Apoie o holofote!
Busca Menu

POLÍTICA

Bolsonaro prega ruptura institucional, mas parcela do grande capital continua apostando nele

05 de maio de 2022 - 02h13

Prioridades e projetos

 

Por Mauro Luis Iasi

A prioridade é derrotar Bolsonaro. Bom, já era a prioridade desde o segundo turno das eleições de 2018.

A grande pergunta é por que o miliciano na Presidência chega ao final de seu mandato e em condições de ir ao segundo turno nas eleições deste ano?

A resposta só pode ser encontrada em duas direções básicas. Em primeiro lugar, Bolsonaro não estaria mais na Presidência não fosse as várias prevaricações das instituições da República.

A começar pelo Supremo Tribunal Federal que diante de denúncias e indícios e, ainda mais sério, processos abertos pelo próprio STF, deixou de dar sequência às denúncias, investigações e processos.

Depois pelo legislativo que engavetou centenas de pedidos de impeachment embasados e justificados, além de promover uma CPI da Covid que chegou a comprovar dezenas de crimes do presidente e seus asseclas.

Não devemos esquecer a negociata com o chamado Centrão que em troca de cargos, emendas e favores deu ao miliciano a maioria que o sustentou.

Por fim, mas não menos importante, a Polícia Federal que por disposição ou interferência deixou de investigar ou levar a termo supostos crimes do miliciano e de sua família que vão desde as famosas rachadinhas até supostas ligações com a milícia e até crimes, como o possível envolvimento com o assassinato de Marielle e a queima de arquivos até hoje não esclarecidas.

Podemos listar apenas, como exemplo, os crimes eleitorais (divulgação massiva de fake news e uso de recursos não declarados etc.), os atentados à democracia (convocação e participação em atos antidemocráticos, declarações contra instituições da República, difundido mentiras sobre as urnas eletrônicas e o resultado da própria eleição que o levou ao governo etc.), crimes de responsabilidade que puderam ser comprovados na reunião ministerial gravada, assim como na condução criminosa da questão ambiental e indígena, em vários casos de corrupção (no Ministério do Meio Ambiente, Saúde, Educação etc.) e na desastrosa condução do enfrentamento da pandemia.

Ao lado de toda esta prevaricação escandalosa que se explica em parte pela chantagem aberta de ruptura e em grande medida por conveniência do grande capital monopolista, devemos agregar o papel da oposição ao bolsonarismo.

A principal força de oposição, o PT, traçou uma estratégia de enfrentamento que se apoiava na certeza de que o desgaste do miliciano o levaria a inevitável derrota eleitoral, esvaziando deliberadamente o movimento pró-impeachment e mantendo a oposição em uma linha de não enfrentamento direto quando dos sérios ataques aos trabalhadores pela imposição da pauta do grande capital, seja no desmonte das políticas públicas, nas contrarreformas trabalhista, da previdência, na operação de medidas ultraliberais pelo representante do capital monopolista, o senhor Guedes.

Um governo de extrema direita que por ameaça ou acordo neutralizou as instituições e atacou como fez à toda a população de um país, exigiria por parte dos trabalhadores uma ação decisiva e forte, não só manifestações e protestos, mas fundamentalmente uma greve geral e uma forte pressão por seu afastamento. Podemos, então, dizer que a principal força de oposição e seus aliados também prevaricaram.

A esquerda, derrotada pelo longo período de conciliação de classes e pelo avanço da extrema direita, isolada de setores essenciais da classe e das massas, não foi capaz de se erguer como alternativa, ainda que tenha participado ativamente nos protestos e atos contra as políticas do governo e pelo impedimento do miliciano.

Chegamos, então, ao momento atual. Tudo foi adiado para o terreno da disputa eleitoral, esperando que seja este um terreno favorável para finalmente derrotar Bolsonaro e a extrema direita.

O PT, fiel a sua estratégia, procura ampliar o leque de alianças atraindo setores da direita supostamente descontentes com o desastroso governo do miliciano.

A presença de Alckmin na vice-presidência é um aceno claro ao empresariado que tinha nele a preferência em 2018.

Bolsonaro chega vivo apesar do profundo desgaste e do governo desastroso em grande medida porque sua sustentação não se apoia em meios clássicos, mas na ligação direta com setores que se movem pelo discurso contra as instituições, os preconceitos, o irracionalismo e as bravatas.

Entretanto, enganam-se os que creem que o miliciano carece de mediações organizativas para fortalecer esta ligação.

Tal mediação é feita pelas associações ditas religiosas, na verdade empresas com práticas e fins nebulosos, grupos de extrema direita e supostas ligações com as Forças Armadas, corporações policiais e milícias.

Sua sobrevida, também, se dá pelo fato que uma parcela do grande capital ainda o vê como uma alternativa e se beneficiou grandemente de seu governo criminoso.

Estas ligações explicam, em parte, a razão pela qual há uma distorção entre os índices de avaliação de seu governo e o resultado das pesquisas eleitorais.

Ressalta-se, por fim, que a estratégia do miliciano não se limita à disputa das eleições, mas claramente aponta para a ruptura institucional que o criminoso nunca deixou de defender e tentar, mesmo durante seu governo.

Uma parte das classes dominantes operou no último período na oposição ao miliciano. Inicialmente flertou coma proposta de afastamento, mas acabou se rendendo ao pacto que manteve o presidente apostando em seu desgaste.

Estes setores apostaram que a polarização entre o petismo e o bolsonarismo acabaria viabilizando uma mítica terceira via, o que de fato não ocorreu

Diante deste cenário complexo, as forças de centro esquerda e esquerda se dividem quanto à tática a ser adotada.

Diante da prioridade de derrotar Bolsonaro, alguns setores optaram por apoiar, já no primeiro turno, o candidato que a julgar pelas pesquisas eleitorais reúne as melhores condições de vencer o pleito.

Ainda que considerando a validade dos principais argumentos apresentados, nos chama a atenção o esforço de justificar a tática com certos arroubos de ilusão.

Apoiar Lula para derrotar Bolsonaro é uma tática justificável, mas não é necessário encobrir este ato com supostas negociações de pontos programáticos ou, pior ainda, reescrever a história apagando os desvios e equívocos contra os quais a esquerda se opôs durante todo o período dos governos petistas.

Um deles é exatamente o fato de que o PT honrou as promessas e compromissos com seus aliados da ordem, do capital e seus representantes na direita política, mas não ocorreu o mesmo com os acenos à esquerda e aos trabalhadores, como podemos ver pelo abandono da reforma agrária e a prioridade ao agronegócio, a não reversão da lógica financeira e o favorecimento aos bancos, a manutenção da prioridade do saneamento financeiro do Estado e a Lei de Responsabilidade Fiscal que acaba gerando o garrote na política de investimentos e na aplicação de políticas sociais que se tornam focalizadas fragmentadas e compensatórias, realizou a contrarreforma da previdência e implantou políticas de parceria público-privada de caráter privatizante.

Além de não empenhar-se numa reforma política, acabou por se render à governabilidade do presidencialismo de coalizão e quando da crise não hesitou em editar medidas jurídicas de caráter reacionário como as medidas de garantia da Lei e da Ordem de dezembro de 2013.

Acreditar que agora seria diferente é um misto de ingenuidade e oportunismo. O eventual governo de Lula não será uma inflexão à esquerda se comparado com a experiência anterior.

Provavelmente será um governo ainda mais comprometido com uma governabilidade conservadora e uma aliança ainda mais profunda com o grande capital, portanto, o espaço para concessões compensatórias será, provavelmente, ainda menor.

Um exemplo disto é a posição diante da revogação da contrarreforma trabalhista. Inicialmente cotada como um dos pontos do acordo com certa força de esquerda, foi retirada da pauta e entregue ao vice-presidente para negociar uma eufemisticamente chamada “revisão”.

Diante disso, outras forças de esquerda, como o PCB, optam por apresentar candidaturas próprias com a finalidade de, no primeiro turno, expor as diferenças e centrar o debate programático naquilo que se acredita ser o essencial para pensarmos o Brasil e seu futuro.

Não pode haver espaço para um programa e um governo popular que não se confronte com o grande capital monopolista em todas as suas formas: financeira, industrial, agrária, comercial, de serviços, midiática etc.

Não podemos começar a pensar em transformações mais estruturai e necessárias, no enfrentamento das áreas da saúde, educação, moradia, planejamento urbano, transporte, meio ambiente, se não enfrentarmos a ditadura do capital financeiro e seu principal mecanismo de saque ao fundo público que a dívida interna e externa.

Não é possível pensar o Brasil sem um enfrentamento claro contra o agronegócio, implementando uma reforma agrária e, mais que isto, uma profunda redefinição de uma política agrícola e de abastecimento.

Da mesma forma é necessário entender que os diversos setores do capital monopolista estão profundamente associados e dependentes ao imperialismo.

Estas constatações nos levam a uma política de alianças e uma governabilidade necessariamente diversa daquela que a centro esquerda defende.

Não é possível executar esta tarefa aliado aos grandes industriais, banqueiros e empresários rurais, muito menos tentando uma convivência generosa com o imperialismo.

As forças populares e a maioria da sociedade só podem enfrentar estes poderosos inimigos com suas próprias forças e sua organização independente, o que nos leva à necessidade de uma profunda alteração das formas de governo e de sustentação política na criação de órgãos de poder popular.

Como se vê, programática e politicamente trata-se de uma opção muito diversa que não pode se diluir numa frente de centro esquerda que caminha no sentido oposto.

Uma vez que, pelo quadro hoje apresentado, a maior probabilidade é que a eleição se resolva em um segundo turno, estamos convencidos de que o enfrentamento ao bolsonarismo e à extrema direita, seja nas eleições ou no risco de golpe, só pode se dar com o fortalecimento de uma esquerda e de sua independência de classe promovendo, como é sua responsabilidade, o debate político que a diferencie tanto da direita e extrema direita, como do pantanoso caminho da conciliação de classes.

 

Mauro Luis Iasi é professor associado da Escola de Serviço Social da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas (Nepem), educador popular do Neop 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB.


Comentários

Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!

Deixe seu comentário

Outras matérias