Desmantelamento da Funai ocorreu no primeiro dia do governo Bolsonaro, afirma ex-presidente do órgão
14 de junho de 2022 - 21h13
Por Lúcia Rodrigues
O desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips está diretamente ligado à política de destruição dos órgãos de proteção aos indígenas e à Amazônia praticada pelo governo Bolsonaro.
Segundo Márcio Meira, ex-presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio) durante cinco anos, quatro deles no segundo mandato do presidente Lula e um no da presidente Dilma, Bolsonaro desmantelou o órgão no primeiro dia de governo.
“O desmantelamento da Funai pelo governo Bolsonaro começou no primeiro minuto de governo. Baixou a MP (Medida Provisória) 870, que esquartejou a Funai. A parte mais importante, a que cuida da demarcação das terras indígenas foi transferida para o Ministério da Agricultura e Pecuária”, enfatiza.
Ele conta que quem passou a comandar a Funai desde então foram os setores mais atrasados do agronegócio e missionários evangélicos.
Mas como a estratégia para acabar com o órgão falhou, porque meses depois o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou a inconstitucionalidade da Medida Provisória, Bolsonaro alterou a tática.
“A desestruturação passou a ser por asfixia. Asfixia financeira e orçamentária somadas a um processo de corrosão interna, que impede o trabalho dos funcionários comprometidos com a causa indígena. Isso resultou em uma Funai que trabalha contra os interesses dos indígenas”, adverte.
Ainda de acordo com ele, nunca houve tanta perseguição aos indígenas e a seus aliados, como durante o governo de Jair Bolsonaro.
“Esse desmantelamento da Funai colaborou para o sumiço do indigenista e do jornalista do The Guardian. E esse não é um fenômeno isolado, outros casos aconteceram. Houve o assassinato de um (outro) indigenista (Maxciel Pereira dos Santos executado com dois tiros na nuca em 2019) que trabalhava em parceria com a Funai. E indígenas também são perseguidos”, alerta.
E acrescenta: “A negligência e omissão pelo governo é programática, estava no programa de governo anunciado em 2018”.
Meira também critica a postura da Funai de culpar Bruno e Dom pelo que lhes aconteceu. “A Funai ainda jogou a responsabilidade sobre os dois.”
Ele revela o que está por trás dessa postura do governo. “É para destruir a política indigenista e ambiental e afrontar a Constituição de 1988. A legislação brasileira é muito boa, mas vem sendo dilapidada e corrompida nestes três anos e meio.”
Para reverter o desmonte do órgão, Meira considera que o futuro presidente da República terá muito trabalho. “Vai ser uma imensa tarefa para o próximo governo. Funai, Ibama, ICMBio, e mesmo a Polícia Federal e outras instituições precisam ser reconstruídos.”
E destaca que ações articuladas entre diversos órgãos de Estado são decisivas para mudar a lógica imposta pelo bolsonarismo.
“Na época em que fui presidente da Funai, de 2007 a 2012, nós fazíamos ações combinadas e articuladas. Desenvolvíamos ações com a PF e PRF, com o uso da Força Nacional de segurança pública e em aliança com o Ministério do Meio Ambiente, por meio do Ibama e ICMBio.”
“Durante os cinco anos em que estive na Funai, várias ações foram feitas articuladas em uma ação de Estado de combate ao desmatamento da Amazônia e combate aos ilícitos de forças do crime dentro do território indígena e unidades de conservação.”
Ele explica que a regularidade das operações conjuntas também coibia o desmatamento na área. “Foi exatamente o período em que o desmatamento da Amazônia foi reduzido. Ao contrário de hoje, em que o próprio presidente da República defende (criminosos) e passa uma senha de impunidade.”