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SOBREVIVÊNCIA

Movimentos sociais se reuniram no Senegal para defender direito à água e ao saneamento

Manifestantes participam da Marcha da Água durante a realização do Fama, em Dakar, no Senegal

21 de abril de 2022 - 12h17

A luta em defesa da água e do saneamento é internacional

 

Por Edson Aparecido da Silva

Há exatamente um mês começava o Fórum Alternativo Mundial da Água 2022, em Dakar, no Senegal.

O Fama ocorre em oposição ao Fórum Mundial da Água (FMA), um encontro de corporações, organizado pelo Conselho Mundial da Água (CMA) desde sua primeira edição em março de 1997, em Marrakech, no Marrocos.

O FMA acontece a cada três anos e reúne órgãos governamentais e agentes privados interessados em controlar a água e o saneamento.

Adota uma narrativa de preocupação com a necessidade de se “cuidar” da água do planeta e de garantir saneamento para o conjunto da população, mas, na verdade, reserva poucos espaços de participação para a sociedade civil.

Verdadeiros “puxadinhos” que têm como único objetivo, legitimar decisões que não garantem os direitos humanos à água e ao saneamento e buscam ampliar seu controle pelo setor privado, grandes corporações e agronegócio.

As restrições de participação de movimentos sociais e populares começam pelo valor das inscrições. Por um dia de participação, residentes em países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento) teriam de desembolsar 250 euros e moradores de países não pertencentes à OCDE, 150 euros. Estudantes e “jovens profissionais da água” pagavam 15 euros. Para os seis dias de encontro, os valores atingiam 800, 650 e 85 euros, respectivamente.

No Fama, não há cobrança para participar. É um espaço de debate democrático de ideias, de troca de experiências de luta e resistência em defesa da água e do saneamento público e contra as privatizações.

Reúne redes, movimentos sociais, populares e sindical, da cidade e do campo, populações indígenas e de várias religiosidades. Possibilita discussões em torno da água sob as mais variadas perspectivas e os mais variados olhares e vivências.

O Fama reuniu pessoas de vários países da África e de todos os continentes.

Os temas que mereceram destaque nos vários painéis de debates guardam profunda relação com os temas que enfrentamos no Brasil e na América Latina, como a luta contra a privatização, que segue adiante em várias partes do mundo; com destaque para o papel das mulheres na luta pelo acesso à água, que nos processos de privatização se intensifica. A necessidade de organização global para o  enfrentamento dos processos de privatização e apropriação da água pelo capital; a importância dos processos de remunicipalização/desprivatização de serviços de saneamento pelo mundo; a importância do controle democrático sobre as empresas e o fortalecimento dos instrumentos de controle e participação social, que aliás foram completamente desmontados pelo atual (des)governo brasileiro.

A criação da Rede de Água Africana, que deve fortalecer a luta em defesa da água e do saneamento, contra a privatização e apropriação pelo capital e agronegócio, foi um dos resultados importantes do Fama de Dakar

No Brasil, com base na experiência do Fama realizado em Brasília, em 2018, quando mais de sete mil trabalhadores e trabalhadoras da cidade e do campo, estudantes, povos originários e tradicionais e redes religiosas e representantes de mais de 30 países se reuniram em oposição ao fórum das corporações, organizamos o Fama 2022 Brasil-Dakar de forma virtual e que ocorreu simultaneamente ao encontro do Senegal.

Foram quatro dias de muito debate sobre temas que afetam a vida das pessoas, o meio ambiente, que  dificultam o acesso à água e ao saneamento e violam os direitos humanos.

Oito painéis, abordaram temas como: a interconexão Brasil-África; a luta dos povos indígenas, quilombolas e povos tradicionais e de áreas urbanas vulnerabilizadas; desprivatização e alternativas; fome, segurança e soberania alimentar e direito à água e ao saneamento; participação e controle social na gestão das águas; espiritualidade da água; emergências climáticas: seus impactos no campo, nas florestas e nas metrópoles e privatização e mercantilização da água.

Também ocorreram 25 atividades autogestionadas organizadas por vários movimentos que aprofundaram outros temas.

No Brasil, fortalecemos os laços das entidades de todos os cantos do país que militam nos temas de água e saneamento.

Todo o processo de construção do Fama foi muito rico e seu resultado deve contribuir com os debates da Cúpula dos Povos – Rio+30, que ocorre no próximo mês, e da Conferência Popular pelo Direito à Cidade, marcada para os dias 3, 4 e 5 de junho, além de também contribuir com o debate para as eleições de outubro, que esperamos, ponha fim ao extermínio das políticas públicas em geral e ambiental em particular.

Reforço aqui, um trecho que consta da Declaração Final do Fama de Dakar: “A água, como recurso vital, não é uma mercadoria que pode ser negociada na Bolsa de Valores, nem um bem que pode ser privatizado em benefício das empresas ricas e multinacionais. A privatização dos serviços de água e a financeirização desse recurso enriquecem as multinacionais em detrimento do povo”.

 

Edson Aparecido da Silva é sociólogo, mestre em Planejamento e Gestão do Território pela UFABC (Universidade Federal do ABC),  assessor de Saneamento da FNU (Federação Nacional dos Urbanitários) e secretário executivo do Ondas (Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento).

 

 


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