Direita espanhola faz congresso e líder que deve ser eleito dá sinais de que pretende se afastar do VOX de extrema-direita

01 de abril de 2022 - 19h50

A direita espanhola estará este final de semana em Sevilha num congresso extraordinário para recosturar seu partido

 

Por Alexandre Muscalu, de Madrid

O Partido Popular, legenda tradicional da direita espanhola, realiza neste final de semana em Sevilha, no sul da Espanha, um congresso extraordinário que deverá coroar Alberto Núñez Feijóo, atual governador da Galícia, como seu líder.

A medida visa dar por encerrada a crise aberta pelo confronto entre Pablo Casado, presidente do partido, e Isabel Díaz Ayuso, atual governante de Madrid. 

O “conclave” iniciado nesta sexta-feira se estende até o domingo, 3, na capital da Andaluzia, região governada por Juan Manuel Moreno Bonilla, um dos caciques mais poderosos do PP e apoiador de Feijóo.

Aliás quase todo o partido apoiou a candidatura de Feijóo, A imprensa conservadora também reiterou apoio ao galego para assumir a liderança do Partido, enfatizando que ele possui experiência administrativa (já alcançou quatro maiorias absolutas consecutivas). 

O período pré congressual acabou sendo marcado pelas negociações do PP com Vox, partido da extrema-direita, para formar governo em Castela e Leão. 

Analistas apontam que o sucesso local não é garantia de êxito na política nacional, ainda mais com uma série de adversidades importantes para a democracia liberal espanhola e europeia, com foco especial nos populares da península ibérica que terão desafios consideráveis enquanto oposição de direita. 

Entre as adversidades está por exemplo a forma como o partido deverá se comportar diante da necessidade de recuperar a imagem em baixa frente ao sucesso do Vox. Além disso, as pesquisas de opinião mostram a queda de popularidade do Partido, com a deterioração da situação econômica, após a invasão russa na Ucrânia, a recente greve dos caminhoneiros e a inflação que parece um “touro indomável”.

Outra questão que está pautada é se Feijóo será capaz de garantir que o pacto com a extrema-direita permaneça em segundo plano e não afete sua liderança à frente do PP. Algo que dependerá, em grande parte, de quantas primeiras páginas e manchetes mostrarem as “notícias” geradas pela ação do futuro governo Mañueco (de Castela e Leão) com o Vox.

Feijóo já deu algumas pistas sobre qual deverá ser seu roteiro. Parece que ele seguirá a fórmula que lhe rendeu bons resultados nos últimos anos na Galícia. A aposta em sua própria marca pessoal em oposição à sigla PP, ou pelo menos até que esta possa ser identificada com o “feijóoismo”.

Isto significará que ao contrário do que fez Casado, Feijóo optará por uma maior descentralização/autonomia. O PP será Mañueco em Castela e Leão, Ayuso em Madrid, Moreno na Andaluzia etc. Assim, no caso de erros que possam comprometer sua liderança, Feijóo poderá se dissociar, mais facilmente, deles.

E, com maior autonomia interna, Feijóo poderá apostar em destacar as diferenças de seu partido com o Vox, ao contrário do que fez Casado. 

Com o Ciudadanos, direita liberal espanhola, em declínio, Feijóo tem agora como rival ideológico um Vox em crescimento, que seu partido tem sido até agora incapaz de neutralizar politicamente e eleitoralmente.

Não se sabe se Feijóo abandonará a postura de oposição agressiva que o PP tem exercido contra o governo do socialista Pedro Sánchez, apesar de ele ter baixado os “decibéis” que Casado havia imposto. 

Resta saber se isso impacta em sua credibilidade e desvia a rota do que parece ser seu principal objetivo: projetar sua imagem como gerente sério e centrista para ganhar as eleições gerais. 

As consequências, ainda incalculáveis e imprevisíveis, desencadeadas pela invasão russa e a guerra na Ucrânia impactaram a economia espanhola, que passou de boas perspectivas pós pandemia, para o perigo de estagflação, uma combinação de inflação alta e crescimento estagnado. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, a inflação do mês de março bateu em 9,8%, maior índice desde 1985.

Pesquisas de opinião revelam que a preocupação da população espanhola com a situação econômica do país aumentou consideravelmente.

Enquanto no início de fevereiro a economia ocupava o segundo lugar no ranking de problemas da Espanha, agora assume o topo do pódio, com um aumento de mais de 16 pontos percentuais, saltando de 33,3% para 49,6% das respostas.

A preocupação com o desemprego, classificado como o segundo maior problema do país, também teve um ligeiro aumento. Já a preocupação com a Covid caiu, passando a ser o quinto problema nas preocupações da população espanhola. 

Feijóo pode realçar sua linha de oposição ao governo de Sánchez na economia, para competir com o Vox de Abascal, que está tentando capitalizar a crescente preocupação da população com a situação econômica, incentivando mobilizações sociais contra o governo do socialista.

Por enquanto a “Era Feijóo” ainda não começou. Teremos que esperar. Muitas incógnitas começarão a ser esclarecidas nas próximas semanas e meses. As eleições andaluzas serão o primeiro teste para o PP sob a liderança de Feijóo, não apenas em termos de resultados eleitorais, especialmente no que diz respeito à competição PP-Vox, mas também em termos de pactos pós-eleitorais.

Há muitos desafios em muitas frentes, para o atual governo de coalizão entre PSOE, de centro esquerda, e Unidos Podemos, de esquerda, e em especial para a direita tradicional do país.

A pipoca seria bem-vinda se se tratasse de um problema que afetasse apenas os conservadores, mas atinge a esquerda também. Então apertemos os cintos e aguentemos a turbulência que já dá sinais de ter chegado por aqui.

 

Alexandre Muscalu é historiador pela USP (Universidade de São Paulo), educador, mora em Madrid, na Espanha, há cinco anos e é correspondente do Holofote.