Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade e deve sofrer impeachment, defende procurador
22 de abril de 2022 - 15h28
República Tabajara do Brasil
Por Yuri Carajelescov
Como diria o famoso cronista, é óbvio ululante que o decreto bolsonariano, que concedeu perdão ao bombado deputado federal que atentou contra as instituições democráticas e por isso foi condenado pelo STF a oito anos e nove meses de prisão em regime fechado, além de multa e perda do mandato, não para em pé e neste momento em que escrevo estas linhas oxalá já esteja suspenso.
Uma república que se preze, e não seja uma organização “tabajara” qualquer, deve estar assentada, pelo menos, na igualdade perante a lei e no pressuposto de que os governantes, súditos dos governados e não o contrário, devem se submeter às leis e à Constituição e não manietá-las ao seu bel prazer.
De tão elementar, chega a ser tautológico reafirmar que toda e qualquer ação do poder público deve visar a uma finalidade lícita e moralmente aceitável, ou seja, atender ao interesse público.
Não basta que o ato seja formalmente compatível com o ordenamento, se o seu escopo for imoral ou contrário ao interesse público, será nulo e assim deverá ser declarado.
Jânio Quadros, em sua segunda passagem pela Prefeitura de São Paulo, após ser criticado pelo presidente da Associação Comercial, declarou a residência deste, localizada em bairro nobre da cidade, de utilidade pública para fins de desapropriação.
Ninguém jamais questionou que isso se encontrava entre o plexo de poderes do prefeito, no entanto, a medida meramente persecutória e revanchista, à evidência, nenhuma relação guardava com o interesse público e por isso foi invalidada.
Da mesma forma o atual chefete da República, digo assim porque não reconheço a legitimidade de uma eleição fundada na mentira e no “lawfare” conduzido por uma matilha de funcionários do interior agrícola do país, cujas responsabilidades vem sendo devidamente apuradas e imputadas, tem, nos termos da Constituição, a prerrogativa de conceder o perdão a condenados pela Justiça, mas não poderá usar esse poder para beneficiar seus apaniguados, porque sob a Constituição republicana vigora o princípio da impessoalidade.
Vejam que peculiar. Das dezenas de milhares de condenados pela Justiça criminal, muitos indevidamente, pois não é novidade que a serpente da justiça costuma picar apenas os calcanhares desprotegidos, o atual ocupante da Presidência resolveu agraciar justo um sujeito de notória periculosidade, já que suas ações se voltam contra a própria ordem democrática, apenas e tão só por se tratar de um correligionário seu e que expôs em público o que essa malta deve tramar no submundo palaciano.
Há jurisprudência às pencas para invalidar essa chicana presidencial, o que o STF deverá fazê-lo, uma vez provocado.
O ponto principal, a meu ver, nem é esse, mas o fato de que mais uma vez o chefete da República incorreu em crime de responsabilidade, qual seja, atentar contra o livre exercício do Poder Judiciário.
Neste caso, o ilícito é ainda mais evidente, pois o açodamento não permitiu sequer aguardar o trânsito em julgado da condenação do comparsa.
A sanção para isso é o impedimento congressual. Não importa se faltam três anos ou três dias para o fim do mandato.
É preocupante a nota acovardada do presidente do Congresso. Talvez imagine que apenas o tempo eleitoral dará cabo desse tempo de vilania à granel.
Ledo engano. A grei instalada no centro do poder não pensa em abandoná-lo. Para ela, eleições, Constituição e leis são filigranas. O que vale é o poder dos tanques.
Yuri Carajelescov é procurador da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, mestre em Direito pela Universidade de Coimbra, doutor em Direito pela USP (Universidade de São Paulo) e membro fundador da ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia).