralismo? Vem aí o I2 U2 – Israel, Índia, United States, United Arab Emirates
Por James Onnig
No começo do século 21 a globalização neoliberal seguia avançando com suas crises. Os múltiplos e variados arranjos diplomáticos, econômicos e comerciais buscavam se fortalecer na lógica dos conflitos inerentes ao avanço monopolista.
Em 2009, o International Institute for Strategic Studies de Londres (IISS), sexagenário think tank britânico, retomou o tema do minilateralismo em algumas de suas publicações. John Chipman, até hoje diretor da organização, apontava que alianças variáveis, muitas vezes transregionais, formadas por um número restrito de países e focada em pautas muito afins entre os membros, seriam a nova tendência.
Muitos têm afirmado que essa seria a melhor estratégia para os Estados Unidos na atual conjuntura de rivalidades com a China. Outros advogam que essas aproximações são exclusivamente de cunho econômico.
A guerra russo-ucraniana, a pandemia de coronavírus (2020-2022) e até mesmo a retirada estadunidense do Afeganistão (agosto de 2021) colaboraram, direta ou indiretamente para um “ressurgimento” desses arranjos.
Efetivamente as novas redes e fluxos de petróleo e gás natural oriundas das sanções contra a Rússia, vêm redesenhando os interesses da comunidade internacional e dia a dia elaboram novos mapas geopolíticos repletos de alternativas e restrições.
Alguns exemplos de minilateralismo estão surgindo e ressurgindo nos nossos tempos. O Diálogo de Segurança Quadrilateral entre Estados Unidos, Índia, Japão, Austrália e conhecido como Quad, criado em 2007, vem sendo rearticulado desde o anúncio de formação da Aukus em 2021, pacto de segurança tripartite formado pelos Estados Unidos, Reino Unido e Austrália. Ambos estão, sim, inseridos no contexto de contenção da China.
Muito provavelmente é essa dinâmica de confrontação com Pequim que faz os Estados Unidos rever a intensidade de seus elos com a Índia. No fim dos anos de 1990 a Doutrina Gurjal, referência ao longevo político indiano e ex-ministro das Relações Exteriores Kumar Gurjal (1919-2012), marcada por princípios de solução pacífica dos conflitos e respeito entre os vizinhos asiáticos foi a tônica da política externa indiana. Washington reconheceu que a Índia construiu novas relações regionais, até mesmo com Rússia e Irã, porém, a liderança nacionalista de forte cunho liberal do primeiro-ministro Narendra Modi encorajou o Departamento de Estado dos Estados Unidos a se aproximar mais do grande parceiro asiático e seu novo ativismo regional.
Em 1992, durante o governo do primeiro-ministro Narasimha Rao, Nova Delhi reconheceu o Estado de Israel depois de décadas de neutralidade impostas pelo não-alinhamento anticolonialista da Era Jawaharlal Nehru (1950-1964). O crescimento exponencial das trocas comerciais foi impressionante. Pode-se destacar que Israel passou a fornecer sofisticados equipamentos militares para Índia além de parcerias no setor agroexportador indiano.
A preocupante dependência indiana de petróleo importado também ajuda a entender a aproximação com os países do Golfo Pérsico. A federação dos Emirados Árabes Unidos não só é um dos muitos fornecedores de hidrocarbonetos como também está umbilicalmente ligada a Índia pela presença massiva de indianas e indianos no setor de serviços e construção civil dos Emirados. Acordos recentes estão facilitando trocas comercias e remessas financeiras entre as duas partes e os aeroportos dos Emirados, importantes entrepostos para se chegar a Índia, ganham cada vez mais dinamismo com essa rota.
Um dos lances principais desse jogo aconteceu ainda durante a Era Trump (2017-2021). Ao romper o Acordo Nuclear com Irã, o governo dos Estados Unidos emitiu um forte sinal para os Emirados Árabes Unidos e seu principal aliado a Arabia Saudita, de que continuava ao lado das monarquias sunitas e em forte oposição a república xiita. Nos bastidores foi possível criar uma sinergia entre os Emirados e Israel, afinal Teerã era um inimigo comum. Foi assim que em agosto de 2020 foram assinados os Acordos de Abraão entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, uma referência ao patriarca bíblico do monoteísmo (judaísmo, cristianismo, islamismo). Índia e Israel que já estavam coladas na geoeconomia enxergam a possibilidade de se ligar desde então também aos Emirados Árabes Unidos.
Foi nesse contexto que o presidente dos Estados Unidos Joe Biden esteve na Primeira Cúpula do I2 U2 realizada de forma virtual no último mês de julho. Os Estados Unidos teriam o papel de elo maior entre os três países que vem se aproximando muito rapidamente no campo comercial. Certamente não são interesses geopolíticos comuns a todos os membros que serão os garantidores do possível sucesso do acordo. Podemos inclusive inferir que qualquer tentativa de Washington em manobrar essa aliança no sentido de seus interesses na região gerariam profundo desconforto.
A agenda preliminar inaugura uma agenda nem tão original nas Relações Internacionais e no campo diplomático que mesmo assim é muito importante. O foco é o intercâmbio e apoio mútuo nas áreas de energia, saúde, telecomunicações, preservação de recursos naturais com foco na água e produção de alimentos. Esforços já vêm sendo feitos para criar um “corredor especial de produção alimentar” na Índia para o combate da fome mundial.
A aposta de Washington nesses novos desenhos e aproximações transregionais é que mais países se interessem e busquem se aglutinar para fortalecer os alicerces capitalistas sob seu controle nos diversos quadrantes do globo.
James Onnig é professor de Geopolítica da Facamp (Faculdades de Campinas)