Geração filha dos porões da ditadura militar comanda Brasil e quer destruir democracia
23 de abril de 2022 - 20h35
Por Lúcia Rodrigues
A geração filha dos porões está no poder. Os golpistas de 1964 conseguiram se safar na Lei de Anistia, garantiram um artigo nebuloso na Constituição de 1988, passaram incólumes por todos os governos pós-redemocratização e lograram fazer seus sucessores.
A malta que pulula o Palácio e a Esplanada é cria dos fardados que queriam mandar pelos ares um show lotado em comemoração ao Dia do Trabalhador, no Riocentro, em 1981.
Tragédia que só não foi consumada, porque a bomba explodiu no colo de um dos militares que se preparavam para praticar a matança.
Um ano antes, um artefato, em formato de carta, já havia sido enviado à sede da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) do Rio de Janeiro e tirado a vida da secretária, Lyda Monteiro da Silva, ao abrir a correspondência.
A detonação de bombas era o modus operandi dessa caterva. Dezenas delas foram jogadas contra bancas de jornais que vendiam periódicos da oposição.
O próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, planejou explodir uma adutora no Rio de Janeiro, quando ainda integrava as fileiras do Exército brasileiro.
A súcia que hoje ocupa o alto escalão da República se formou nesse ambiente.
Não admira que torturadores como Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do DOI-Codi de São Paulo, que torturou em suas dependências mulheres grávidas, crianças e seus pais, seja ídolo do presidente Bolsonaro e do vice-presidente da República, Hamilton Mourão.
A reação do presidente do Superior Tribunal Militar aos áudios que confirmam a tortura como método da repressão no combate aos opositores durante a ditadura, é exemplo cabal dessa mentalidade.
Os relatos de choques elétricos nos órgãos genitais que provocaram abortos em presas políticas, não estragaram a Páscoa do ministro Luís Carlos Gomes Mattos, nem a de seus parceiros, segundo ele.
Justamente a Páscoa daqueles que se dizem contra o aborto…
Essa gente é a fraude encarnada. Cínica!
Prega contra o aborto, mas defende o regime que realizava abortos durante sessões de tortura.
Vocifera que deus está acima de tudo, mas dá de ombros quando relatos estarrecedores, escondidos a sete chaves, são revelados justamente no dia de Páscoa, data cristã em que um preso político foi morto sob tortura e pregado na cruz.
Punho de Ferro
Mas o arbítrio praticado por essa choldra não ficou circunscrito ao período dos Anos de Chumbo. Foi, inclusive, exportado para fora do país.
Entre os anos de 2004 e 2005, o atual ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, liderou ações da Minustah no Haiti, que foram duramente criticadas por entidades de direitos humanos.
Em uma delas, batizada como Punho de Ferro, Heleno comandou uma verdadeira carnificina em uma favela da capital Porto Príncipe.
Suas tropas dispararam 22 mil tiros para atingir o líder combatente, Dread Wilme, em uma operação que teoricamente deveria reestabelecer a paz.
Ao final da incursão, Wilme estava morto, assim como dezenas de haitianos, entre eles mulheres e crianças.
Heleno definiu a Operação como um sucesso, mas entidades de direitos humanos a classificaram como um massacre.
Pelos serviços prestados no Haiti, recebeu o prêmio Faz Diferença, do jornal O Globo, na categoria mundo.
De volta ao Brasil, assumiu a chefia de gabinete do comandante do Exército e na sequência subiu na hierarquia militar, se tornando general de Exército.
Em 2008, como comandante militar da Amazônia, Heleno criticou a demarcação de terras na reserva indígena Raposa Serra do Sol, localizada em Roraima, e se colocou ao lado de arrozeiros que combatiam os índios.
O posicionamento do general irritou o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que cobrou explicações de Heleno.
Um ano depois, era possível ver adesivos enaltecendo Heleno, colados nos vidros de carros que chegavam para a missa de 30 anos da morte do delegado torturador Sérgio Paranhos Fleury, em uma igreja da zona oeste da capital paulista.
Heleno sempre foi um legítimo representante desse ideário. Foi ajudante de ordens do general Sylvio Frota, quando este chefiou o Ministério do Exército no governo Geisel.
Frota era o principal expoente da linha-dura nas Forças Armadas naquele período, o que fazia o presidente Ernesto Geisel soar como um democrata perto dele.
Foi nessa escola que o general Heleno se formou.
E como os currículos dos cursos para oficiais das Forças Armadas não sofreram mudanças até hoje, é nessa escola que continuam se formando os militares brasileiros.
É por isso que nos últimos quatro anos de governo Bolsonaro temos visto ordens do dia alusivas ao 31 de março, enaltecendo nos quartéis o golpe que derrubou João Goulart, presidente legitimamente eleito.
O respeito pelo voto popular nunca esteve entre as preocupações dos militares golpistas e de seus pupilos.
A ditadura usurpou o direito da população eleger o presidente da República durante 21 longos anos.
O discurso de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas, sob o pretexto de assegurar que a vontade popular seja garantida, só engana incautos.
A verdadeira motivação por trás da surrada cantilena é a de manter o gado reunido em torno de si e radicalizá-lo para seu projeto fascistizante de destruição da democracia.
Bolsonaro sempre desprezou o voto popular. Nos anos 1990, quando ainda era deputado, disse que se chegasse à Presidência, daria um golpe para instaurar uma ditadura e matar 30 mil opositores.
É esse sonho acalentado há décadas, que ele tenta colocar em prática violentando diuturnamente o estado de direito.
Milícias
A ligação de Bolsonaro com milicianos sempre foi pública. Mesmo assim, isso nunca incomodou os militares que o cercam.
O general Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Defesa, nunca atrapalhou os negócios da milícia carioca, apesar de ter chefiado a intervenção federal na área da segurança pública no Rio de Janeiro, um ano antes de Bolsonaro chegar ao Planalto.
Braga Netto nunca desbaratou nenhuma atividade miliciana. E não se pode alegar que foi por falta de informação, porque ele já havia integrado o serviço de inteligência do Exército, antes de assumir o cargo no Rio.
O Escritório do Crime, comandado por milicianos da confiança da família Bolsonaro, agiu com desenvoltura durante todo esse período, sem nunca ser importunado.
O ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega conduziu a organização criminosa sem nenhum sobressalto provocado pelas forças de segurança comandadas pelo general.
A posição privilegiada na hierarquia da Segurança Pública, não fez, no entanto, com que Braga Netto ajudasse na elucidação das mortes da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista, Anderson Gomes, que ocorreram menos de um mês após ele ter assumido o comando da Segurança do Estado.
Os dois foram fuzilados, em plena via pública, por milicianos, um deles, inclusive, vizinho do presidente para o qual o general viria a trabalhar.
Até hoje, passados 1.500 dias após as execuções, o mandante dos crimes segue impune.