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CINEMA

Premiação do Oscar 2022 é marcada por tapa de Will Smith no rosto de Chris Rock

O ator estadunidense Will Smith desferiu um tapa no rosto do compatriota Chris Rock durante premiação do Oscar 2022

28 de março de 2022 - 13h41

A Academia deu um tapa na cara da sociedade

 

Por Paulo André Machado Kulsar

A cerimônia de entrega do Oscar 2022 ficará eternizada pelo tapa que Will Smith desferiu no rosto de Chris Rock, após uma piada inaceitável.

Para além das polêmicas a respeito da forma de votação, das escolhas feitas para a premiação e pela criação da “segunda divisão” de categorias, o que fica é a evidenciação de que a cultura machista é dominante, e o que realmente incomoda os votantes é a desconstrução da ideia do “macho alfa”.

Os comentários de Sam Elliot, reclamando da forma como os cowboys foram retratados, já foram um aviso sobre como a masculinidade tóxica é dominante na cultura norte-americana.

Elliot considera que Jane Campion não tinha o direito de fazer um filme sobre o Velho Oeste, muito menos retratando cowboys como homossexuais.

Como se alguém tivesse de pedir licença aos donos da narrativa, que dizimaram a população nativa e se vangloriam da bravura de ter conquistado o território. 

Ataque dos Cães, aclamado pela crítica, indicado a 12 estatuetas, acabou levando apenas a de direção.

Impossível descobrir os motivos de cada votante, pois são milhares, mas a repercussão das declarações de Elliott nos dão uma pista. Talvez considerem No Ritmo do Coração um filme melhor, e pronto…

Mas o grande protagonista da noite, o ator que, mesmo tendo tantos papéis memoráveis, nunca fora agraciado com um Oscar.

Finalmente chegou a vez de Will Smith ser consagrado. E o que acontece? Ele precisa defender a honra de sua esposa, ofendida pelo comediante.

Ele que, segundos antes, havia rido da piada! Quebrando o protocolo, levanta-se, caminha até o palco e agride o infame piadista, com quem já tinha um histórico de agressões verbais (ora, mas foi só uma piada…). 

Qual o limite do humor? Qual deve ser a reação das pessoas ofendidas por humoristas que estão fazendo “só piadas”?

Essa discussão não tem respostas fáceis, e não é meu intuito desenvolver aqui uma argumentação a respeito.

Minha proposta é refletir sobre os valores que a Academia demonstra, ao reiteradamente dar espaço em suas cerimônias a comediantes que têm o hábito de fazer piadas sexistas, machistas, homofóbicas, capacitistas…

A piada é inaceitável. Mas a agressão também é inaceitável. O que fazer?

É aceitável se vangloriar do genocídio indígena. É aceitável realizar um filme sobre a trajetória de duas excelentes atletas, uma delas quiçá a maior de todos os tempos, com foco no pai abusador. É aceitável aplaudir o discurso de um homem que se advoga o papel de protetor de sua esposa, protetor das jovens atrizes com quem contracenou, protetor da família. Onde foi que já ouvi isso?

Jane Campion, a diretora premiada da noite, foi extremamente infeliz em seu discurso no Critics Choice Awards, ao se comparar às irmãs Williams, dizendo que competia com homens, diferentemente das tenistas.

Ela não refletiu sobre tudo o que escrevi acima. Neste modelo de sociedade, todas as mulheres competem com os homens. As irmãs Williams tiveram que competir a vida toda com o “King Richard”, e mesmo no filme sobre elas estão à sombra do “protetor da família”. Sem falar nas diferenças de valores de salários e premiações.

O que aconteceu na cerimônia de 2021 foi tão traumático assim? A frustração por não premiar Chadwick Boseman, e o anticlímax por ter de entregar o Oscar para um papel de um homem que demandava cuidados, e representava o oposto dessa masculinidade patriarcal, e ainda por cima um ator que não participou da entrega, pois dormia no momento do anúncio, foi tão impactante, que a Academia não suportaria dar o prêmio para um papel que escancara que a força pode estar na sensibilidade?

É auspicioso pensar que temos, pela primeira vez na história do Oscar, mulheres recebendo o prêmio de melhor direção em anos consecutivos. Assim como o de melhor filme, novamente dirigido por uma mulher.

Nas palavras de Campion, “criar um mundo pode ser uma tarefa grande demais”, e isso não pode ser tarefa individual.

É preciso mostrar que existe uma outra forma de olhar para o mundo, através do respeito. Esse olhar feminino está começando a mudar essa perspectiva. Que seja uma mudança efetiva, e não apenas na aparência.

 

Paulo André Machado Kulsar é sociólogo formado pela USP (Universidade de São Paulo) e professor.


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