Quase cinco anos após aprovação, reforma trabalhista deixa 40% dos trabalhadores sem nenhuma proteção
31 de maio de 2022 - 08h43
Os cinco anos da reforma trabalhista
Por Luís Ribeiro
Quase cinco anos após entrar em vigor, em novembro de 2017, a reforma trabalhista proposta e implementada pelo governo Temer segue fazendo estragos na economia e na vida dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros.
Vendida para a sociedade como a modernização necessária para o desenvolvimento do país, sem a qual estaríamos condenados ao atraso, a análise dos dados da economia e das relações de trabalho mostra uma realidade muito diferente.
A economia brasileira não melhorou muito desde a saída da crise de 2014-2016. Ao contrário, é possível dizer que a reforma, somada a outros fatores – como o abandono de políticas ativas de estímulo ao crescimento e desenvolvimento econômico -, contribuiu para a manutenção do quadro de penúria da economia brasileira.
O país só não entrou em debacle completa porque partidos, sindicatos e movimentos sociais se mobilizaram pelo resgate da economia, como observado em 2020 no combate à pandemia da covid-19.
De fato, dados sobre o PIB, desemprego e concentração de renda revelam que, desde o golpe de 2016, vamos por um mau caminho. Abandonamos um projeto de crescimento com justiça social, que foi o centro do debate político nas duas primeiras décadas do século 21, por outro que levou à estagnação econômica e ao aumento da desigualdade social.
A reforma trabalhista de 2017 foi um dos pontos-chave dessa inflexão, impactando profundamente a forma como estava estruturado o sistema de relações de trabalho no Brasil.
A reforma modificou elementos importantes da contratação individual e coletiva brasileira, criando novas modalidades de contratação “flexível”, como o contrato intermitente, e ampliando as já existentes, como o trabalho em tempo parcial e a terceirização.
Além disso, retirou do âmbito da abrangência da negociação coletiva um conjunto significativo de trabalhadores, por exemplo, através do incentivo à contratação de autônomos ou da criação da figura jurídica dos trabalhadores hipersuficientes.
Tudo a pretexto de ampliar a formalização do trabalho no Brasil. No entanto, não há provas de que essas medidas tenham aumentado o emprego formal, mas, sim, de que o emprego sem proteção segue em patamar elevado, algo próximo a 40%, segundo dados da PNAD; sem falar nas altas taxas de desocupação.
No que se refere às negociações coletivas, a reforma permitiu negociar “para menos” diversos direitos assegurados em lei, por meio do instituto da prevalência do negociado sobre o legislado.
Trata-se de uma medida que “tira o chão” de diversas categorias profissionais, em especial daquelas com maiores dificuldades de organização e mobilização, como as que se caracterizam por grande dispersão de trabalhadores ou que contam com elevado grau de rotatividade; além daquelas com presença expressiva de contratos “flexíveis”.
Os sindicatos também foram profundamente afetados pela reforma, que retirou a obrigatoriedade da contribuição sindical, dificultando o seu financiamento.
Não se quer afirmar aqui que sua manutenção fosse consenso no movimento sindical, já que muitas entidades defendiam o seu fim.
O problema é a ausência de mecanismos alternativos de financiamento que considerem o fato de que os acordos e convenções assinados pelas entidades sindicais valem – e bom que seja assim – para todos os seus representados, sindicalizados (contribuintes, portanto) ou não.
Todas essas medidas tinham como propósito declarado incentivar o emprego e a economia e, como pano de fundo, a defesa da livre negociação. Através da negociação – individual ou coletiva – alcançaríamos as melhores condições para o nosso desenvolvimento.
Porém, em um contexto em que as partes possuem poder desigual – o que foi agudizado pela reforma trabalhista, diga-se de passagem – a negociação não será livre, tampouco negociação. Parecerá mais com imposição.
Dados analisados pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) sobre o registro de acordos e convenções coletivas de trabalho no Mediador (base de dados do Ministério do Trabalho e Previdência) mostram que a negociação coletiva sofreu forte impacto da reforma trabalhista.
Em 2018, primeiro ano da vigência da nova lei, o número de registros de instrumentos coletivos (acordos e convenções coletivas) foi próximo de 12% inferior ao observado em 2017. E no ano de 2019, aproximadamente 19% inferior a 2017.
A queda se deu em todos os setores econômicos pesquisados (indústria, comércio, serviços e rural), assim como em todas as regiões geográficas brasileiras. No nível das cidades, cerca de 55% apresentaram redução no número de instrumentos coletivos em 2018, e 65% em 2019, sempre em relação ao observado em 2017.
Esse cálculo considerou apenas os instrumentos coletivos de abrangência municipal e intermunicipal. Porém, os instrumentos coletivos de abrangência nacional e estadual também registraram quedas significativas no período. Isso mostra que não é possível aventar a hipótese de substituição dos acordos e convenções municipais e intermunicipais por outros de abrangência maior.
Por fim, notou-se que mais da metade (55%) dos sindicatos que registraram instrumentos coletivos no biênio 2016-2017 (pré-reforma) reduziu o número de registros de instrumentos no Mediador no biênio 2018-2019 (pós-reforma) ou simplesmente não negociou mais novos instrumentos coletivos nesse biênio.
Quanto ao conteúdo dos instrumentos coletivos, infelizmente o espaço deste artigo não permite a sua análise. No entanto, sugerimos a leitura de estudo produzido por pesquisadores do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, da Unicamp), com o apoio do Dieese, a respeito das modificações introduzidas em diversas cláusulas dos instrumentos coletivos pós-reforma.
Em resumo, os dados revelam que a reforma impactou negativamente a realização de acordos e convenções coletivas de trabalho no Brasil e indicam que mais trabalhadores e trabalhadoras encontram-se descobertos das garantias contratuais negociadas por sindicatos.
Ou seja, que mais trabalhadores e trabalhadoras estão sujeitos ao arbítrio das empresas sem o anteparo dos sindicatos.
Esperamos que os dados contribuam para o debate sobre os efeitos da reforma trabalhista brasileira. Nossa tese é a de que não é possível criar um país justo e desenvolvido sem a efetiva democratização das relações do trabalho. Para tanto, é preciso rever as medidas que enfraquecem a ação sindical dos trabalhadores e as que reduzem os seus direitos.
Luís Ribeiro é cientista social formado pela FFLCH-USP (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo) e técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) responsável pelos Sistemas de Acompanhamento de Informações Sindicais (Sais-Dieese).