Suécia nunca foi neutra: na Segunda Guerra liberou território para passagem das tropas nazistas
24 de maio de 2022 - 12h51
Neutro é meu shampoo. A Suécia nunca foi
Por James Onnig
A palavra neutralidade, sua significância e uso recorrente em temas políticos esconde posições tendenciosas. Um exemplo é a tão falada neutralidade sueca.
Mesmo não sendo doutrina constitucional, essa posição vem sendo decantada em prosa e verso pelos meios de comunicação em função da intenção de Estocolmo em ingressar na Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
A dita neutralidade dos compêndios mostra que no fim da Era Napoleônica tropas suecas reprimiram o movimento de independência da Noruega em 1814 e desde então o país não se envolve em conflitos adotando uma postura digamos não-beligerante.
A verdade é que a Suécia sempre teve lado. A palavra “Geopolítica” por exemplo, foi cunhada pelo intelectual sueco Rudolf Kjellen (1864-1922), um dos representantes do pensamento germanófilo no fim do século 19.
Não menos instigante foi a posição do país na Segunda Guerra (1939-1945). Quando tropas soviéticas invadiram a Finlândia, a Suécia não-beligerante incentivou extraoficialmente a formação de batalhões voluntários para lutar contra o Exército Vermelho. Em seguida a Suécia adotou a neutralidade alegando pressões de Hitler no início de 1940.
Da mesma forma que centenas de suecas e suecos salvaram vidas apoiando a resistência antinazista, a parcela nazifascista da sociedade sueca pressionava para o lado oposto. Um exemplo foi quando o governo sueco reconheceu o governo colaboracionista da Noruega formado por aliados de Hitler.
Essa tal neutralidade não para em pé. Estocolmo liberou o território para passagem de tropas e equipamentos nazistas para frente de combate no Báltico em 1941.
É curioso também lembrar que o minério de ferro sueco, uma das fontes de riqueza que deu suporte ao Estado de bem-estar social, foi comercializado quase integralmente com o governo nazista durante o conflito, sendo usado para a produção da gigantesca máquina de guerra hitlerista.
Depois de 1945, o governo sueco chancelou e propagou as versões da neutralidade no imaginário popular e até mesmo da comunidade internacional. Foi assim que a imagem geopolítica da Suécia entra na segunda metade do século 20.
Já durante a Guerra Fria a ideia de não beligerância ou neutralidade naufraga pelo menos de um lado. O país recebeu algo em torno de US$ 4 a US$ 5 bilhões (corrigidos para nossos dias) do Plano Marshall, voltado para reorganizar a vida econômica da Europa com recursos cedidos pelos Estados Unidos.
Para administrar o dinheiro enviado por Washington surgiu a O.C.E.E. (Organização de Cooperação Econômica Europeia) em 1948. Foi essa organização que deu origem a O.C.D.E. (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em 1961, “clube” de países desenvolvidos que discutem entre si formas de manter a democracia liberal e a economia de mercado. A Suécia é uma das signatárias desses acordos. Onde está mesmo a neutralidade?
As reservas criadas com a venda de minério aos nazistas e a ajuda do Plano Marshall permitiram aos governos suecos iniciar um programa de reformas sociais que fortaleceram o Estado de bem-estar social nos anos de 1950 atraindo admiração internacional pelo que hoje são os altos índices de desenvolvimento humano.
A imagem de neutralidade sueca ganhou impulso também com a participação de suas tropas no Neutral Nations Supervisory Commission, contingente que monitorou a fronteira entre as Coreias depois do armistício de 1953. (participaram também tropas suíças, tchecoslovacas e polonesas)
Os primeiros-ministros Tage Erlander (1946-1969) e Olof Palme (1969-1976 e 1982-1986), ambos sociais-democratas, reforçaram essa imagem progressista do país. Palme inclusive contestou a bipolaridade emprestando apoio a Cuba e ao movimento contra a Guerra do Vietnã cuja escalada de violência durou de1955 até 1975.
Uma curiosidade que reforça esse senso comum sobre a Suécia é o Prêmio Nobel. Concedido pela fundação do mesmo nome e organizado pelo prestigioso Instituto Karolinska de Estocolmo, é conhecido mundialmente como uma iniciativa sueca.
A visão crítica sobre essa suposta neutralidade não se encerra no passado. Desde 1994, quando a Otan expandiu sua atuação para parcerias, lá estava a Suécia. Além disso, desde 2009, surgiu a Nordic Defence Cooperation (NORDEFCO) promovendo a sinergia entre as forças militares da Suécia, Islândia, Noruega, Finlândia e Dinamarca e incrementando laços com a Otan.
A partir de 2001, militares suecos estiveram envolvidos em operações mundo afora. Mais de mil deles estiveram no Afeganistão apoiando as forças dos Estados Unidos. Infelizmente tiveram baixas na província de Mazar Al Sharif onde estavam concentrados.
Ainda no campo das lembranças, a atuação sueca se repetiu em maior ou menor escala também no Kosovo e no Iraque.
Ouso palpitar que além da guerra russo-ucraniana existem outros motivos não tão diretos para a adesão da Suécia a Otan.
Teremos em breve um embate pelo domínio do Mar Ártico envolvendo suecos, russos, estadunidenses, canadenses e outros.
A diminuição da capa de gelo ampliou a possibilidade (usando navios quebra-gelo) de navegação e exploração de recursos energéticos no gelado norte.
Vem por aí uma disputa cada vez maior pelo domínio dessa que é a rota mais curta e econômica para boa parte do comércio mundial.
Se temem a Rússia de Putin, espero que não esqueçam que na Base de Gadzhievo em Murmansk, em plena região ártica, estão estacionados os submarinos nucleares russos e seu alto poder de ataque.
James Onnig é professor de Geopolítica da Facamp (Faculdades de Campinas)