Bolsonaro faz do Brasil terra arrasada e condena país à exportação de produtos primários
09 de maio de 2022 - 08h21
Reformas “bulldozer”: terra devastada
As reformas deixarão o Brasil sem nada no final
Por Rubens R. Sawaya
“Não discuto ideologias. … Mas, se é para a Democracia e a Economia Liberal que desejamos caminhar, então urge mudar o rumo e … fazer voltar à Economia Privada as empresas industriais em mãos do Governo … [Assim,] Uma vez reestabelecida entre nós a ordem constitucional em sua integridade, termos excelentes possibilidades de atrair o capital estrangeiro … para colaborar proveitosamente na expansão e progresso de nosso parque industrial” (Gudin, em “A controvérsia do planejamento na economia brasileira”, 1978 [1945], p. 81-83, Ipea).
Bulldozer é o nome de um enorme trator de esteira usado para limpar um terreno. Deixa a terra nua, retira tudo que nela havia. É usado também para derrubar florestas.
A privatização, a destruição da capacidade de ação do Estado e as reformas neoliberais atuam como um bulldozer limpando o terreno com o sonho de que alguém, o capital estrangeiro, se interesse em fazer algo na terra devastada.
O texto em epígrafe é repetido hoje como um mantra pelos economistas neoliberais brasileiros, inclusive pelo atual ministro da economia. Vendido como um discurso “moderno”, o texto de Gudin era carregado de referências a Von Mises (“Onipotent Government” 1944) e Hayek (“Caminhos da Servidão” de 1941), pais ideológicos do neoliberalismo atual.
No Brasil, o neoliberalismo ganhou o espaço político na década de 1990 com a privatização de “quase tudo” (exceto a Petrobrás e a Eletrobrás na época) e, após o golpe de 2016, voltou com toda a força nos governos Temer e Bolsonaro quando foi aplicado de forma radical e sistemática tendo como referência o programa “Uma ponte para o Futuro” que reabilitou o bulldozer.
Seu pacote de reformas institucionais teve por objetivo destruir todo o aparato desenvolvimentista e social, as políticas sociais e de proteção ecológica.
É já redundante lembrar que a “ponte para o futuro” provocou o desastre econômico atual, a pior crise da história, iniciada por Levy em 2015, o interventor do “mercado” no Estado.
As reformas trabalhista, previdenciária, o desmonte completo do Estado, a privatização “institucional” da Petrobras, provocaram o maior desmonte institucional da história, a crise inflacionária, o desemprego em massa e o empobrecimento da população.
O mais impressionante é a insistência no programa em meio a destruição da estrutura produtiva brasileira dada a fuga ou diminuição das atividades de grandes indústrias estrangeiras no Brasil como Ford, Mercedes, Audi, Toyota e a mais nova Chery, dentre outras em outros setores.
Investimentos que deixaram de ser feitos. De “produtores de carroças” – como pejorativamente se referiam ao parque automobilístico que produzia carros 100% no Brasil na década 1990 – estamos caminhando para a produção de cavalos, ou melhor, de bois.
Como Gudin defendia na década de 1940, os neoliberais no Brasil julgam que se deveria priorizar os setores agrícolas no qual temos vantagem comparativa, imaginando que o processo de industrialização ocorreria naturalmente como decorrência.
Ainda bem que na época de Gudin, quem ganhou o debate foi Roberto Simosen, representante da indústria.
Então, nada foi privatizado à época como propunha, ao contrário, o planejamento estratégico de Estado (Plano de Metas), o investimento público, atraiu enormes volumes de investimento direto estrangeiro resultando na industrialização.
Com isso, o Brasil se tornou, nas palavras do Banco Mundial, “new industrialized country”, referência ao seu sucesso, criticado pelo neoliberalismo dos anos 1990 que agora retornou com força.
A guerra na Ucrânia expõe o mundo real que nada tem de “livre mercado”. As grandes corporações transnacionais e seus Estados-nacionais mostram seus dentes na disputa pelo controle de mercados e matérias-primas, segundo suas estratégias.
Demonstra o quão longe a realidade está de qualquer lógica neoliberal, principalmente em suas estratégias de distribuição de investimentos produtivos no mundo.
O crescimento vertiginoso da China, em parte com capital transnacional, também contribui para mostrar o quanto é importante o planejamento e a estratégia para a atração do investimento estrangeiro de grandes corporações transnacionais, sob comando dos interesses nacionais, assim como foi o planejamento no Brasil que as atraiu nos anos 1950 e 1970.
Ao aplainar o terreno, destruir o Estado e sua capacidade de ação ao destruir as instituições, o resultado é apenas terra devastada (inclusive as florestas).
Após as reformas chamadas de “modernizantes” tão velhas que já eram defendidas nos anos 1940, as grandes corporações transnacionais vêm abandonado a produção no país e reduzindo suas atividades.
Se subordinar aos desígnios das grandes corporações transnacionais à espera de sua “boa vontade” está, ao contrário, destruindo a estrutura produtiva do país.
As grandes corporações definem sua localização – onde colocarão parte de sua cadeia de valor – segundo suas estratégias e não nossos interesses de desenvolvimento.
Entregar, ao sabor do capital estrangeiro, setores estratégicos como petróleo e energia elétrica está custando caro, em dólares, aos brasileiros, sem atração de qualquer investimento, simplesmente porque não interessa a esse capital fazê-lo.
Acreditar em “fomento à competição” ao vender as refinarias às poucas grandes corporações petrolíferas globais, apenas nos coloca à mercê de seus interesses.
Não existe competição em setores estratégicos como energia e petróleo que são controlados pelo poder de Estado e a guerra.
No final, como vem de fato ocorrendo, o Brasil fica sem nada. Integra a cadeia global exportando soja e minérios, produtos de baixo valor agregado e de baixa elasticidade-renda.
Sabemos desde os anos 1940 que dessa forma é impossível um país de 220 milhões de habitantes sobreviver. Nem mesmo a população tem renda para comprar o alimento que produz.
Sem estratégia, o Brasil foi deixado de fora das partes nobres das cadeias globais de valor, aquelas que criam elevado valor agregado e empregos.
Esse é o resultado de nossa total subordinação à dinâmica aos interesses internacionais. Ou mudamos a estratégia bulldozer, ou ficaremos apenas mesmo sem nada, terra devastada esperando que o “mercado”, um grande “outro” imaginário nos salve do desastre.
Rubens R. Sawaya é professor do Departamento de Economia e da pós-graduação em Economia Política da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e autor de Subordinated Development, transnational capital in the processo of accumulation of Latin America and Brazil, Brill/Hymarket, 2018-19.